Exclusivo para Assinantes
Política Coronavírus

Coronavírus: aliados de Bolsonaro defendem diálogo para conter crise

Declaração do presidente sobre fim da quarentena foi reprovada por parte da bancada da bala, ruralistas, empresários, evangélicos e caminhoneiros
Deputado federal Capitão Augusto afirma que continua aliado do presidente, mas critica condução da crise Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Deputado federal Capitão Augusto afirma que continua aliado do presidente, mas critica condução da crise Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

SÃO PAULO — O tom das declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre a pandemia do coronavírus em pronunciamento na última terça-feira foi reprovado por aliados de segmentos importantes como a bancada da bala, ruralistas, empresários, evangélicos e caminhoneiros.

Compartilhe por WhatsApp: clique aqui e acesse um guia completo sobre  o coronavírus

Contrariando as orientações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS), Bolsonaro defendeu o fim da quarentena sob o argumento de que a crise na economia do país poderia ter consequências piores do que a Covid-19. Entre aqueles que elegeram o presidente, ninguém gostou de ouvir a comparação da pandemia, que já matou 114, com uma “gripezinha” ou “resfriado”. Mesmo diante de uma forte reação, Bolsonaro dobrou a aposta numa apresentação ao vivo numa rede social na quinta-feira e voltou a usar as mesmas expressões ao minimizar as consequências da doença e ainda acrescentou que o brasileiro tem a imunidade tão alta que “pula no esgoto e não pega nada”.

Na última segunda-feira, uma pesquisa Datafolha divulgada pelo jornal “Folha de S.Paulo” mostrou que 35% dos entrevistados consideram o desempenho de Bolsonaro ótimo ou bom; 26% acham regular; e outros 33% avaliam como ruim ou péssimo. Cinco por cento não souberam responder. Os governadores, a quem o presidente culpa por prejuízos econômicos provocados pelo isolamento social, tiveram aprovação de 54% dos entrevistados.

Leia mais: Proposta do Ministério da Saúde prevê isolamento de três meses para idosos e abertura de bares com metade da lotação

Embora avaliem que haja equívocos na comunicação, apoiadores de Bolsonaro nesses setores continuam com ele e evitam críticas para “não jogarem mais lenha na fogueira”. Preocupados com o comportamento intempestivo do presidente, dizem que o país precisa de união e diálogo com os demais Poderes e os estados para enfrentar a doença e a crise econômica.

Ainda assim, no conflito com os governadores, aliados estão mais sintonizados com o presidente. Defendem a tese de um isolamento social mais brando, de 15 dias, que seriam suficientes para alcançar o que pesquisadores chamam de “achatamento da curva” — redução nas taxas de transmissão e mortalidade pelo menor número de pessoas circulando. Em seguida, haveria uma reabertura lenta e gradual com o cuidado de manter o isolamento de grupos de risco.

Empresários da indústria e do varejo defendem a necessidade de discutir e definir, agora, a hora certa para reativar os negócios. O prazo de duração da quarentena é questão-chave para avaliar os impactos sobre a economia e as medidas a serem tomadas.

O presidente da Fundação Abrinq, Synesio Batista da Costa, é favorável à retomada gradual dos trabalhos da indústria brasileira:

— Gripezinha foi desnecessário. Mas é o jeito dele (Bolsonaro), que está eleito e precisamos respeitar. A gente se aborrece com o jeito de falar, mas é muito bom ter um presidente que entregue a economia para quem sabe. E o Paulo Guedes sabe exatamente o que fazer. A indústria não parou. Estamos a 20 por hora. Mas queremos voltar a trabalhar de maneira gradual. Não podemos entrar numa histeria.

Bancada da Bala: prioridade é a defesa da vida

Com exceção da ala considerada ideológica na Câmara dos Deputados, poucas são as vozes que endossam a postura do presidente Jair Bolsonaro no combate ao coronavírus. Até mesmo aliados mais fiéis da chamada bancada da bala têm demonstrado contrariedade com as palavras do presidente.

Líder da Comissão de Segurança Pública da Câmara, o deputado federal Capitão Augusto (PL-SP) afirma que Bolsonaro “queimou a largada” em suas declarações. Ele diz que continua aliado do presidente, mas que não o segue cegamente. Augusto afirma ainda que a repercussão das falas foi ruim entre bolsonaristas e disse ter alertado interlocutores do presidente sobre a necessidade de moderação.

— A gente tem que orientar quando a pessoa está indo paro o lado errado. A primeira questão é a saúde e depois vem a economia. O vírus tem que ser levado com seriedade e não algo quase num tom de brincadeira — diz o deputado, que acrescenta: — Se isso se agravar e for alto o número de mortes, ele (Bolsonaro) vai cair em descrédito e demonstrar imaturidade e falta de liderança.

O vice-presidente da bancada da bala, deputado Fernando Rodolfo, tem se dedicado a alertar as pessoas a ficarem em casa. Ele diz que “tem muita gente que não está levando essa crise a sério” e que “isolamento social é a palavra de ordem neste momento”.

Sargento Fahur (PSD), deputado federal mais votado do Paraná e defensor do presidente, não tem dado ênfase à retomada da economia. Nas poucas vezes em que se referiu a medidas contra o coronavírus, aconselhou as pessoas a seguir orientações das autoridades.

