Washington Olivetto
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Washington Olivetto

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Washington Olivetto

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Segundo o cantor David Bowie, envelhecer é um processo extraordinário em que você se transforma na pessoa que sempre deveria ter sido.

Segundo o escritor Marcelo Rubens Paiva, o primeiro sintoma de que entramos no núcleo dos idosos é a compra de um compartimento de remédios com duas fileiras, para usar dia e noite, de segunda a domingo.

Na opinião de Keith Richards, David Bowie sempre foi um chato que Mick Jagger fingia admirar.

Na minha opinião, Marcelo Rubens Paiva sempre foi um grande best-seller e um grande corintiano.

Mas, nessa questão do envelhecimento, tanto Bowie quanto Marcelo têm suas razões e idiossincrasias, assim como eu, que acabo de completar 72 anos, tenho as minhas.

Odeio expressões como “o senhor está muito bem para a sua idade”. Aliás, e na verdade, não gosto que me chamem de “senhor” em momento algum e simplesmente não suporto as educadíssimas jovens inglesas que insistem em me oferecer seus assentos nos metrôs e ônibus de Londres.

Nessas ocasiões, me sinto o avô delas, quando preferia ser um colega de universidade ou um primo de terceiro grau.

Por falar em parentescos, nunca gostei das amiguinhas e amiguinhos dos meus filhos me chamando de tio, coisa que piorou com o passar do tempo e com o envelhecimento desses sobrinhos de mentirinha.

Outra coisa que a cada dia que passa me incomoda mais são as notícias informando quem morreu e as mensagens relatando os problemas de saúde que amigos estão enfrentando.

Sempre adorei mandar flores dando parabéns e não me sinto bem mandando coroas de pêsames, nem ramalhetes com votos de pronto restabelecimento.

No último mês de julho, escrevi para meu amigo Domenico de Masi, convidando-o para participar de um novo livro que eu planejava. Ele me disse que faria com prazer, até porque, apesar de estar extremamente ocupado, se sentia um garoto, ávido por novidades. Em agosto, Domenico, que passava férias na sua casa em Ravello, sentiu dores e foi ao médico. Recebeu a notícia de que não viveria mais de um mês e morreu no dia 9 de setembro.

Envelhecer é uma coisa que começa quando você ainda é considerado jovem e resolve usar óculos para aliviar a vista cansada. Apesar do peso em cima do nariz e da visível interferência estética, os óculos vão bem no início, mas, de repente, você não consegue mais se livrar deles. Sem óculos, você não lê mais, não dirige mais, não vai mais ao cinema, não vai mais ao teatro e, dependendo do tipo de bifocais, fica dependente até para subir escadas.

Outra praga do envelhecimento é que ele começa na meia-idade, mas depois não para. O grande exemplo disso são os checkups realizados com frequência cada vez maior, em que as melhores notícias são as que contam que, aquela coisa que perigava você ter, você ainda não teve, mas no próximo checkup convém checar se você não está tendo mesmo ou se ela já se transformou em outra coisa. Checkups prolongam a vida, e ficamos dependentes deles porque ficar velho não é bom, mas a alternativa é pior.

Por falar em coisas piores, além do envelhecimento físico, ruins também são os comentários pseudoeducados daqueles médicos com quem você não tem nenhuma intimidade:

— Para a sua faixa etária, seu colesterol está surpreendentemente bom.

Ou daqueles clínicos de família que se transformaram em amigos:

— Você já está naquela idade de quem não vai à farmácia para comprar bronzeador; vai para comprar vitamina D.

Trágico também é aquele envelhecimento comportamental que a sociedade procura impingir.

Se você gosta do show do Bruno Mars, algum garoto dirá que é porque, na verdade, ele é uma coisa careta, um filhote de Michael Jackson, e que o pessoal jovem de verdade não gosta.

Se você não gosta de um filme como “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”, é porque esse é um filme para a garotada, e você não gostou porque não entendeu.

Se você critica algum trabalho atual da sua atividade, alguém diz que sua opinião é analógica, e o mundo agora é digital.

Antes que eu me esqueça: outro problema do envelhecimento é a perda da memória. Foi por isso que escrevi este texto.

Para não deixar de lado coisas que aprendi com o tempo.

Como o fato de um violão, antes de ser um violão, ser uma árvore. E servir de suporte para o canto dos passarinhos.

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