Pedro Doria
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GERADO EM: 23/07/2024 - 00:05

Divisão política no Vale do Silício influencia eleições e questões-chave nos EUA

O Vale do Silício reflete a divisão política dos EUA, com choque ideológico entre Vance e Kamala. A indústria tecnológica se divide entre progressistas e libertários-reacionários, influenciando a campanha presidencial e questões como regulação de criptomoedas e antitruste. A China é vista como inimigo comum.

Confirmado que Kamala Harris será candidata à Presidência dos Estados Unidos, esta se torna uma eleição-chave para o Vale do Silício. A divisão política que se instalou no coração digital do país será o pano de fundo do pleito. Kamala iniciou a carreira política como procuradora-geral da região da Califórnia que inclui o Vale. Mas não só. O vice escolhido por Donald Trump, J.D. Vance, vem da elite do investimento em tecnologia. Tem ideias próprias fortes, que ajudam a compor um novo tipo de reacionarismo digital. O choque ideológico entre ambos é o choque ideológico que vem se desenhando na indústria da tecnologia nos últimos dez anos.

Em nenhum grupo a divisão política é mais nítida que no conhecido como “Máfia do PayPal”, um conjunto de homens na casa dos 50 anos que ajudou a criar o primeiro sistema de pagamento da internet, nos anos finais do século XX. Depois da venda do PayPal, que tornou todos muitas vezes milionários, eles se mantiveram próximos, numa rede de apoio mútuo, aconselhando uns aos outros em investimentos. Elon Musk fundou Tesla, SpaceX e é hoje dono da rede social X. Peter Thiel, David Sacks, Reid Hoffman e Pierre Omidyar viraram alguns dos investidores mais influentes da tecnologia. Seu dinheiro ajudou a financiar, nos estágios iniciais, empresas como Facebook e LinkedIn, e o mais bem-sucedido berçário de startups, a Y Combinator.

J.D. Vance — que trabalhou tanto com Sacks quanto com Thiel em suas firmas de investimento — tem ambos como mentores e principais apoiadores. Mas o caminho de influência é de mão dupla. Vance é um pensador com ideias próprias, que em muito ajuda a organizar o pensamento de ambos e de Musk. Não apenas. Aos três, somam-se Marc Andreessen, criador do primeiro navegador gráfico, e Ben Horowitz, seu sócio noutra empresa de venture capital particularmente bem-sucedida.

A concepção de mundo que esse grupo tem parte de uma visão radical de meritocracia. Quem manda na indústria da tecnologia está na crista da onda do desenvolvimento humano e seu caminho de domínio deveria ser facilitado pelo Estado. (Musk chega a ponto de ter muitos filhos por julgar ser sua obrigação passar adiante seus genes.) Eles acreditam ter maior competência para julgar como desenvolver melhor inteligência artificial e instalar um novo sistema financeiro global. (A Andreessen Horowitz é investidora importante no mundo das criptomoedas.) Querem menos regulação e consideram que os Estados Unidos se enfraqueceram com o discurso identitário em instituições de elite, que abre espaço a gente fraca e frágil em detrimento de quem tem real vocação para domínio.

Vance elabora mais: apelida a elite americana de “A Catedral”, um grupo formado pelas mesmas escolas, que se encontra nos mesmos clubes, frequenta as mesmas festas e se espalha pelo comando das maiores empresas, dos dois partidos políticos e das redações de jornais e TVs importantes. Por compartilharem a mesma ideologia, variações do liberalismo fundador do país, em essência bloqueiam o acesso dos mais pobres, que se viciam com auxílios estatais e programas sociais. Seu libertarianismo econômico se mistura com a pauta conservadora de costumes e deságua numa versão mais sofisticada do trumpismo. Considera um mito a possibilidade de crescer por conta própria nos Estados Unidos, que enxerga como oligarquia.

Até o fim da primeira década deste século, era difícil encontrar gente declaradamente de direita no Vale — quanto mais esse misto de libertários com reacionários. Hoje o liberalismo progressista ainda está presente em executivos como Tim Cook, da Apple, nos fundadores de Google e Netflix, na ex-todo-poderosa da Meta Sheryl Sandberg e, claro, isso inclui gente da Máfia do PayPal. É o caso de Reid Hoffman, criador do LinkedIn, e Pierre Omidyar. São todos doadores do Partido Democrata. Muitos deles, doadores pessoais das campanhas de Kamala Harris desde os primeiros passos dela.

O Vale tem problemas com algumas propostas do governo de Joe Biden, incluindo o avanço antitruste sobre as grandes plataformas. Curiosamente, Vance apoia esse movimento do governo. Foi também um dos entusiastas investidores no Rumble, versão trumpista do YouTube. Em parte, Vance e os seus olham com desconfiança para seus pares no mundo digital por considerar que as gigantes de tecnologia são hostis à direita.

Desregulação de criptomoedas é uma das expectativas da direita do Vale. O lado progressista está aflito por maior discussão sobre o impacto econômico que o meio digital causa no mundo. Querem regulação por considerar que isso ajuda, no futuro, a imagem da indústria. E há um ponto que une a todos: a China é o adversário comum.

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