Política

Atuação da Lava-Jato em SP é questionada no Conselho Nacional do Ministério Público

Disputa na Procuradoria coloca em risco investigações de Serra, Lula e Temer
Força tarefa da Lava-Jato em Curitiba, que foi criada pelo procurador geral Rodrigo Janot Foto: Geraldo Bubniak / Agência O Globo
Força tarefa da Lava-Jato em Curitiba, que foi criada pelo procurador geral Rodrigo Janot Foto: Geraldo Bubniak / Agência O Globo

SÃO PAULO — Uma representação contra a atuação da Lava-Jato de São Paulo pode levar à estaca zero atos e investigações de casos a cargo do Ministério Público de São Paulo e que envolvem figuras importantes, como o senador José Serra (PSDB) e os ex-presidentes Michel Temer (MDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além de doleiros. A representação foi enviada pelo procurador Thiago Lemos de Andrade, em março passado, ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Segundo ele, o material da Lava-Jato que chega a SP vindo de Curitiba, Rio ou Brasília é encaminhado diretamente ao grupo que integra a força-tarefa de SP e eles decidem com qual investigação ficar, o que supostamente fere a regra de sorteio prevista na Constituição federal e nas regras do CNMP.

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O conselheiro Marcelo Rabello de Souza determinou que novos desmembramentos das investigações oriundas da Lava-Jato sejam distribuídos por sorteio até que seja avaliado de forma definitiva se houve ou não algum tipo de irregularidade. A representação foi revelada pelo site Consultor Jurídico. Caso o conselho do MP diga que a visão do procurador Andrade está correta, isso poderia abrir uma brecha para as defesas dos investigados pedirem a anulação de processos.

Ricardo Gloeckner, professor de direito processual penal da PUC/RS, explica que, ao contrário da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, que foi formada pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot, a força-tarefa de São Paulo foi criada pelo próprio Ministério Público Federal em São Paulo e seus integrantes escolhidos pela chefia do órgão.

— Os casos são enviados diretamente para o grupo, que decide o que e como investigar, sem qualquer controle — diz o professor.

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O procurador Andrade afirmou, na representação, que o primeiro caso enviado à Lava-Jato de São Paulo foi encaminhado para o 16º Ofício, enquanto a força-tarefa atua hoje no 5º Ofício. Ele argumentou ainda que a principal prova de que a distribuição deveria ser sorteada é que os casos, na Justiça, são distribuídos para diferentes varas da Justiça. Em Curitiba, por decisão das diversas esferas judiciais, todos os processos da Lava-Jato foram julgados pela 13ª Vara Federal do Paraná, na época a cargo do então juiz Sergio Moro.

— Todo réu tem direito de ser julgado por um juiz sorteado. Ninguém pode escolher juiz. Tem de ser impessoal e legal. Isso vale para promotor e procurador também — diz Gloeckner.

Segundo o professor, as defesas dos réus pode ir à Justiça, por meio de habeas corpus, alegando que a distribuição dos casos foi burlada e que houve "pessoalização" dos procuradores.

— Para os processos em andamento, uma decisão favorável da Justiça anularia os atos até agora e os casos têm de ser redistribuídos. Se houver julgamento antes da decisão final, ele pode ser anulado.

Gloeckner afirma que a decisão pode ser demorada, uma vez que deve passar por todas instâncias — juiz de primeira instância, Tribunais Regionais, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.  Segundo ele, o CNMP vai decidir, mas essa decisão tem de ser reconhecida pela Justiça.

— O nome Lava-Jato virou uma grife política. Tem um capital político significativo tanto para os procuradores como para os políticos atingidos por ela — diz o especialista.

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O professor ressalta que, em Curitiba, a força-tarefa ficou com casos relacionados à Petrobras. Em São Paulo, observa, há casos bem diferentes.

A primeira operação, a Custo Brasil, foi deflagrada em 2016 e envolvia um esquema acusado de fraudar um serviço de gestão de crédito consignado a funcionários públicos.

O senador José Serra foi denúnciado pela força-tarefa em investigações relacionadas a obras do Metrô e do Rodoanel em São Paulo. A denúncia partiu de delações de executivos do Grupo J&F, do setor de frigoríficos.

No caso do ex-presidente Michel Temer, a denúncia envolve reformas na casa da filha dele, que teriam sido pagas por valores vinculados à construção da Usina de Angra 3, no Rio de Janeiro.

O ex-presidente Lula e seu filho, Luiz Cláudio, foram indiciados pela Polícia Federal em São Paulo por valores que a Odebrecht teria pago à empresa Concept. O objetivo seria ajudar uma empresa do filho de Lula a desenvolver o futebol americano no Brasil.

Todos os envolvidos negam irregularidades.

O questionamento em relação à força-tarefa da Lava-Jato em São Paulo ocorre num momento em que a Procuradoria Geral da República busca mais detalhes sobre as investigações. No início deste mês, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, determinou que todas as bases de dados investigados em Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro sejam entregues à Procuradoria-Geral da República (PGR).