Miguel de Almeida
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Miguel de Almeida

Editor e diretor de cinema

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Miguel de Almeida

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RESUMO

Sem tempo? Ferramenta de IA resume para você

GERADO EM: 09/09/2024 - 00:05

Transformações políticas e sociais no Brasil: desafios e controvérsias.

A militância política no Brasil mudou, levando a perseguição de religiões afro-brasileiras. Novas faces da esquerda defendem liberdade de expressão, porém adotam posturas controversas. O renomado economista Stiglitz aborda liberdade sob diferentes prismas. A extrema direita, a solidão contemporânea e a manipulação política são temas explorados, apontando para um cenário desafiador e complexo.

Faz pouco, as ruas quase só eram ocupadas pelos movimentos de esquerda. Com as redes sociais e o fim do imposto sindical, a militância mudou de mãos. Sob nova administração, a defesa da liberdade de expressão tornou-se um mantra onipresente.

Antigas bandeiras como moradia popular ou menos desigualdade econômica foram substituídas no discurso, e algumas vezes na prática, pela rejeição às cotas sociais, pela volta da ditadura militar e pela estridente homofobia. Ah, pediu-se tolerância religiosa enquanto passaram a perseguir as religiões afro-brasileiras.

A coerência não é um atributo da política. Nela, ao contrário do que dizia Gertrude Stein, uma rosa não é uma rosa. Ao falar de democracia, a prática da extrema direita mostra a tentativa de erodir a coesão social. O intuito é o reino do medo. As inconstâncias propiciadas pelas novas tecnologias ajudam na venda de um futuro apocalíptico. Por que será que o Inferno surgiu com as religiões? Ainda bem que na Idade Média inventaram o Purgatório — na lojinha da fé, já é uma pechincha.

O novo livro de Joseph E. Stiglitz, “The road to Freedom” (ainda inédito no Brasil), discute a ideia de liberdade à luz da sociedade contemporânea. Nobel de Economia e ex-assessor econômico de Bill Clinton, Stiglitz usa o raciocínio de meu herói Isaiah Berlin para construir sua abordagem:

— A liberdade dos lobos muitas vezes significou a morte das ovelhas.

O mal-ajambrado lero-lero em defesa dos golpistas condenados pelo 8 de Janeiro e o pedido de anistia para o pai do enrolado Jair Renan desnudam a vida na selva da política brasileira. Vale lembrar que Berlin era um charmoso e inquieto liberal. Seria um sujeito de direita na avaliação tosca da esquerda petista. Certamente comuna para alguns pastores.

A liberdade política ocorre com a liberdade econômica — e vice-versa, argumenta Stiglitz, integrante liberal da ala progressista do Partido Democrata. Sem opções, não há qualquer liberdade.

— Alguém que enfrenta extremos de necessidade e medo não é livre — escreve.

Seria o caso do liberou geral da venda de armas. O porte alegra o ânimo libertário de quem possui o revólver, mas destrói a liberdade das centenas de mortos dos massacres ocorridos dia sim, dia não (no Brasil: a cada minuto). De outro lado, a liberdade de escolha sexual ou o direito sobre seu corpo — o aborto, por exemplo — não é tolerado pelos que desejam andar armados.

Stiglitz de novo:

— A liberdade de cada pessoa para trabalhar com Deus à sua maneira, em qualquer lugar do mundo.

A manipulação, ou mentira política, não é invenção da extrema direita; sempre ocorreu como arma (ops!) na luta pelo poder. Foi instrumento de embuste dos árabes contra a invasão cristã e do governo francês em 1914. Até o pombo-correio levava informes falsos com a intenção de ludibriar os soldados do Papa. Sou fascinado pela colaboração de Santo Agostinho à ideia de um Deus onipresente, ubíquo, aquele que tudo ouve e tudo vê. Não há melhor algoritmo. As preleções de Agostinho ainda serviram de convencimento para que vários filhos dedurassem os pais como pagãos. Também lá a coisa não acabou bem. Deu gás na intolerância religiosa. De lá para cá, passaram-se centenas de anos, e o homem sofisticou sua capacidade em dominar pelo medo.

Começo a desconfiar de que o fenômeno da atual extrema direita, além de ser um caso econômico provocado pela transformação do futuro próximo em algo ainda mais incerto, seja resultado da solidão contemporânea identificada pelos médicos. Já é uma patologia. O cotidiano das redes e a vida on-line são um degredo digital.

Vamos pensar nos sopões do pré-8 de Janeiro na frente dos quartéis amigos. Sei como é difícil tirar uma idoso de casa, sempre é necessário alta argumentação — e ali estava muito bem representada a terceira idade. Não importa se com alucinações coletivas trazidas pela pandemia ou com a busca de contato com os extraterrestres (não é que Trump prometeu liberar gravações sobre os óvnis se eleito?). Temos de ser solidários. Eles enfrentaram frio e chuva, claro, com a ajuda de militares compreensivos. Mas ali fizeram amizades, degustaram churrascos malpassados, cantaram juntos, até pularam fogueira — e agora, a cada feriado, participam de manifestações. Irmanados. É fofo.

Sem o bingo livre, aonde ir? Junte a destruição de profissões, a chegada da IA — bem, até a companhia de um pneu pode ser um bom amigo diante da solidão.

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