Pedro Doria
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Pedro Doria

Jornalista

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RESUMO

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GERADO EM: 16/07/2024 - 00:05

"Teorias conspiratórias pós-atentado a Trump geram divisões políticas"

Teorias conspiratórias sobre atentado a Trump se espalham nas redes. Fenômeno de "BlueAnon" cresce. Redes sociais impulsionam divisões políticas e resistência a rever crenças. Risco de radicalização e perda de confiança democrática. Impacto da violência incitada por líderes políticos.

As redes sociais americanas explodiram neste fim de semana em teorias conspiratórias a respeito da tentativa de assassinato do ex-presidente Donald Trump. Teorias conspiratórias à esquerda. Não foi só lá — pulsaram, e em quantidade, também aqui no Brasil. “Armação”, “teatro”. “É tinta vermelha no rosto dele.” Os sociólogos americanos que estudam desinformação on-line se saíram com um apelido para a onda — BlueAnon. Uma mistura da cor azul, atribuída ao Partido Democrata, com QAnon. A diferença é que, na versão de esquerda, não há satanistas e pedófilos. De resto, é o mesmo princípio de um grupo poderoso escondido, secretamente orquestrando o que parece caos na realidade.

Teorias conspiratórias são uma ferramenta de proteção mental. O mundo é muito complicado, coisas acontecem de repente. A explicação para o lado complicado do mundo às vezes é complexa, às vezes é contestada, às vezes é desconhecida. Às vezes é só fruto do acaso. Aleatório. Uma conspiração simplifica tudo: se organizaram sem que nenhum de nós soubesse. Foi tudo planejado.

O mecanismo de defesa mental se sofistica. Montamos na cabeça um modelo de como o mundo funciona, sempre tingido pela ideologia que adotamos — e todos adotamos alguma. Modelos nunca são perfeitos, e o mundo se transforma. Quando há incongruência entre o modelo e a realidade, precisamos de uma solução. A solução desconfortável é reconhecer que o modelo não previu, que erramos, voltar e entender por quê. A confortável é encontrar uma explicação externa: se organizaram, pois é.

Algo assim sempre existiu, mas foi acelerado pelas redes sociais. Nelas, nos dividimos em tribos. Ter um lado político é agir como torcedor. Somos constantemente incentivados a estar sempre entre os nossos e preparados para atacar os outros. Nesse ambiente, o preço de voltar atrás, de rever o modelo, de cogitar ter estado errado, é muito mais alto. Estamos sob pressão contínua do nosso lado. Ninguém pode ceder a respeito da verdade que cultivamos. Se nosso candidato, que não tem como perder, perde a eleição — o processo eleitoral foi fraudado. Se o povo vai às ruas contra a presidente que representa o povo — uma nação estrangeira incitou o levante. As explicações de como se deu a conspiração são sempre vagas. O sistema tem seus métodos necessariamente secretos.

Como as redes sociais organizam a sociedade em tribos políticas em que ceder, dizer que estava errado, não é uma possibilidade, jamais, elas precisam de teorias conspiratórias. Antes das redes, teorias conspiratórias davam trabalho. Para conhecê-las, era preciso frequentar reuniões de gente esquisita ou ler publicações amadoras de procedência duvidosa. Era preciso ser muito dedicado para comprar uma e admitir em público. Nas redes, as barreiras todas são derrubadas. A difusão é acelerada, a adoção idem, e a construção das histórias ocorre aos olhos de todos. Ingênuo é quem está fora do grupo e não conhece a “verdadeira verdade”.

A esquerda brasileira já tinha suas teorias conspiratórias. A participação do governo Barack Obama no impeachment de Dilma Rousseff por interesse em petróleo, a acusação de que o senador Sergio Moro seja agente da CIA ou a ideia de que Jair Bolsonaro nunca foi esfaqueado. Que era um plano para elegê-lo. Tudo bobagem, que não se sustenta por fato algum, além, claro, da longa cadeia de ideias soltas e fragmentos que organizam quaisquer teorias conspiratórias. Mas são ideias poderosas, muito difundidas, adotadas até por ex-ministros de Estados. E que, claro, organizam e simplificam o mundo.

Mas algo aconteceu com particular intensidade neste último fim de semana. Donald Trump é um político que incita violência no discurso. Rapazes antissociais que gostam de armas são exatamente o perfil que se organiza em milícias radicais pró-Trump. Foi um rapaz assim que tentou assassiná-lo no sábado. Filiado ao Partido Republicano. Não tem mesmo lógica aparente, e falta muita informação ainda. A investigação do FBI acaba de começar. Mas, quando se incita violência, quando se interfere na psique de quem já é perturbado, mexe-se com uma força que não tem direção. Quando estoura, é potencialmente para qualquer lado. E rapazes antissociais com uma AR-15 na mão são um problema crônico da sociedade americana.

O risco é outro. Já perdemos um bom naco da direita para as teorias conspiratórias. Se a esquerda for pelo mesmo ralo, o que sobrará nas democracias?

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