Eleições 2022
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Por Aline Ribeiro e Laura Mariano — São Paulo

Temendo possíveis reações violentas, a produtora audiovisual Mariana Ricciardi, de 39 anos, deixou de usar suas tradicionais vestimentas com frases, personalidades e símbolos da esquerda e adotou um jeito minimalista de se manifestar. Mandou bordar uma camiseta com a frase "13 confirma" bem pequena, quase camuflada, e está cogitando comprar uma versão mais discreta do boné do Movimento Sem Terra.

As eleições gerais deste ano estão, de fato, mais silenciosas. Os grupos de WhatsApp da família emudeceram. As bandeiras e adesivos nos carros rarearam. As camisetas de partidos políticos não deixaram o guarda-roupa. O brasileiro está com medo, como mostra uma pesquisa inédita da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Segundo o levantamento “Violência e Democracia: panorama brasileiro pré— eleições de 2022”, 67,5% dos entrevistados afirmam ter medo de serem agredidos fisicamente em razão de suas escolhas políticas ou partidárias. Do total de ouvidos, 3,2% relatam ter sofrido ameaças por motivos políticos no último mês. Se extrapolada a amostra da pesquisa, são cerca de 5,3 milhões que já sofreram ameaças. O estudo foi realizado pelo Instituto Datafolha, que ouviu cerca de 2.100 pessoas entre os dias 3 e 13 de agosto em cerca de 130 municípios.

Eleitores temem sofrer ameaças ao declarar escolhas políticas — Foto: Editoria de Arte
Eleitores temem sofrer ameaças ao declarar escolhas políticas — Foto: Editoria de Arte

O sociólogo Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum, avalia que o Brasil está "num debate eleitoral interditado". Os casos recentes de violência político-eleitoral, como a diarista que teve uma marmita negada e os assassinatos dos petistas no Paraná e no Mato Grosso, têm mostrado que as divergências políticas podem acabar em retaliação ou até em morte.

— O discurso agressivo adotado pelo atual governo e esses casos criam um clima de pânico e acabam por mobilizar aqueles que são contra os avanços civilizatórios. As pessoas, portanto, ficam paralisadas, porque realmente estão sendo ameaçadas e se tornando vítimas. Elas não saem mais com adesivos, não fazem campanha. A rua foi tomada por uma única facção ideológica — opinou Lima.

Para a cientista política Mônica Sodré, diretora da RAPS, os achados da pesquisa são preocupantes, sobretudo num país que tem visto crescer o número de armas nas mãos dos cidadãos e enfrentado ataques constantes às instituições democráticas.

— Uma das dimensões mais importantes da democracia é o direito à participação, à expressão e à manifestação. Estamos vendo que esse direito pode estar prejudicado. Se as pessoas têm medo de se manifestar, é a própria democracia que, de alguma maneira, está ameaçada — ressaltou Mônica.

A produtora audiovisual Mariana conta que, desde 2018, a animosidade política a fez repensar sua forma de se manifestar. Naquele ano, ela foi perseguida por um homem enquanto andava sozinha pela Avenida Paulista, durante o dia, com uma camiseta da ex- presidente Dilma Rousseff (PT). Ele vociferou agressões como "vaca, corrupta e vai para Cuba", e ainda teve a adesão de outro que passava. Com medo, Mariana se refugiou em uma loja de produtos de beleza.

— Desde então, passei a me sentir coagida. A gente está com medo, porque sabe que existem pessoas despreparadas que estão armadas nas ruas. Estamos num momento mais delicado do obscurantismo — avaliou. — A roupa é um registro identitário. Assim como usamos camiseta de um clube, de universidade, quem vota na esquerda faz isso como ato de resistência. Agora só me manifesto entre amigos, na minha própria bolha, ou uso essa versão bordada mais discreta.

Polarização afetiva

Felipe Nunes, professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais e diretor da Quaest Pesquisa, defende que o Brasil está vivendo um contexto em que as pessoas não se tratam como adversárias, mas como inimigas. Embora nova por aqui, essa tese chamada de "polarização afetiva" já é bastante difundida em outros países. Segundo ele, o processo de identidade de grupo faz com que o eleitor acredite que, "para sobreviver, tem de aniquilar o outro lado, que também está tentando destruí-lo".

— Tenho medido isso nas pesquisas. No Brasil, será a primeira eleição com essa característica constituída. A consequência da polarização afetiva é o aumento de violência política e do autoritarismo, o receio de declarar o voto publicamente e a redução do debate público — explicou Nunes.

O advogado Agassiz Almeida, de 48 anos, há tempos milita pela esquerda, mas nesta eleição está temeroso. Professor de Direito Constitucional na Universidade Estadual da Paraíba, passou a se envolver pessoalmente em campanhas eleitorais em 2015, e vem percebendo uma escalada na agressividade que acabou por reprimi-lo. Um episódio recente reforçou seu receio. Almeida estacionou seu carro com um adesivo do ex-presidente e candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em frente a uma loja de materiais de informática, na capital João Pessoa, e saiu para resolver outras questões. Ao retornar, deparou-se com o funcionário dizendo que ali não vendiam para petista, para a ‘esquerdália’’.

— Em eleições passadas, eu e minha família participamos de forma mais entusiasmada e menos preocupada. Em 2018, fomos votar usando vermelho — lembrou. — Neste ano, não sei se faremos isso, porque existe o risco concreto de sermos agredidos.

Indecisa e amedrontada

A estudante Sabrina Gomes, de 19 anos, irá votar pela primeira vez e ainda não escolheu seu candidato a presidente, diz estar estudando "o bom e ruim" de todos os concorrentes. Mesmo sem lado definido, está evitando se posicionar politicamente por medo de retaliação. Em 2018, apesar de ainda não ser eleitora, costumava usar com frequência as redes sociais para criticar candidatos. Acabou colecionando desafetos e optou por mudar a estratégia.

— Existem muitas pessoas ignorantes, então prefiro me manter reclusa. Já sofri constrangimento demais nas redes sociais. Também me aconteceu de sair na rua de vermelho, sem estar me referindo a nenhum partido, e ser tachada de lulista. Então evito roupas com cores de candidatos e qualquer sinal que remeta a algum deles. Tenho medo de sofrer algum tipo de ataque e agressão — disse.

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