Política

Após condenação de Silveira, líder da bancada evangélica apresenta projeto que dificulta cassação de mandato

Sóstenes Cavalcante propõe que sejam necessários pelo menos 340 votos para perda de cargo, ante os atuais 257 (maioria absoluta)
O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM - RJ) em discurso na tribuna da Câmara Foto: Najara Araujo / Câmara dos Deputados
O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM - RJ) em discurso na tribuna da Câmara Foto: Najara Araujo / Câmara dos Deputados

BRASÍLIA — Líder da bancada evangélica, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) apresentou nesta segunda-feira um projeto de resolução que busca dificultar a perda de mandato parlamentar. A proposta foi elaborada após o Supremo Tribunal Federal (STF) condenar o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) a oito anos e nove meses de prisão em regime fechado por estímulo a atos antidemocráticos, além da perda do mandato. Um dia depois, no entanto, o presidente Jair Bolsonaro determinou o perdão da pena .

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"A perda de mandato será decidida pela Câmara dos Deputados, em votação ostensiva e presencial, devendo obter, para sua consecução, obrigatoriamente, 340 votos ou 2/3 de votos favoráveis do total de membros da Casa", diz trecho da proposta de Sóstenes.

O texto trata de possíveis ações do parlamentar que infringir qualquer uma das proibições previstas para o exercício da função, como ser proprietário de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público; cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; e que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

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Para o parlamentar, a Câmara não deve "ater-se a um mero papel homologatório da decisão emanada de outro Poder, mas aprecia-la, dentro da função fiscalizatória que lhe é inerente, prevenindo e impedindo abusos e extravagâncias legais e constitucionais, à luz da lei, da Constituição, dos Princípios Gerais do Direito e do Estado Democrático".

Atualmente, a Constituição Federal estabelece que, em geral, "a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa". Na Câmara, que possui 513 deputados, a maioria absoluta é atingida com pelo menos 257 votos.

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As duas exceções são quando o deputado faltar um terço das sessões da Casa ou quando há uma condenação na Justiça Eleitoral pela perda do mandato. Nesses dois casos, a cassação será declarada pela Mesa Diretora.

Por se tratar de uma mudança constitucional, existe a avaliação de que o formato do projeto apresentado por Sóstenes está equivocado, já que ele altera somente o regimento interno da Câmara. Por isso, o texto teria que ser substituído por uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

No entanto, segundo juristas, como a Constituição já prevê que a Câmara é quem estabelece a cassação do mandato de um deputado, a proposta seria redundante.

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Segundo Sóstenes, o relator da matéria deve ser o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PSD-AM), que já informou a ele considerar necessária a apresentação de uma PEC.

— Da minha parte não tem problema nenhum. Ele, como relator, pode fazer os ajustes necessários. O que eu quero com essa proposta é propor o debate e dizer o óbvio: que cabe somente à Câmara decidir sobre a cassação de mandato — ressaltou o líder da bancada evangélica.

Anistia

Aliada do presidente Jair Bolsonaro, a deputada Carla Zambelli (PL-SP) prepara outra proposta que prevê "anistia geral" a parlamentares condenados por manifestações consideradas antidemocráticas.

"Esta Lei concede anistia, nos termos do art. 48, VIII, da Constituição Federal, a todos aqueles que, no período entre 1º de janeiro de 2019 e 21 de abril de 2022, tenham praticado atos que sejam investigados ou processados sob a forma de crimes de natureza política ou conexo, decorrente ou relacionado com estes, bem como aos que sejam praticados por motivação política, incluindo condutas inseridas no âmbito da liberdade de expressão, manifestação e crença", afirma um dos pontos do projeto.

Além disso, a parlamentar sugere que será caracterizado como abuso de autoridade "a instauração ou continuidade de procedimento investigatório" relacionado ao tema.

Zambelli ressalta que a anistia "apaga" o crime e demais efeitos penais da decisão condenatória irrecorrível, o que resulta na extinção da punibilidade.

O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) criticou a ideia de Zambelli, dizendo que ela busca "legislar em causa própria".

"Carla Zambelli quer passar projeto que anistia todos os criminosos das fake news, legislando em causa própria. O que não falta no bolsonarismo é bandido de estimação", declarou Valente.

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Apesar da mobilização dos governistas na Câmara, no Senado, porém, aliados de Bolsonaro preferem não se envolver no assunto. Segundo lideranças do governo na Casa, não há nenhum projeto em vista do tipo para ser apresentado por eles. Nos bastidores, a avaliação é de que o indulto é "problema da Câmara".

Oposição se mobiliza

Enquanto aliados de Bolsonaro apresentam propostas que fortalecem o indulto a Daniel Silveira, no Senado, a oposição também se mobiliza para fazer frente ao decreto do presidente. Na próxima terça-feira, líderes da oposição vão se reunir para discutir um projeto de resolução sobre o assunto. Segundo o senador Renan Calheiros (MDB-AL), a reunião também vai debater maneiras de agilizar a aprovação do processo.

Há dois caminhos que a oposição pode seguir. Uma das alternativas é aprovar um dos projetos de decreto legislativo que foram apresentados ao longo do último fim de semana para suspender o indulto presidencial. A outra é apresentar uma proposta que limite a abrangência de indultos e restrinja seu alcance a outros bolsonaristas.

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— Se um projeto de decreto legislativo prosperar, eu voto a favor. Porque é um claro desvirtuamento do poder de indultar do presidente da República. Não é para isso que existe o instituto do adulto. Em último caso, acho que todos nós deveríamos nos unir para baixar um decreto anulando o caso do presidente da República. Não vejo outro caminho — defendeu o senador Marcelo Castro (MDB-PI), vice-líder do partido no Senado.

Para aprovar um projeto, seja de lei ou de decreto legislativo, a proposta precisa ser votada em ambas as Casas do Congresso. O primeiro ainda precisa passar por sanção presidencial, o que dificultaria sua aprovação. Já um projeto de resolução pode ser analisado por apenas uma das Casas.