Política

Arquiteto intelectual da direita radical, Olavo de Carvalho se tornou guru do governo Bolsonaro

Best-seller do conservadorismo brasileiro morreu aos 74 anos
Olavo de Carvalho em jantar na casa de Steve Bannon, ex-estrategista de Trump Foto: Reprodução Twitter Josias Teófilo
Olavo de Carvalho em jantar na casa de Steve Bannon, ex-estrategista de Trump Foto: Reprodução Twitter Josias Teófilo

RIO e SÃO PAULO — Sobre a mesa em que Jair Bolsonaro gravou seu primeiro discurso após a vitória nas eleições de 2018 estava um livro que poderia servir de preâmbulo para seu governo a partir dali: "O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota", de Olavo de Carvalho. O pensador, que morreu aos 74 anos, nesta quarta-feira , ganhou a alcunha de “guru bolsonarista” pela influência que passaria a exercer no mandato do capitão do Exército.

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Considerado o ideólogo da nova direita , Olavo formou uma geração de conservadores no Brasil com seu seminário de filosofia online, inaugurado em 2009, e influenciou diversos membros do governo federal. Seu curso foi ministrado até este ano e somava mais de 500 aulas semanais, nas quais discorria sobre obras de filósofos como Kant, Heidegger e Aristóteles.

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Flávio, Carlos e Eduardo, filhos do presidente, são admiradores declarados da obra do estridente líder intelectual dos conservadores brasileiros. Quando era deputado estadual pelo Rio de Janeiro, Flavio entregou a Olavo a medalha Tiradentes, mais alta honraria concedida pelo estado. Eduardo, que fez cursos do autointitulado filósofo, já defendeu que deputados tenham aulas sobre seu pensamento para criar um alinhamento ideológico.

Alunos e discípulos de Olavo passaram por postos de primeiro escalão do Executivo e passaram a formar a chamada “ala olavista” do governo. Entre eles estão os ex-ministros da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez e Abraham Weintraub; o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo; e o ex-secretário de Cultura, Roberto Alvim.

Atualmente, nomes como o assessor especial para Assuntos Internacionais, Filipe Martins,e o secretário Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciúncula são alguns dos principais defensores de Olavo dentro do governo.

Após a eleição do PT em 2002, o escritor decidiu se mudar para os Estados Unidos. Desde 2005, vivia em Richmond, na Virgínia, com a esposa, Roxane. Ele teve oito filhos, de diversos relacionamentos.

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Sua mais velha, Heloisa de Carvalho, era rompida com o pai e crítica de suas ideias reacionárias. Sobre sua morte, ela publicou numa rede social: “Que Deus o perdoe”.

Editora rompe com escritor

Conhecido como "guru bolsonarista" e ícone do conservadorismo no Brasil, Olavo de Carvalho se tornou um autor de alta vendagem na última década. Entre 2013 e 2019, seus livros "O imbecil coletivo" (2013) e "O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota" (2018), ambos editados pela Record, venderam 400 mil exemplares. Porém, no ano passado, a editora decidiu não renovar seu contrato pelo "posicionamento antidemocrático" do escritor e influenciador bolsonarista.

Crítico ferrenho da esquerda brasileira, ele arregimentou milhares de alunos em cursos na internet onde apresentava autores conservadores cujas obras seriam perseguidas pelas universidades — segundo Olavo, a academia era dominadas pelo pensamento marxista. No cânone do olavismo estão autores como Julius Evola,  Eric Voegelin e Otto Maria Carpeaux.

Eduardo Bolsonaro almoça com o ideólogo Olavo de Carvalho e o blogueiro Allan dos Santos nos EUA Foto: Reprodução/Twitter
Eduardo Bolsonaro almoça com o ideólogo Olavo de Carvalho e o blogueiro Allan dos Santos nos EUA Foto: Reprodução/Twitter

Olavo era adepto convicto de teorias da conspiração como a do "marxismo cultural", baseada numa interpretação nebulosa do pensamento de Antonio Gramsci (1891-1937) e dos autores da Escola de Frankfurt.

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Segundo essa visão, propagada em suas obras e cursos, existe uma elite composta pela esquerda mundial, a mídia, artistas, universidades, cientistas, organizações não governamentais e grandes empresários, que atuam para impor o comunismo no planeta.

