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Por Bernardo Mello, Gustavo Schmitt e Ivan Martínez-Vargas

No início de julho, a Marcha para Jesus, maior evento evangélico do país, chegou à sua 30ª edição com ampla cobertura ao vivo e em telejornais da Rede Gospel, emissora de televisão dos organizadores do evento e líderes da Igreja Renascer em Cristo, os bispos Estevam e Sônia Hernandes. Na versão carioca do mesmo encontro, um mês depois, uma das principais atrações no palco montado na Praça da Apoteose era o pastor Cláudio Duarte, que atua como conferencista e faz apresentações de comédia stand-up para cerca de 26 milhões de seguidores nas redes sociais.

O casal Hernandes e o pastor Duarte são expoentes de duas fases distintas da revolução na forma de se comunicar de lideranças evangélicas brasileiras. Tanto o televangelismo, massificado com a compra de horários de TV e rádio desde o fim dos anos 1970, como a recente ascensão de influenciadores digitais cristãos são peças-chave para a projeção que especialistas fazem do país deixando de ter uma maioria católica até 2032.

Segundo a Ancine, programas religiosos já chegaram a ocupar 21% do tempo de programação da TV aberta. Ao mesmo tempo, os cinco maiores televangelistas viram escalar sua quantidade de templos no país. De 2013 a 2022, de acordo com dados da Receita Federal, foram abertos 2,5 mil CNPJs de igrejas de Estevam Hernandes, do apóstolo Valdemiro Santiago (Igreja Mundial do Poder de Deus), do missionário R.R. Soares (Igreja Internacional da Graça), do bispo Robson Rodovalho (Sara Nossa Terra) e do pastor Silas Malafaia (Vitória em Cristo).

— A televisão não substitui a igreja física, mas é um instrumento poderoso de evangelismo — afirma Estevam Hernandes. — A mídia claramente aumenta o número de fiéis que têm contato com a mensagem, mas por si só não gera conversões. Precisa ser complementada com a capilaridade dos templos. O grande poder está na combinação das duas coisas — completa Raphael Corbi, do Centro de Estudos da Religião e Políticas Públicas da USP.

No Brasil, o televangelismo cresceu a partir da atuação, nos anos 1960, do bispo canadense Robert McAlister, líder da Igreja de Nova Vida, fundada no Rio. McAlister lançou à época programas de rádio e TV inspirados no modelo de pregadores dos Estados Unidos, onde o gênero se difundia desde a década de 1920. Entre os seguidores da igreja de McAlister estavam os futuros pastores Silas Malafaia, R.R. Soares e Edir Macedo, líder da Igreja Universal. Em 1978, Macedo e Soares, seu cunhado, deixaram a Nova Vida e lançaram um programa de TV próprio, que durou até romperem dois anos depois. Já Malafaia deu os primeiros passos na televisão a partir de 1982.

Brigas por espaço

As décadas seguintes registraram um acirramento das disputas por espaços na programação pelos próprios televangelistas. No fim dos anos 2000, Malafaia, que acusava Macedo de bloquear outros pastores em emissoras como a Record, acumulou atritos com Valdemiro Santiago por motivo semelhante. O líder da Igreja Mundial chegou a alugar quase todo o tempo de programação de canais como a Rede 21, de sinal fechado, e da CNT, aberta, bloqueando o acesso de Malafaia à grade. Anos depois, foi Macedo que desbancou Valdemiro e acabou ocupando todos esses espaços.

Nos últimos anos, o boom evangélico na TV foi inibido por ações judiciais. Em três processos em São Paulo e no Rio, o Ministério Público Federal considera que houve desrespeito da lei que demarca em 25% da programação de cada canal a possibilidade de venda de espaços — em julho, um projeto de lei sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro acabou com o limite, ajudando os cinco televangelistas que o apoiam. Contribui ainda para a menor presença de pastores e bispos na TV a queda de audiência dos programas tradicionais e a possibilidade de uso da internet para propagar a fé.

— Eu sempre atuei em diversas mídias. Cheguei a vender 4 milhões de mensagens em CD e fitas cassete. Quando vi que a TV começou a perder audiência, cortei programas, já que gastava milhões por mês. Hoje tenho um programa na TV de meia hora para aquele pessoal mais antigo — afirma o pastor Silas Malafaia.

A migração para as redes sociais, onde os discursos são reverberados por um exército de internautas, é uma tendência que engloba desde igrejas como Bola de Neve (1,5 milhão de seguidores) até líderes que não são responsáveis por um templo sequer nem nunca gastaram com compra de horários de TV — como o coach cristão Tiago Brunet (9,2 milhões de seguidores).

A ausência de espaços em canais não é uma barreira para o alcance da mensagem de pastores como Josué Valandro Júnior, da Igreja Batista Atitude, na Barra da Tijuca, frequentada pela primeira-dama Michelle Bolsonaro. O espaço é iluminado por refletores coloridos, e a música, em alto volume, embala o público, em sua maioria jovens, que pulam e cantam — palestras sobre educação financeira, por exemplo, também compõem o escopo de atuação da denominação. Nas redes sociais, com transmissão ao vivo dos cultos, Valandro e a igreja tem 1,2 milhão de seguidores. No Instagram, o perfil do pastor mescla uma série de vídeos editados com falas curtas, além de fotos que trazem frases em tom de coach — “Na tempestade, não procure o culpado. Procure soluções!”, postou na sexta-feira.

— Nessa nova geração de pastores e influenciadores, a ideia de alcance se modificou. Não é mais multiplicar os templos, e sim a audiência em torno da própria liderança, que produz diferentes tipos de conteúdo e expõe um pouco da sua vida pessoal para aumentar a circulação de si mesmo — afirma o antropólogo Flávio Conrado, da Casa Galileia. — Antes, a estratégia era ir atrás de concessões. Em vez de depender de estrada, a igreja passou a necessitar de sinal. Agora, com as redes sociais, há uma mudança. Temos uma grande desterritorialização da fé em curso — conclui o sociólogo José Eustáquio Alves.

(Colaborou Jéssica Marques)

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