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Política

Ascensão de Carlos Bolsonaro no Planalto incomoda alto escalão do governo

Ministros dizem que filho do presidente Jair Bolsonaro criou ‘governo paralelo’
O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo
O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo

BRASÍLIA -A ascensão do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) no Palácio do Planalto tem incomodado o alto escalão da Esplanada dos Ministérios e consolidou a avaliação de que, hoje, se criou um governo paralelo para a condução da crise do novo coronavírus no país.

A decisão do presidente Jair Bolsonaro de instalar o filho em uma sala próxima a seu gabinete no Planalto, como antecipado pela colunista Bela Megale , deu força à avaliação de que a família tem tido mais influência sobre o presidente do que o próprio ministério.

Bela Megale: Planalto prepara sala para Carlos Bolsonaro despachar durante crise

No Palácio do Planalto, o clima é de apreensão com a presença de Carlos. Assessores temem estar sendo vigiados ou até gravados pelo filho do presidente. Alguns já relatam que vão tomar cuidado com quem atendem em seus gabinetes, para evitar teorias da conspiração sobre vazamento de informações.

A sala em que Carlos irá "despachar" — no terceiro andar, ao lado do gabinete presidencial — era ocupada pelo assessor especial de assuntos internacionais, Filipe Martins, que sobe para o quarto andar. Segundo fontes, a sala do assessor foi esvaziada originalmente para atender a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, no programa Pátria Voluntária, que também deve atender de lá.

Diante desse cenário, integrantes do governo têm admitido, reservadamente, que as ações para conter a pandemia no Brasil têm acontecido apesar dos Bolsonaro. O gabinete de crise, coordenado pelo ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, pautará seu trabalho sob as orientações técnicas do Ministério da Saúde, de Luiz Henrique Mandetta —mesmo que elas contrariem o presidente.

Mais do que o comando das ações, Braga Netto teria assumido a função de apaziguar o clima no governo. Embora a postura de Bolsonaro também esteja incomodando parte da ala militar, a avaliação é a de que, neste momento, é preciso agir para que se consiga, ao menos, passar à sociedade a imagem de que todos estão atuando em conjunto.

Segundo o GLOBO apurou, Bolsonaro tem demonstrado irritação com os recentes gestos de Paulo Guedes (Economia) e Sergio Moro (Justiça) — tanto público como nos bastidores — a favor do isolamento social de quem pode ficar em casa, como tem defendido Mandetta. O presidente se sente desautorizado pelos auxiliares, mas, hoje, não teria condições políticas de aventar qualquer demissão em sua equipe.

Na tarde desta terça-feira, de acordo com relatos, um episódio emblemático deu luz à clara divisão interna no governo. Enquanto Guedes, Moro, Mandetta e Braga Netto davam coletiva à imprensa no Planalto, o presidente gravava o pronunciamento que faria em cadeia nacional de rádio e TV .

Assim como na semana passada, Bolsonaro manteve o teor de sua fala sob sigilo. Nenhum auxiliar próximo teve acesso ao texto — restrito ao núcleo comandado por Carlos. Antes mesmo de o pronunciamento ser exibido, já havia a expectativa de que o discurso do presidente trouxesse, mais uma vez, posição antagônica à de Mandetta, consolidando o cenário de governo paralelo.

A chegada de Carlos ao Planalto também reativou o clima de caça às bruxas. Assessores palacianos temem, inclusive, ser vistos pelo filho do presidente — o receio é de que virem alvo de ataques e acabem sendo alijados do governo.