Pablo Ortellado
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Pablo Ortellado

Professor de Gestão de Políticas Públicas na USP

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Pablo Ortellado

Professor de Gestão de Políticas Públicas na USP

RESUMO

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GERADO EM: 06/07/2024 - 00:05

Desafios da Esquerda frente à Direita Populista

O crescimento da direita populista é atribuído à falta de resposta do establishment às demandas populares por segurança, proteção à família e pluralidade. A esquerda precisa oferecer soluções concretas para as inquietações emergentes e não apenas combater as respostas da direita populista. É essencial distinguir entre as propostas dos líderes populistas e as necessidades reais da população.

O establishment está chocado com a força da direita populista nos Estados Unidos e na França. O Reunião Nacional, partido de Marine Le Pen e Jordan Bardella, deverá emergir do segundo turno das eleições parlamentares da França, amanhã, como força política mais importante do país. Nos Estados Unidos, as fraquezas de Biden fazem de Donald Trump o favorito para vencer as eleições de novembro. Aos avanços políticos nos Estados Unidos e na França se somam a vitória, na Holanda, do Partido da Liberdade de Geert Wilders (que por pouco não se tornou primeiro-ministro), o consolidado governo de Giorgia Meloni na Itália e a ascensão de Javier Milei na Argentina. A onda global do populismo de direita parece um tsunami irrefreável.

Na França e nos Estados Unidos, analistas se perguntam incrédulos por que os cidadãos se voltam para alternativas antidemocráticas, chauvinistas e racistas. Centristas e progressistas se questionam, perplexos, como os franceses podem votar em massa no partido herdeiro da Frente Nacional e como os americanos podem votar em Trump depois de um primeiro governo desastroso e de terem testemunhado a invasão do Capitólio.

A pergunta está mal colocada. Há muitos anos o populismo de direita está em ascensão, atendendo a legítimas demandas populares: mais segurança, mais atenção e proteção à família e mais pluralidade nas universidades e na mídia, entre outras coisas. O establishment político se empenha demais em denunciar e combater as respostas oferecidas pelos populistas, mas não foi capaz de se reformar para oferecer alternativas a essas demandas legítimas da população. Pelo contrário, as forças de esquerda e de centro consolidam seu distanciamento dessas questões, entendidas como “pautas da extrema direita”.

É preciso um discurso político que demonstre preocupação e solidariedade com o trabalhador que foi roubado e não tem mais segurança para sair de casa. A agenda de direitos humanos para minimizar os abusos da polícia, embora correta, não atende a essa inquietação.

É preciso um discurso que valorize, estimule e proteja a família, núcleo fundamental de solidariedade e afeto num mundo “sem coração” (como dizia Christopher Lasch). As denúncias de disparidades e violências entre homens e mulheres, embora corretas, não atendem a essa inquietação.

Capa do audio - Pablo Ortellado - CBN Ponto de Vista

É preciso um discurso que reconheça que as universidades e os meios de comunicação não são suficientemente plurais, do ponto de vista político, especialmente se levarmos em conta a nova direita. As políticas que buscam introduzir diversidade racial e de gênero nessas instituições, embora corretas, não atendem a essa inquietação.

Enquanto nenhuma outra força política oferecer com centralidade respostas alternativas adequadas a essas e outras inquietações, continuaremos a ver prevalecer no debate político visões punitivistas e violentas sobre segurança, vozes machistas e homofóbicas na proteção à família e perspectivas de guerra cultural no tratamento dos desequilíbrios dos meios de comunicação e das universidades.

A resposta intuitiva à ascensão da direita populista é construir uma agenda alternativa e confrontar politicamente duas visões de mundo antagônicas. No entanto a agenda da esquerda, do centro e até da centro-direita tem sido percebida por muitos segmentos como evasão dessas inquietações emergentes. É por isso que a força política da direita populista tem sido duradoura.

Não é apenas isso. No afã de combater a extrema direita, muitas vezes confundimos as forças políticas com a população que as apoia. É um erro político grave, pois, ao identificar as respostas preocupantes da direita populista com as inquietações legítimas dos eleitores, corremos o risco de transformar o embate com os cidadãos numa falsa expressão de antifascismo. É crucial distinguir entre as propostas das lideranças populistas e as necessidades reais da população em busca de soluções para seus problemas.

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