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Política

Discordância na tramitação de projetos expõe mal-estar entre Lira e Pacheco

Presidentes da Câmara e do Senado divergem em temas como volta das coligações e reforma do Imposto de Renda. 'Jabutis' em MP que facilita abertura de empresas ampliam turbulência
Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG): desavenças envolvendo pautas no Congresso Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo/31-03-2021
Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG): desavenças envolvendo pautas no Congresso Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo/31-03-2021

BRASÍLIA - A relação entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), enfrenta turbulências. Desde o início do ano, as divergências na tramitação de propostas contribuem para o mal-estar. Nas últimas semanas, porém, a situação se intensificou. Enquanto Lira cobra um posicionamento da Casa ao lado sobre o andamento de algumas pautas, Pacheco afirma que evitará o “açodamento”.

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Um dos motivos do descontentamento, entre outras iniciativas, é a reforma política que prevê o retorno das coligações proporcio

Um dos motivos do descontentamento, entre outras iniciativas, é a reforma política que prevê o retorno das coligações proporcionais e favorece a multiplicação de siglas de aluguel. Debatida e aprovada a toque de caixa na Câmara, Pacheco prometeu levar o assunto ao plenário, mas deixou claro que não concorda com a medida. Também indicou que há expectativa de rejeição da matéria.

Na semana passada, o senador criticou outra pauta debatida pelos deputados. Desta vez, voltou suas baterias ao texto que altera os critérios da cobrança do Imposto de Renda. Em tramitação tumultuada na Câmara, o projeto esteve próximo de ser votado, mas empacou por falta de consenso.

— A Câmara está cumprindo o seu papel em relação a pautas econômicas. O Senado precisa se posicionar também, precisa manter um clima de estabilidade — disse Lira durante a semana.

Pacheco defendeu uma reforma ampla, “que seja verdadeira, que simplifique e ajuste o sistema tributário”. Se a proposta que altera apenas o IR for aprovada, ele já antecipou que a fará tramitar por comissões, o que prolongaria o processo.

— Nós também temos um uma porção de projetos aprovados no Senado que, ao longo de anos, estão na Câmara aguardando uma definição. Nem por isso eu digo que a Câmara está deixando de cumprir o seu papel. O que temos no Senado é a preocupação de aprofundar as matérias, de não ter açodamento, de termos a reflexão necessária por meio das comissões e do plenário. Cada um tem o seu perfil. Eu tenho um aspecto mais moderado. Não significa que eu seja lento — disse Pacheco ao GLOBO.

Em resposta à cobrança pública de Lira para que o Senado se posicione sobre a pauta econômica, Pacheco também já disse que não será subserviente ao governo.

Nos gabinetes de ambos os chefes do Legislativo, outra pauta serviu de combustível para agravar a situação. Pacheco ameaçou ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a manutenção de “matérias estranhas” em texto de uma Medida Provisória (MP) aprovado pelos deputados, os chamados “jabutis”.

Impasse no Planalto

O texto da MP em questão (a 1.040 de 2021), que simplificou a abertura de empresas, começou a tramitar na Câmara, passou ao Senado e retornou à análise dos deputados antes de ir à sanção.

Quando a redação foi analisada pelo Senado, a presidência da Casa impugnou trechos considerados desconexos com o objetivo da matéria, como a revogação de leis que estabeleciam um piso para diversos profissionais liberais.

A medida inusual deixou Lira “possesso”, segundo aliados do presidente da Câmara. Ainda assim, deputados optaram por manter os artigos, que foram encaminhados para sanção presidencial, o que colocou o Palácio do Planalto diante de um impasse.

Antes da sanção, emissários do presidente Jair Bolsonaro procuraram Pacheco para tentar convencê-lo a aceitar os itens mantidos pela Câmara, mas ele negou. De acordo com pessoas que acompanharam as tratativas, o presidente do Senado disse ao secretário-executivo da Casa Civil, Jônathas Castro, que, caso as “matérias estranhas” constassem na lei, ele recorreria ao Supremo para garantir que a determinação do Senado fosse cumprida. Como solução, ficou acordado que não constaria na justificativa que os vetos ocorreram devido aos “jabutis”.

Ainda na fase de tramitação no Congresso, Pacheco devolveu o texto à Câmara com as impugnações alegando “ausência de pertinência temática”. Segundo pessoas próximas ao presidente da Câmara, um dos motivos da irritação também foi a demora para a análise pelos senadores, que só remeteram o texto no último dia de validade da MP.

Após a Câmara ignorar o Senado e aprovar novamente os “jabutis”, Pacheco reagiu:

— Este é um procedimento absolutamente indevido, inaceitável, que fere o processo legislativo, que fere a soberania de cada uma das instituições, a independência e autonomia de cada uma das instituições. Se tivesse sido impugnada pelo senhor presidente da Câmara dos Deputados, ela seria certamente respeitada pelo Senado Federal e pelo presidente do Senado Federal.

Apesar das rusgas, Pacheco evita conflitos e tem reforçado diversas vezes que mantém boa relação com Lira, ponderando que divergências são naturais. Lira, por sua vez, também disse ao GLOBO que a relação é “ótima”. Dias depois do embate pela MP 1.040, ao ser questionado sobre o assunto, o senador avaliou que o episódio estava superado.

— A relação é a melhor possível com o presidente Arthur Lira, com a Câmara dos Deputados, obviamente que há divergências de ideias e de propostas, mas há sempre um acordo de procedimentos e a gente busca respeitar isso.

Crise institucional

Em meio aos ataques do presidente Jair Bolsonaro ao Poder Judiciário, também há diferentes condutas na mediação da crise.

Pacheco faz acenos de que está ao lado do Judiciário no conflito, como ocorreu na rápida rejeição ao pedido de impeachment contra o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.

Já Lira tenta de várias formas agradar Bolsonaro. Foi o caso quando levou a plenário proposta do voto impresso, mesmo com a derrota em comissão especial. Após o presidente da República quebrar a promessa de não repetir ataques à Justiça Eleitoral, já que a Câmara havia colocado um “ponto final” no assunto, Lira preferiu não comentar a verborragia do chefe do Executivo.

— O assunto está encerrado — disse o presidente da Câmara, sem entrar no assunto.

Há ainda um desconforto de ordem eleitoral. Pacheco não descarta uma possível candidatura ao Palácio do Planalto em 2022. A postura rende, desde o início do ano, críticas por parte do deputado a aliados, para quem há uma busca exagerada por holofotes.

Durante a semana, até mesmo o ministro da Economia, Paulo Guedes, resolveu tornar pública sua opinião sobre a tramitação de projetos nas duas Casas:

— Não é surpresa que o Arthur Lira está atuando em altíssima velocidade, ajudando a aprovar as reformas, ajudando o Brasil a sair do buraco. Enquanto isso, do Senado está vindo bomba, por mal assessoramento ou militância política, em vez de uma assessoria correta.

Ele reagia à nota técnica do Senado, que considerou a hipótese de parcelamento de precatórios um caso de “contabilidade criativa”. O governo quer aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para postergar o pagamento de dívidas da União. Um dos motivos da iniciativa é abrir espaço no Orçamento para o pagamento de auxílio maior à população vulnerável.