Política Coronavírus

Com aglomeração, Bolsonaro, Guedes e empresários vão a pé ao STF pressionar por reabertura da economia

Ministro Paulo Guedes diz que encontro foi de 'cortesia'; Toffoli defendeu diálogo entre Poderes, estados e municípios
Fora da agenda oficial, o presidente Jair Bolsonaro vai à pé ao STF acompanhado de ministros e empresarios
Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Fora da agenda oficial, o presidente Jair Bolsonaro vai à pé ao STF acompanhado de ministros e empresarios Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

BRASÍLIA —  No mesmo dia em que afirmou não poder “passar por cima do Supremo” , em referência à decisão que deu autonomia para estados e municípios estabelecerem restrições à circulação e ao comércio, o presidente Jair Bolsonaro foi à Corte acompanhado de ministros e empresários para defender a reabertura econômica do país.

A comitiva foi recebida pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, que ouviu apelos para que o Brasil não se transforme em “uma Venezuela” e dados sobre redução de vendas e da atividade industrial.

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O encontro foi transmitido ao vivo pelas redes sociais do presidente. O grupo percorreu a pé o trajeto entre o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal, o que provocou aglomerações em alguns momentos – a maior parte dos integrantes usava máscaras.

Ao longo do percurso, Bolsonaro chegou a se irritar quando um jornalista perguntou se o objetivo da visita era “pressionar” o STF, mas, durante e depois da reunião, deixou claro que o Poder Executivo vai agir para forçar uma mudança na política de isolamento social. Durante a reunião, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o presidente teve a ideia de ir ao STF para “compartilhar” o relator dos empresários.

- O presidente ao ouvir o relato do mundo empresarial, disse, olhe, vamos compartilhar isso com o Supremo, porque afinal de contas o combate é de todos nós brasileiros, principalmente dos Poderes.

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A reunião ocorre um dia após o Ministério da Saúde anunciar que a epidemia do novo coronavírus registrou novos recordes, com 10.503 novos registros da doença e 615 mortes. Com isso, o Brasil chega a 125.281 casos da Covid-19 e 8.536 óbitos até o momento. Os dados foram divulgados na noite desta quarta-feira.

Na saída do encontro, Bolsonaro disse a jornalistas que havia assinado um decreto que tornava a construção civil uma atividade essencial, ou seja, que pode funcionar normalmente em meio à pandemia de coronavírus. Em mais um gesto em direção ao que classifica de “volta à normalidade”, Bolsonaro afirmou que lista de atividades essenciais será ainda mais ampliada nos próximos dias.

– Devemos nos preocupar com a vida, sim, mas também com empregos, porque a economia é vida. Um país onde a economia não anda, a expectativa de vida vai lá para baixo, o IDH também - disse Bolsonaro, no encontro. – Não compete ao Executivo isoladamente, ao Legislativo ou ao Judiciário. Todos nós estamos embarcados, buscando um objetivo de resolver esse problema, porque economia também é vida. Não adianta ficarmos em casa e, quando sairmos de casa, não ter mais o que comprar em prateleiras. Todos nós seremos esmagados por isso daí.

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Ao deixar a reunião, Bolsonaro reforçou que, para ele, a retomada é urgente:

– A indústria está na UTI. Não há mais espaço para postergar (a reabertura). O sentimento deles, o posicionamento deles (representantes de setores da economia) é que a reabertura gradual e responsável tem que começar o mais rápido possível. Caso contrário, podemos atingir a situação de países que nós conhecemos. Então eles (representantes) vieram aqui mostrar ao presidente Dias Toffoli o que realmente está se passando na atividade econômica do Brasil. Aquela história então de que economia deixa para lá, primeiro a vida, não é verdade. Sempre disse que as duas atividades tinham que ser tratadas com responsabilidade.

Quem fez a comparação inicial da situação da indústria com a UTI foi o presidente-executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes, que abriu a fala dos empresários na reunião.

- Eu diria que a comparação, se a gente puder fazer, é que a indústria está na UTI e ela precisa sair porque se não sair da UTI, as consequências serão gravíssimas - disse.

Piora no cenário

No encontro, Guedes afirmou que os industriais e o setor de serviços costumavam informar ao governo que estavam conseguindo se manter durante a crise. No entanto, o cenário piorou recentemente.

