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Política Lava-Jato

Após aceno por união, Aras vive momento conturbado no MPF

Procurador-geral enfrenta embates com a Lava-Jato e é alvo de ação de colegas no STF após recomendação sobre Covid-19
Procurador-Geral da República, Augusto Aras Foto: Jorge William / Agência O Globo
Procurador-Geral da República, Augusto Aras Foto: Jorge William / Agência O Globo

BRASÍLIA E SÃO PAULO - Apesar de ter iniciado sua gestão fazendo um aceno para a pacificação interna do Ministério Público Federal (MPF), o procurador-geral da República, Augusto Aras, passou a enfrentar diversos confrontos com a categoria nas últimas semanas e, no ápice da crise, virou alvo de uma ação movida por associações de procuradores.

Aras foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro ao comando da Procuradoria-Geral da República (PGR) sem ter participado da votação interna que elege uma lista tríplice — a tradição estabelecia que um dos três nomes fosse alçado à chefia. Internamente, Aras tem enfrentado um ambiente turbulento, com resistências a diversas ações tomadas por ele.

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Líderes da instituição avaliam que os conflitos envolvem tentativas do procurador-geral de interferir em um princípio considerado sagrado no MPF: a independência de atuação funcional dos procuradores.

O mais recente capítulo da briga foi uma recomendação editada em 19 de junho por Aras, na condição de presidente do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), sobre a atuação dos procuradores na fiscalização de políticas públicas de combate ao coronavírus. As associações de classe avaliam que a norma restringe a atuação dos procuradores para fiscalizar as medidas de quarentena e isolamento social, principalmente por causa do seguinte trecho: “Diante da falta de consenso científico em questão fundamental à efetivação de política pública, é atribuição legítima do gestor a escolha de uma dentre as posições díspares e/ou antagônicas, não cabendo ao Ministério Público a adoção de medida judicial ou extrajudicial destinadas a modificar o mérito dessas escolhas”.

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A recomendação sugere que os membros do MPF respeitem a “autonomia administrativa do gestor”. A norma havia sido contestada e foi levada à discussão na sessão do CNMP do dia 23 de junho, mas, por oito votos a dois, foi mantida. Com isso, as associações decidiram entrar no Supremo Tribunal Federal (STF). A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) pediram à Corte a suspensão da norma. Para as entidades, o texto “extrapola” a atuação do CNMP e viola a independência funcional dos procuradores.

Aras tem dito a interlocutores que, com frequência, procuradores estavam emitindo recomendações divergentes entre si e enviando demandas excessivas aos órgãos públicos a respeito da pandemia de coronavírus. Desde que assumiu a PGR, Aras tem evitado interferir em ações dos demais Poderes, por avaliar que o Ministério Público deve permanecer nos limites de sua função.

Além da atuação sobre a Covid-19, o capítulo mais barulhento desse conflito interno se deu no embate com a Lava-Jato de Curitiba, que se estendeu às demais forças-tarefas. Uma visita da subprocuradora-geral Lindôra Araújo incomodou procuradores, que relataram uma tentativa de acesso a bancos de dados. O assunto foi levado à corregedoria do MPF, e Lindora alega que o encontro estava agendado. Em meio a esse cenário, o Conselho Superior da PGR estuda a criação de um órgão para unificar as forças-tarefas, a Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Unac). Aras apoia a criação do órgão, mas as forças-tarefas pedem garantias de que seja preservada a independência e autonomia das investigações.

Disputa no voto

O órgão só será criado com aprovação do Conselho Superior. Nas últimas duas semanas, eleições realizadas para quatro cadeiras do colegiado terminaram com a vitória de três adversários de Aras. Fontes da PGR apontam que, com isso, dos dez integrantes do órgão, seis passam a ser de perfil independente, o que pode dificultar a aprovação de assuntos do interesse de Aras. A equipe do procurador-geral, entretanto, contabiliza cinco votos favoráveis.

Na avaliação de procuradores, uma eventual minoria no Conselho Superior não chega a representar problemas para a gestão do procurador-geral, porque os votos dos conselheiros podem variar a favor ou contra os interesses de Aras, a depender da matéria tratada. E também porque os assuntos que passam pelo conselho são apenas de natureza administrativa ou disciplinar, como o orçamento do MPF, criação de órgãos internos ou a investigação de infrações cometidas por procuradores.

Visita sem avisar

A subprocuradora-geral Lindôra Araújo fez uma visita surpresa ao Centro de Processamento de Dados da Procuradoria da República do Paraná. Segundo integrantes da força-tarefa da Lava-Jato, ela buscou acesso a informações sem informar se havia um procedimento formal instaurado. O assunto foi levado à corregedoria do Ministério Público Federal. Lindôra argumentou que, em ofício, o procurador-geral da República, Augusto Aras, solicitou o compartilhamento de dados. Segundo a força-tarefa, ela pediu informações sobre um equipamento capaz de gravar ligações feitas de ramais da Procuradoria. Nos bastidores, Aras se refere ao sistema como “grampolândia” e suspeita de gravações ilegais, o que a força-tarefa da Lava-Jato nega.

Executivos da cervejaria Petrópolis foram denunciados por integrarem uma estrutura que seria usada para ocultar pagamentos de propina da Odebrecht e esconder a origem de doações eleitorais. Um executivo alegou que o caso deveria ir para o Supremo Tribunal Federal, porque duas campanhas citadas seriam as dos presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre.

Advogados sugeriram que a denúncia omitiu trechos dos sobrenomes dos parlamentares de uma lista de doações, para que não fossem identificados. A força-tarefa nega e diz que a ação trata só de crimes atribuídos aos executivos. Segundo o site “Poder 360”, a equipe de Aras tem procurado erros em denúncias apresentadas pela Lava-Jato. (Colaborou Thiago Herdy)