Em uma nova estratégia eleitoral mirando o público evangélico, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reforçou um novo discurso no comício desta sexta-feira com pastores em São Gonçalo, região metropolitana do Rio. Em uma fala voltada a fiéis e pastores, o candidato ao Planalto declarou que "não teria chegado" onde chegou se não fosse "a mão de Deus dirigindo meus passos".
Líder nas principais pesquisas eleitorais, mas em desvantagem ante o presidente Jair Bolsonaro (PL) entre os evangélicos, Lula implementou uma nova fase da estratégia traçada para tentar ampliar a aceitação neste nicho religioso. No terceiro maior colégio eleitoral do estado do Rio, o petista participou de um encontro com pastores e fiéis ao lado do candidato a vice na chapa, Geraldo Alckmin (PSB), além do candidato ao governo Marcelo Freixo (PSB), e do candidato ao Senado André Ceciliano (PT).
Depois de criticar o uso eleitoral do 7 de Setembro por Bolsonaro, Lula também buscou se defender das afirmações de que esquerda e evangélicos não podem caminhar juntos. Ele disse que “não é aceitável um pastor, que diz que fala em nome de Deus, mentir”, e criticou o uso eleitoral da religião:
— Ninguém deve usar o nome de Deus em vão. Já fui cinco vezes candidato e nunca fui em uma igreja usar a religião pra pegar voto. Sei a quantidade de mentiras que contam a meu respeito. Posso olhar na cara de cada mulher, de cada senhora, de cada jovem, e dizer que nunca houve na história desse país um presidente que tratasse religião com tanta democracia como eu. Aprendi que o Estado não deve ter religião, ou igreja, mas deve garantir o funcionamento e a liberdade das igrejas, assim fizemos a Lei da Liberdade Religiosa em 2003 — destacou o ex-presidente que, ao fim de sua fala, volta a usar tom religioso:
— Não teria chegado onde cheguei se não fosse a mão de Deus dirigindo meus passos. Lá de cima, ele está dizendo “Lula, cuida desse povo, que não quer discurso, mas ação”. E é esse país que vamos criar. Queridos companheiros e companheiras, que Deus nos abençoe! — concluiu.
São Gonçalo é conhecida pela grande concentração de comunidades religiosas e fiéis evangélicos. O ginásio reuniu fiéis e militantes petistas, que assistiram aos discursos de cerca de dez pastores, além de jingles em ritmo de louvor. Antes das falas políticas, também houve a participação de uma cantora gospel, que levantou o público em sua apresentação e chamou ao seu lado Lula, que foi aclamado pelo público.
O evento contou com a presença de pastores especialmente da congregação Batista. Entre eles, o presidente da Convenção Batista Carioca, Sérgio Dusilek, que se disse “envergonhado” pela “injustiça do clero brasileiro” com o petista.
— A igreja tem que pedir perdão ao presidente Lula. O senhor não foi só alvo da injustiça do Judiciário brasileiro, mas tem sido alvo da injustiça do clero brasileiro. E me envergonho porque o senhor não merece passar por essa injustiça — disse.
Os pastores criticaram o discurso de que evangélicos não podem votar em Lula e em candidatos da esquerda, ressaltaram o relacionamento do ex-presidente com evangélicos em governos anteriores e criticaram “o discurso de ódio” e a “violência” no governo Bolsonaro.
Ao final, Lula participou com os candidatos aliados presentes de uma roda de oração, em que foram pedidos proteção ao petista, para que ele “possa governar com sabedoria”, e que a população “possa ter sabedoria, discernimento, e elas possam entender, pai, que o senhor é que constitui as autoridades na terra”.
— Esse homem, pai, é querido por Ti, eu sei disso, cubra ele com sangue, e que a última graça possa ser maior que a primeira — disse a pastora que fez a prece.
Também foi entregue a Lula uma Carta dos Evangélicos, que critica o avanço da fome no atual governo, e pediu a defesa da família, segurança com educação e saúde de qualidade, vacinação de crianças, aumento real de salário mínimo e emprego, o que, segundo o documento, “precisa voltar a ser prioridade”. A carta também ressalta que Lula “defendeu a família” durante seus mandatos à frente do Planalto, e que tiveram “total liberdade para pregar e viver o evangelho”.
Aceno às eleitoras
No início da fala, Lula contou a história de sua família com foco em sua mãe, dona Lindu, que,deixou seu estado-natal, Pernambuco, e veio a São Paulo com oito filhos, onde encontrou seu marido vivendo com outra mulher. A narrativa foi usada para valorizar a força de sua mãe, que criou os oito filhos sozinha. Em seguida, destacou os valores familiares e lembrou dos programas sociais criados em seu governo.
— Se tiver harmonia dentro de casa, se os pais souberem organizar, e o filho obedecer a pai e mãe, vamos ter harmonia. Tenho filhos e netos, e é por isso que quando fui eleito, colocamos o cartão do Bolsa Família no nome da mulher. Não é porque a gente não confia no homem, mas porque a gente sabe que ela vai ter responsabilidade, vai ter certeza que a comida vai chegar na boca da criança. Imagina se o Flamengo perde, e o homem resolve usar o dinheiro pra beber um negocinho, pra esquecer… — disse Lula.
Programas sociais
Ao longo do seu discurso, o petista também criticou as mudanças implementadas por Bolsonaro em programas sociais.
— O povo pobre só não tem oportunidade, e o governo tem que dar oportunidade para as pessoas. E foi o que fizemos, criamos 22 milhões de empregos. Fizemos o Minha Casa, Minha Vida, e acabaram com o programa para fazer a Casa Verde e Amarela. Alguém aqui já viu alguma casa verde e amarela? — provocou.
Presente em todos os discursos do dia, o combate à fome também foi usado pelo petista para criticar Bolsonaro — que, segundo ele, “mente” sobre a realidade do país para defender o que foi feito em seu governo.
— Sei que aqui no Rio, no Brasil, as famílias adoram se reunir no fim de semana e comer um churrasquinho. Agora para esse país ser reconstruído, tem que ter governança. Porque a desgraça de quem conta uma mentira, é que vai passar a vida toda mentindo. Um presidente não tem que mentir. Se a situação está difícil, fala que está difícil. Se está boa, fala que está boa. Penso que todo mundo precisa comer. Quando a gente come, a gente fica saudável, inteligente. Quando não come, não consegue fazer nada. Só sabe o que é fome quem passou fome. Temos 33 milhões de pessoas passando fome, pegando osso de frango, carcaça. Porque eles tratam o povo pobre como se a gente não gostasse de coisa boa. Ninguém faz opção para ser pobre. A gente só é pobre porque não tem oportunidade, senão seria todo mundo classe média aqui. Todo mundo comeria carne de primeira, teria computador e celular — disse Lula.