Ainda segundo Olavo, a mais importante tarefa do governo seria vencer a “guerra cultural”, impondo valores conservadores em núcleos da cultura nacional. Segundo esse pensamento, muito comum entre a extrema direita americana, existe uma decadência das bases da civilização cristã no ocidente que devem ser combatidos com uma “luta espiritual”.

Astrologia e misticismo

Olavo também é autor de seis livros sobre astrologia e esoterismo. Ele foi colaborador da revista Planeta, principal órgão de divulgação de teorias da alquimia, do hermetismo, tarô, da ufologia e correntes ocultistas como o perenialismo, da qual foi adepto.

Por conta dessa produção seus detratores lhe rebaixavam à categoria de "astrólogo". Na década de 1980, integrou ainda uma ordem mística muçulmana, a Tariqa, liderada pelo alemão Frithjof Schuon (1907-1998).

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Ao longo dos anos 2000, Olavo foi de forma pioneira ampliando sua pregação no mundo digital, atraindo através de fóruns na internet uma geração de jovens que passaram a se interessar por suas ideias reacionárias.

O conteúdo disseminado por Olavo também incluía ataques a instituições como a imprensa, o Congresso, o Poder Judiciário e as universidades, a que chamou por diversas vezes de "pontos de distribuição de drogas" e "locais de suruba". Defendia a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e classificava jornalistas como "os maiores inimigos do povo".

Flávio já esteve em Richmond, na Virgínia (EUA), para visitar o filósofo Olavo de Carvalho, tido como guru do governo Bolsonaro. No dia dos professores, em outubro, ele homenageou a quem chamou de 'Mestre Olavo' Foto: Reprodução
Flávio já esteve em Richmond, na Virgínia (EUA), para visitar o filósofo Olavo de Carvalho, tido como guru do governo Bolsonaro. No dia dos professores, em outubro, ele homenageou a quem chamou de 'Mestre Olavo' Foto: Reprodução

Em razão da propagação de notícias falsas, desinformação e discurso de ódio, o guru teve contas suspensas e publicações apagadas em redes sociais .

Dono de um vocabulário escatológico e presença assídua nas redes sociais, Olavo foi alvo de diversos processos na Justiça por conta de sua distribuição indiscriminada de ofensas. Entre eles estão uma ação movida pelo cantor Caetano Veloso em 2017 por ter sido chamado de pedófilo pelo guru, e cuja indenização soma R$ 2,7 milhões.

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Olavo de Carvalho (à esq.) teve dificuldade de explicar a Steve Bannon os temas do curso de filosofia que ministra Foto: JOSIAS TEOFILO / REPRODUÇÃO
Olavo de Carvalho (à esq.) teve dificuldade de explicar a Steve Bannon os temas do curso de filosofia que ministra Foto: JOSIAS TEOFILO / REPRODUÇÃO

Em 2019, criou o site "Brasil Sem Medo", descrito como "o maior jornal conservador da internet brasileira", de amplo apoio ao governo Bolsonaro. Nos útlimos anos se aproximou ainda de Steve Bannon, líder de extrema direita americano e ex-estrategista político Donald Trump.

Polemista e avesso a moderação, o escritor deixou de lado no último ano a defesa incondicional do governo que ajudou a eleger e passou a fazer críticas sobre a condução do país . Em junho de 2020, questionou Bolsonaro por não defendê-lo contra o que ele chamou de "gabinete do ódio contra o Olavo" e acusou-o de prevaricação por "presenciar crimes e não fazer nada contra eles". O guru, no entanto, afirmou posteriormente que continuaria ao lado do presidente.

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Além dos constantes alertas sobre o que ele considera ser uma ameaça comunista ao Ocidente, Olavo embarcou por diversas vezes em questionamentos de descobertas científicas consolidadas, como a de que a Terra é redonda. Também difundiu teorias da conspiração como a de que a Pepsi usa células de fetos abortados como adoçante em seus refrigerantes.

Antes de se destacar como um dos influenciadores do conservadorismo, Olavo trabalhou como colunista em veículos como O GLOBO, Época, Folha de S.Paulo, Planeta, Bravo!, Primeira Leitura, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde, Zero Hora e Diário do Comércio. Em 1966, aos 19 anos, foi filiado ao Partido Comunista Brasileiro, que abandonou dois anos depois.