Pedro Doria
PUBLICIDADE
Pedro Doria

Jornalista

Informações da coluna

Pedro Doria

RESUMO

Sem tempo? Ferramenta de IA resume para você

GERADO EM: 02/07/2024 - 00:05

Sucesso do Plano Real

O Plano Real foi bem-sucedido devido à capacidade de explicação da imprensa, que foi crucial para a compreensão da população. A união em torno de um projeto comum e a ausência de desinformação foram fundamentais para o sucesso do plano econômico.

Duas políticas públicas definem a Nova República, aquilo que a democracia brasileira melhor construiu desde o fim da ditadura. Foram o Plano Real e o Bolsa Família. Passamos as últimas semanas celebrando os 30 anos da primeira, mas pouco falamos de um dos elementos essenciais para seu sucesso: a imprensa. Porque, para além do instante de brilho da ideia dos economistas Persio Arida e André Lara Resende, no coração do Real estava a necessidade de ele ser bem compreendido pela sociedade. O Plano Real deu certo porque foi bem explicado, e isso ocorreu nas páginas de jornais e revistas, no rádio e, principalmente, nas telas de televisão. Compreender esse aspecto da história é importante porque ela nos impõe uma pergunta: será que seria possível hoje? Provavelmente a mesma ideia, hoje, não daria certo.

A inflação brasileira não era um problema simples de resolver. Entre 1979 e 1983, o governo João Figueiredo tentou três planos econômicos pra resolver a inflação. José Sarney lançou cinco planos. As pessoas lembram o Plano Cruzado, mas não Plano Bresser, Plano Verão. Lembram o Plano Collor, mas não que o governo Collor apresentou quatro planos em dois anos e meio. Não foi só por incompetência que tantos governos fracassaram. O problema era difícil mesmo, e não só porque era um monstro que nos fazia passar cheques na casa do milhão recorrentemente. A economia era indexada.

Desde os anos 1960, o Brasil foi se habituando a indexar contratos. Salário, aluguel, contratos diversos já tinham reajuste mensal previsto por um índice predeterminado. O resultado é que, além das forças da própria economia, que elevavam os preços, inúmeros valores já aumentavam automaticamente. Acabar com a inflação exigia resolver os problemas na base da economia, tirar dos contratos o gatilho de aumento que já estavam na cultura brasileira e, ao mesmo tempo, acostumar a população psicologicamente a pensar numa economia sem inflação. Sem os preços mudarem todo dia.

A beleza do Plano Real é a simplicidade da ideia. Ainda assim, uma ideia tão original, tão fora da caixa, que, mesmo simples, não tem nada de trivial. Era fazer com que os dois valores convivessem durante meses. O preço em cruzeiro real mudaria todo dia. O preço em URVs ficaria igual todo dia. No valor do imóvel, no valor do frango, no da dúzia de rosas na feira. Em toda parte. Para funcionar, aquilo precisava ser explicado. Reiterado. Martelado na cabeça de todo mundo. Para que, um dia, a plaquinha em cruzeiro real desaparecesse e, no lugar da URV, surgisse, elegante, um R$.

Capa do audio - Pedro Doria - Vida Digital CBN

A imprensa explicou. Ativamente, durante meses, todos os dias. Foi um trabalho insistente. O Globo Repórter chegou a dedicar uma edição inteira ao tema, em que jornalistas colhiam perguntas nas ruas para ser respondidas pela equipe econômica, gente como o então presidente do Banco Central, Pedro Malan. Os telejornais iam para supermercados, feiras. Mostravam as plaquinhas com os preços. Repetiam mais uma vez o que aquilo queria dizer. Todos os veículos trabalharam intensamente nesse serviço de informação.

O plano só teria uma chance de dar certo se o brasileiro compreendesse o que acontecia. Se ele entendesse que, no momento em que a plaquinha com o preço na moeda antiga saísse dali, a hiperinflação acabaria. Não porque os preços estivessem congelados. Mas porque a economia teria entrado em ordem. Se o brasileiro não acreditasse, seguiria aumentando os preços, os valores de contratos mensais, tudo.

Não era todo mundo que acreditava no Plano Real. Muito partido de esquerda bateu — e bateu duro. Mas, naquele Brasil, era possível ainda mobilizar grande parte da sociedade em torno de um projeto comum, e não havia uma máquina digital de desinformação instalada. A polarização afetiva, como a chamam Felipe Nunes e Thomas Traumann no livro “Biografia do abismo”, não era a realidade política.

Democracias só resolvem problemas grandes se sociedades são capazes, de tempos em tempos, de se unir num projeto comum. Esse tipo de união dá gás, gera otimismo e, por isso mesmo, fortalece o projeto. Um sistema de comunicação que tenha anticorpos com força suficiente para eliminar desinformação é também fundamental. E fazer isso num ambiente onde vozes dissonantes sigam tendo espaço é justamente a arte de uma democracia vibrante e saudável.

O Plano Real fundou o Brasil contemporâneo. Ele foi, depois do tropeço de Fernando Collor, a prova de que o país democrático tinha tudo para dar certo. Em grande parte, deu. Vivemos num país muito melhor para mais brasileiros do que aquele de antes.

Mais recente Próxima Trabalhe para a Meta