O senador Major Olimpio (PSL-SP) disse que discorda da postura de Bolsonaro contrária ao isolamento social. Segundo ele, “vamos ter que equilibrar a economia, mas primeiro a vida das pessoas”.

Amigo próximo e representante da Bancada da Bala, o ex-deputado Alberto Fraga defendeu as atitudes de Bolsonaro. Ele diz que o antagonismo criado entre o presidente e os governadores tem Flávio Dino (PCdoB-MA) como “grande arquiteto” do que chamou de “rebelião”. Para ele, os governadores de esquerda estão aproveitando o momento para atacar e enfraquecer o governo federal.

— Acho que a preocupação dele é com a situação econômica do país que vai se esfacelar. Se eu estivesse no lugar dele, eu teria a mesma atitude: isolamento dos idosos e prevenção de todos.

Decreto contorna insatisfação de evangélicos

A gestão do presidente Jair Bolsonaro na pandemia de coronavírus provocou contrariedade até mesmo em uma de suas bases mais fiéis: o segmento evangélico, cujas lideranças demonstram frustração com a sua postura na crise. O desconforto foi contornado na última quinta-feira, quando Bolsonaro incluiu as igrejas como atividade essencial num decreto presidencial.

Davi Soares (DEM-SP), filho de R.R.Soares, articulou decreto Foto: Divulgação
Davi Soares (DEM-SP), filho de R.R.Soares, articulou decreto Foto: Divulgação

O ato veio um dia depois de uma decisão judicial mandar fechar os templos em São Paulo. Os evangélicos recorreram e a decisão acabou derrubada.No pedido, alegaram que a própria OMS considera que as igrejas são importantes para “o bem estar físico, mental, espiritual e social”. Apreensivos com o risco de que uma guerra judicial em vários estados pudesse fechar os templos, eles articularam para que Bolsonaro fizesse o decreto. O movimento foi encampado por lideranças como Eduardo Tuma, presidente da Câmara de São Paulo, o deputado federal Davi Soares (filho do missionário R.R Soares) e por parlamentares ligados à Igreja Universal.

A medida foi fundamental para que os templos fossem mantidos de portas abertas durante a pandemia, desde que atendam as recomendações do Ministério da Saúde. Líderes das principais denominações dizem que vão fazer cultos online para evitar aglomerações. Sustentam ainda que as igrejas não podem deixar de atender os necessitados e que servem como ponto de assistência em locais pobres e favelas, onde o próprio estado não está presente.

Ruralistas sugerem união

Embora discordem da forma como o presidente Jair Bolsonaro se expressou ao tratar do novo coronavírus, os ruralistas adotam posição pragmática e concordam com os riscos que a quarentena representa para a economia.

Diferentemente de Bolsonaro, avaliam, no entanto, que é preciso união e diálogo para construir um caminho de retomada da economia, sem desacreditar a ciência.

Presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, o deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS) tem demonstrado apoio a medidas recomendadas por especialistas, como o isolamento social, ao contrário do que Bolsonaro prega. Ao GLOBO, no entanto, ele colocou panos quentes. Afirmou que, com o passar dos dias e a chegada de novas informações sobre o coronavírus, é natural que os governos se adaptem à nova realidade. Ao tratar da postura de Bolsonaro, ele disse haver “mais erros de comunicação do que de atitudes”.

— Todo mundo conhece o perfil do presidente Bolsonaro. Ele é uma pessoa que não trabalha a comunicação no traquejo normal. Ele diz o que nem sempre as pessoas querem ouvir. Não quero criticar. No fundo, os dois lados (governadores e presidente) têm razão. Pode ser que (a economia) tenha que voltar a funcionar agora. Até então, era importante manter o isolamento.

Dependente das exportações, o agronegócio já vem de um desgaste com o Planalto em razão de uma crise diplomática criada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) com a China, principal parceiro comercial do Brasil. O filho 03 do presidente culpou o país pelo vírus.

O deputado estadual Frederico D’Avila (PSL-SP), representante do setor, disse que foi cobrado a repreender Eduardo.

— Falei que, não por ele ser um parlamentar, mas o filho do presidente, não poderia ter tuitado aquilo. Os agricultores ficaram preocupados de estragar relações comerciais. Ninguém quer isso — afirmou.

Caminhoneiros seguem divididos

Categoria a que Bolsonaro costuma dar atenção especial, os caminhoneiros se mostram divididos entre a preocupação com o coronavírus e o temor com a crise econômica. Os profissionais são autônomos e costumam sentir rapidamente efeitos da recessão. Mesmo assim, não há consenso entre os motoristas.

— Em relação à declaração do presidente Bolsonaro, vamos continuar seguindo orientações do Ministério da Saúde e dos estados — diz Jaime Ferreira dos Santos, presidente do Sindicato Nacional dos Cegonheiros (Sinaceg).

Um dos líderes dos caminhoneiros que parou o país na greve de 2018, Wanderlei Alves, o Dedeco,criticou Bolsonaro:

— Sobre o que o presidente vem fazendo, para mim, ele não ama o povo. A atitude que tomou falando de “gripezinha” foi de moleque.

Outra liderança, Daniel Reis Paula, o Queixada, concorda com Bolsonaro. Para ele, “o país não tem estrutura para aguentar ficar parado 30, 60 dias”.