Eleições 2022
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Por Bernardo Mello, Eduardo Gonçalves e Natália Portinari — Rio e Brasília

Enquanto a ex-ministra Marina Silva, na última segunda-feira, declarava apoio à candidatura do ex-presidente Lula (PT) e criticava o uso de mensagens religiosas contra o petista, o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) publicava o vídeo de um pastor pedindo voto no presidente Jair Bolsonaro (PL) na igreja e uma foto sua com a Bíblia.

Os dois são como água e óleo quando se trata de política, mas há algo a uni-los: a Assembleia de Deus, maior rede de igrejas evangélicas do país. Presente em todos os estados da federação e com 43,5 mil registros em vigor na Receita Federal, segundo dados levantados pela organização Brasil.io, a denominação tem mais templos no país do que a quantidade de agências dos Correios (11 mil) ou lotéricas (13 mil). A cada quatro igrejas evangélicas abertas na última década, uma carrega “Assembleia de Deus” no nome.

— Hoje se diz que Assembleia de Deus é que nem Coca-Cola, porque tem em todo lugar — afirma o ex-deputado e pastor Everaldo Pereira (PSC), responsável por batizar, em 2016, Bolsonaro no Rio Jordão, em Israel.— Na década de 1980, as lideranças diziam na Constituinte que a igreja também tinha que estar no Congresso. Eram pastores levando o púlpito para o Congresso — completa a deputada federal Benedita da Silva (PT), aliada de Lula, sobre a eleição de deputados das Assembleias de Deus por diferentes legendas, da direita à esquerda (foram 110 assembleianos compondo a bancada evangélica nos últimos 20 anos, por siglas como PL, PSDB, MDB e PT).

Crescimento da Assembleia de Deus — Foto: Arte / O Globo
Crescimento da Assembleia de Deus — Foto: Arte / O Globo

A alta capilaridade da Assembleia de Deus e a capacidade de agregar políticos das mais diversas ideologias se justificam por sua origem e a forma como se organizou ao longo dos anos. Fundada por dois pastores suecos, Daniel Berg e Gunnar Vingren, que chegaram no início do século XX a Belém (PA), vindos dos Estados Unidos, a igreja se diferenciou dos “protestantes históricos” pela doutrina — centrada em manifestações do Espírito Santo através de curas divinas e do “falar em línguas estranhas” como em um transe— e pela ênfase e maleabilidade na expansão. Diferentes pesquisadores analisam as Assembleias de Deus não como organismo singular, mas como uma “marca de respeitabilidade entre igrejas”, como define o pastor Luciano Luna, hoje coordenador político do PSDB. Em lugar de um líder único, como na Igreja Universal, o funcionamento ocorre como um sistema de franquias.

— Diferente de outras igrejas, não há uma cúpula decidindo estrategicamente onde vai se abrir cada igreja. As Assembleias vão se multiplicando e autonomizando, sem uma estratégia central. Por isso é possível encontrar uma do lado da outra, na mesma rua — explica Gedeon Alencar, doutor em Ciências da Religião pela PUC-SP.

Ramificações da Assembleia de Deus — Foto: Arte / O Globo
Ramificações da Assembleia de Deus — Foto: Arte / O Globo

A miríade de igrejas com o nome “Assembleia de Deus”, de múltiplas faces, se ancora na Convenção Geral das Assembleias de Deus (CGADB), uma espécie de “guarda-chuva” que reúne cerca de 60 convenções estaduais, cada qual com dezenas de ministérios, que contam com até centenas de templos. A CGADB é comandada pela família do pastor José Wellington, também responsável pelo Ministério do Belém, conhecido como Belenzinho, sediado no bairro de mesmo nome em São Paulo, e que tem 896 templos distribuídos em dez estados.

