Pedro Doria
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Jornalista

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RESUMO

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GERADO EM: 30/07/2024 - 00:07

Apoio a Maduro e democracia na esquerda

O apoio a Maduro revelará quem na esquerda é realmente democrata, com destaque para a fraude eleitoral na Venezuela. A situação expõe a falta de transparência no processo eleitoral e a crescente autocracia. A postura dos políticos brasileiros diante desse cenário mostrará suas convicções democráticas. A situação na Venezuela ilustra a importância da democracia e dos direitos fundamentais em meio a um contexto de incertezas e questionamentos sobre a legitimidade do governo Maduro.

O bolsonarismo separou, na direita brasileira, quem tinha convicções democráticas de quem não tinha. Não é uma afirmação justa para fazer a respeito de todos os brasileiros que votaram em Jair Bolsonaro em 2022. A maioria das pessoas não pensa muito sobre política, no máximo lida como se fosse esporte com torcida. Não é o caso de todo mundo que pensa política diariamente e compreende o processo democrático. Bolsonaro deixou claro no governo que não era democrata. Quem entendeu isso e seguiu, pois é. Esta eleição na Venezuela terá efeito similar na esquerda. Separará os que têm convicções democráticas dos que não têm.

Vamos ser claros: houve fraude. Para ser mais claro: há um golpe de Estado em curso na Venezuela. Um autogolpe sendo impetrado pelo governo Nicolás Maduro.

No momento em que o Conselho Nacional Eleitoral, controlado pelo presidente, anunciou a vitória com 80% das urnas apuradas, muitas coisas estavam ocorrendo. Desapareceram 60% dos boletins de urna. Lá, como no Brasil, esses boletins devem ser tornados públicos em cada seção eleitoral. Dão a quantidade de votos que cada candidato recebeu em cada urna. A oposição só teve acesso a 40% deles. Durante a noite e madrugada, motociclistas da milícia bolivariana e militares ameaçaram e intimidaram pessoas que esperavam esses resultados à porta de zonas eleitorais por todo o país. Urnas foram retiradas ilegalmente ainda não sabemos de quantas seções.

Ou seja: não basta que o CNE apresente um número fechado de votos. Não é assim que funciona. O TSE, aqui, não faz isso. É preciso apresentar a lista de que urnas foram apuradas, quantos votos cada candidato tinha em cada uma, e esse número precisa bater com os boletins físicos tornados públicos nas seções. No Brasil é assim. É isso que faz uma eleição digital segura. Todo brasileiro pode, imediatamente, conferir o resultado de quantas seções quiser. Basta fotografar os boletins e comparar com o que diz sobre aquela localidade o site do TSE.

Na Venezuela, deveria ser igual. Mas não são apenas os boletins em papel que desapareceram. O site do CNE também ficou inacessível.

O governo Nicolás Maduro não permite que Henrique Capriles, líder da centro-esquerda, concorra às eleições. Não permite que Leopoldo López, da centro-direita, dispute o cargo. Bloqueou, neste ano, María Corina Machado, a terceira líder mais importante da oposição. Ela não foi a única proibida de se candidatar.

O Instituto V-Dem, que reúne centenas de cientistas políticos no mundo dedicados a avaliar democracias, classifica os regimes em quatro. Democracia liberal, democracia eleitoral, autocracia eleitoral e autocracia fechada. Numa democracia liberal, não só todos têm chances de vencer nas urnas, como todos os cidadãos são realmente iguais perante a lei. O Brasil é uma democracia eleitoral. As eleições são livres, mas cumprimos só a porção “democracia” do regime. Não garantimos a todo cidadão que ele terá rigorosamente os mesmos direitos de todos os outros, como exige a porção “liberal”. Democracia liberal fica para os suecos, não são muitas pelo mundo. A Venezuela é uma autocracia eleitoral. Não é garantido a todo mundo o direito de concorrer numa eleição, mas elas pelo menos existem e alguma chance a oposição tem de chegar ao poder.

Ou tinha. Na classificação do V-Dem, só havia uma autocracia fechada nas Américas. Cuba. Se a vitória de Maduro se consolidar, mesmo com a boca de urna do Edison Research confirmando a derrota em 64% para Edmundo González e 31% para Maduro, a coisa muda. Se a fraude for mantida, e o golpe de Estado se consolidar, até o arremedo de eleições que a Venezuela tinha deixará de ter.

A palavra é ditadura. Não precisamos romper relações diplomáticas — democracias se relacionam com ditaduras. Só não devemos fingir que é outra coisa. Na Venezuela não há liberdade de imprensa, existem prisioneiros políticos e tortura nas prisões, exilados e, agora, só o governismo tem chance nas eleições.

Há motivos para achar que houve fraude em pleitos passados. A eleição em que Chávez venceu Capriles por menos de 2 pontos percentuais teve queda de luz no prédio do CNE durante a contagem, e o ex-presidente virou sobre seu opositor no período de blecaute. Eu estava lá, como observador internacional a convite do Sindicato de Jornalistas local. Mas vá — as pesquisas mostravam mesmo que seria apertado.

Um pedaço da direita brasileira é golpista. Será bom saber, com clareza, que pedaço da esquerda está conosco no conjunto dos democratas. E que pedaço acha que democracia vale só quando é para a esquerda estar no poder. Ficará claríssimo nos próximos dias.

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