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- Agora o sinal que nos passaram é que está difícil, economia está começando a colapsar, aí nós não queremos o risco de virar uma Venezuela, risco de virar sequer de virar uma Argentina, que entrou em desorganização, inflação subindo, todo aquele pesadelo de volta - disse.

O presidente alertou que o Brasil poderia viver um cenário de “saques” e “manifestações populares” sem as medidas do governo de enfrentamento à crise.

- Não podemos ver mais cedo ou mais tarde, a continuar como está encaminhando a questão econômica, assistindo saques, assistindo manifestações populares que já vimos no passado em situações que não eram sequer próximas a essas. Nós entendemos que as medidas tomadas pela equipe econômica do Paulo Guedes, de socorro a empresas, de auxílio emergencial de R$ 600, entre outras, são o que está mantendo a população em uma situação ainda de equilíbrio de razão acima da emoção  -disse.

Toffoli defende diálogo

Antes de passar a palavra para o presidente do STF, Bolsonaro disse que os poderes devem tomar decisões “bem intencionadas” e calcadas na lei e na Constituição. Segundo o presidente, o bem da liberdade é maior do que o da própria vida.

- Nós temos um bem muito maior até que a própria vida, se me permite falar isso, que é a nossa liberdade, não podemos perder a liberdade no Brasil.

O presidente do STF, Dias Toffoli, sugeriu no encontro que o planejamento para a retomada da economia deve ser feito com diálogo entre Poderes, estados e municípios.

- Essa coordenação que eu penso que o Poder Executivo, o presidente da República, junto com seus ministros, chamando os outros poderes, os estados também, os representantes dos municípios. Penso que é fundamental isso. Talvez em um comitê de crise, envolvendo a federação, os poderes, para exatamente junto com o empresariado, com os trabalhadores, pensar nessa necessidade que temos de traduzir na realidade esse anseio, de trabalhar, produzir, manter empregos - disse.

Toffoli disse que as pessoas já estão saindo do isolamento social e defendeu que essa saída deve ser feita em coordenação.

- As pessoas estão saindo às ruas, porque está chegando numa situação que as pessoas já querem sair, tem que ter essa saída de uma maneira coordenada, é fundamental uma coordenação com estados e municípios.

'UTI' e 'morte de CNPJ'

Representantes do setor automotivo, farmacêutico, têxtil, cimento, indústria de construção, entre outros, estiveram presentes no encontro.

Marco Polo de Mello Lopes, do Instituto Aço Brasil, abriu a reunião dando um diagnóstico do setor industrial. Segundo ele, o setor automotivo está com 25 fabricantes parados, o de máquinas e equipamentos tem 47% das empresas fechadas e o setor de aço teve, em abril, o pior mês de vendas desde 1995.

O empresário defendeu que chegou a hora de colocar “a roda para rodar”.

- Esses segmentos operam com uma queda de vendas no mês de abril em relação a março de 50% e estamos trabalhando com uma ociosidade de 60%. Essa fotografia constata que existe a necessidade que a gente comece a colocar a roda pra rodar - disse.

O executivo afirmou que, além da crise do coronavírus, a indústria enfrenta uma “profunda e severa” crise de demanda por conta das decisões dos governos estaduais de fazer o isolamento social.

Segundo Marco Polo, os setores essenciais não pararam e os trabalhadores continuam operando com “segurança e saúde” seguindo os protocolos.

- A nossa percepção é que essa flexibilização já poderia ter ocorrido, evidentemente com todo o regramento necessário, de forma que a gente conseguisse voltar a ter atividade.

Por sua vez, Synésio Batista da Costa, presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (ABRINQ), disse que haverá “morte de CNPJ” se a indústria não conseguir voltar plenamente.

- O que a gente não queria era por conta de ter estado junto no combate da pandemia, o meu coração está batendo a 40 eu não consigo retomar. Os funcionários caem todos na nossa folha e eu tenho um inimigo lá fora, que é meu adversário comercial prontinho para suprir o mercado inteiro e então haverá morte de CNPJ - disse.

Segundo o empresário, a indústria estará fragilizada e não sabe o que fazer quando os funcionários voltarem para a folha de pagamento das empresas.

- As empresas vão estar fragilizadas e então os 30 milhões de empregos do grupo que está em volta dessa mesa, a gente não sabe o que fazer porque terminará o período em que o estado está ajudando a socorrê-los e eles voltarão para a nossa folha  - afirmou.