A ascensão de José Wellington ocorreu junto à expulsão do Ministério de Madureira da CGADB, em 1989. Fundada na década de 1930, Madureira logo passou a expandir seu ministério de forma autônoma e entrar em atrito com os assembleianos “de missão”, como chamavam a cúpula original de Belém. Hoje é liderada pelos bispos Manoel Ferreira e seus filhos Abner e Samuel, e tem 1.249 templos. Ferreira chegou a presidir a CGADB na década de 1980, e foi afastado após perder o comando para o grupo de José Wellington.

Mais dois ramos relevantes também romperam com a CGADB. O pastor Silas Malafaia deixou a convenção em 2010, denunciando irregularidades em gastos na gestão de José Wellington, e seguiu de maneira independente com a sua Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Sete anos depois, o pastor Samuel Câmara, líder da chamada “igreja-mãe” da Assembleia de Deus em Belém (PA), também rompeu com a CGADB, após perder seguidas eleições ao comando da entidade para José Wellington e seu filho, José Wellington Costa Jr., em meio a acusações de fraude eleitoral.

As brigas por poder na Assembleia de Deus ficaram evidentes na guerra pelo comando da bancada evangélica este ano, entre Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), aliado de Malafaia, e Cezinha de Madureira (PSD-SP). Sem abrir mão da presidência, Cezinha e Sóstenes acertaram uma alternância, mas Madureira ensaiou não transmiti-la. No fim, Sóstenes herdou a bancada em meio a um embate que ameaçou implodir a unidade forjada em torno de Bolsonaro. Hoje, Cezinha diz que o apoio ao presidente alcança até a CGADB, cujo formato abre maior autonomia às igrejas.

— O bispo Samuel Ferreira está andando pelo país inteiro em campanha por Bolsonaro. Na outra Assembleia de Deus, eles não conseguem ter um comando geral, mas mesmo assim estão também fazendo campanha para Bolsonaro — afirma.

Sinais múltiplos

Desde que Bolsonaro assumiu, houve aproximação das maiores lideranças com o seu governo — a aliança com o pastor Silas Malafaia é o maior símbolo da sinergia. A Assembleia de Deus já dava sinais de que ficaria mais associada ao antipetismo quando políticos como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, hoje no PTB, migraram para o Ministério de Madureira durante seus mandatos. Além disso, a presidência do deputado federal Marco Feliciano, em 2013, na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, sob protestos da esquerda, é considerada crucial para dar “identidade ao movimento” evangélico.

— Pela primeira vez difundimos de maneira clara e em escala nacional nossas peculiaridades. Muita gente se descobriu evangélico ali — diz Feliciano, que vê uma atuação legislativa coesa das Assembleias de Deus, mesmo com as disputas — Hoje não passam leis que aviltem nossas tradições.

Políticos na Assembleia de Deus — Foto: Arte / O Globo
Políticos na Assembleia de Deus — Foto: Arte / O Globo

Mas os maiores ramos da Assembleia de Deus já se dividiram em disputas presidenciais. Em 2010, enquanto o pastor José Wellington apoiou o tucano José Serra, Madureira fechou com a petista Dilma Rousseff. A capacidade de diferentes alianças se reproduz até dentro dos ramos: no ano passado, Manoel Ferreira, líder de Madureira, reuniu-se com Lula no Rio; seu filho Abner, presente em cultos com Bolsonaro neste ano, abriu o templo-sede para uma reunião de Marcelo Freixo (PSB), candidato ao governo do Rio. O cientista político Vinicius Valle, que pesquisa a atuação política da igreja, observa que os diferentes ramos, embora tenham modos distintos de articular candidaturas ao Legislativo, mantêm um padrão “amigável” com todos os presidentes, o que envolve canais abertos com a esquerda em uma eventual transição de poder em 2023.

— Parte das lideranças, como Malafaia e Feliciano, parece ter chegado a pontos de não retorno com Lula. Mas o passado indica que alianças podem ser reconstruídas — avalia. (Colaborou Luísa Marzullo)

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