Política STF

Entenda os recados de Fux a Bolsonaro e leia a íntegra do discurso

Presidente do Supremo enfatizou risco de crime de responsabilidade e elogiou Polícias Militares; entenda o contexto dos principais trechos
Fux diz que desrespeitar decisão do STF é crime de responsabilidade Foto: Divulgação 08/09/2021
Fux diz que desrespeitar decisão do STF é crime de responsabilidade Foto: Divulgação 08/09/2021

RIO — Em pronunciamento nesta quarta-feira , o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, mandou recados ao presidente Jair Bolsonaro e aos demais Poderes, ao se manifestar sobre os atos com pautas antidemocráticas realizados no feriado de 7 de setembro. As declarações ocorreram um dia após o presidente discursar nos protestos de Brasília e de São Paulo em tom golpista e proferir ataques ao ministro Alexandre de Moraes . O GLOBO reuniu e contextualizou as principais mensagens do presidente do Supremo.

Leia a íntegra do discurso de Fux

"O Brasil comemorou, na data de ontem, 199 anos de sua independência. Em todas as capitais e em diversas cidades do país, cidadãos compareceram às ruas. O país acompanhou atento o desenrolar das manifestações e, para tranquilidade de todos nós, os movimentos não registraram incidentes graves.

Com efeito, os participantes exerceram as suas liberdades de reunião e de expressão – direitos fundamentais ostensivamente protegidos por este Supremo Tribunal Federal.

Nesse ponto, é forçoso enaltecer a atuação das forças de segurança do país, em especial as polícias militares e a Polícia Federal , cujos membros não mediram esforços para a preservação da ordem e da incolumidade do patrimônio público, com integral respeito à dignidade dos manifestantes.

(CONTEXTO: O presidente do STF acena aos policiais militares após as manifestações antidemocráticas de 7 de setembro não registrarem participação da categoria. A possível adesão de PMs da ativa, que são proibidos de participar de manifestações políticas, acendeu o alerta dos governadores nos dias que antecederam a realização dos atos. Parte deles chegou a anunciar que policiais que fossem às ruas nos protestos pró-Bolsonaro seriam punidos. Em São Paulo, um comandante da PM foi afastado na semana passada após compartilhar convocações para os atos em suas redes sociais)

Destaque-se, por seu turno, o empenho das Forças Armadas, dos governadores de Estado e dos demais agentes de segurança e de inteligência pública, que monitoraram em tempo real todas as manifestações, permitindo assim o seu desenrolar com ordem e paz.

De norte a sul do país, percebemos que os policiais e demais agentes atuaram conscientes de que a democracia é importante não apenas para si, mas também para seus filhos, que crescerão ao pálio da normalidade institucional que seus pais contribuíram para manter.

Veja também: Entenda como Alexandre de Moraes se tornou 'inimigo nº 1' de Bolsonaro

Este Supremo Tribunal Federal também esteve atento à forma e ao conteúdo dos atos realizados no dia de ontem. Cartazes e palavras de ordem veicularam duras críticas à Corte e aos seus membros, muitas delas também vocalizadas pelo senhor presidente da República , em seus discursos em Brasília e em São Paulo.

(CONTEXTO: Nos atos desta terça-feira, registrados em 179 cidades, cartazes com pedido de fechamento do Supremo e com ataques a ministros da Corte foram recorrentes, principalmente nos protestos em capitais como São Paulo, Brasília, Rio e Belo Horizonte. As manifestações contaram com grande estrutura, incluindo carros de som. Em seus discursos, Bolsonaro fez ataques diretos ao ministro Alexandre de Moraes, a quem chamou de “canalha”, e a decisões recentes do magistrado no inquérito que apura atos antidemocráticos e ameaças a membros do STF. Prisões, buscas, apreensões e remoções de perfis nas redes sociais são algumas das medidas contra aliados do presidente determinadas recentemente por Moraes)

Na qualidade de chefe do Poder Judiciário e presidente do Supremo Tribunal Federal, impõe-se uma palavra de patriotismo e de respeito às instituições do país.

Nós, magistrados, ministras e ministros do Supremo Tribunal Federal, sabemos que nenhuma nação constrói a sua identidade sem dissenso.

A convivência entre visões diferentes sobre o mesmo mundo é pressuposto da democracia, que não sobrevive sem debates sobre o desempenho dos seus governos e de suas instituições.

Nesse contexto, em toda a sua trajetória nesses 130 anos de vida republicana, o Supremo Tribunal Federal jamais se negou – e jamais se negará – ao aprimoramento institucional em prol do nosso amado país.

No entanto, a crítica institucional não se confunde – e nem se adequa – com narrativas de descredibilização do Supremo Tribunal Federal e de seus membros , tal como vem sendo gravemente difundidas pelo Chefe da Nação.

Ofender a honra dos ministros, incitar a população a propagar discursos de ódio contra a instituição do Supremo Tribunal Federal e incentivar o descumprimento de decisões judiciais são práticas antidemocráticas e ilícitas, intoleráveis, em respeito ao juramento constitucional que fizemos ao assumirmos uma cadeira nesta Corte.

(CONTEXTO: Nas duas frases, Fux envia um recado direto a Bolsonaro. Em discurso, o presidente da República falou em “enquadrar” a Corte e mirou em Fux ao afirmar que “ou o chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos”, em referência também a Alexandre de Moraes. A Constituição estabelece que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário “são independentes e harmônicos entre si”. Na mais grave das ameaças durante o ato, Bolsonaro também afirmou que não irá mais cumprir decisões judiciais de Alexandre de Moraes. Pelo descumprimento, Bolsonaro poderia ser acusado tanto de crime comum, no caso desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal, quanto de crime de responsabilidade, previsto na Lei do Impeachment. Nos dois cenários, Bolsonaro poderia ser afastado do cargo)

Infelizmente, tem sido cada vez mais comum que alguns movimentos invoquem a democracia como pretexto para a promoção de ideais antidemocráticos.

Estejamos atentos a esses falsos profetas do patriotismo, que ignoram que democracias verdadeiras não admitem que se coloque o povo contra o povo, ou o povo contra as suas instituições.

Todos sabemos que quem promove o discurso do "nós contra eles" não propaga democracia , mas a política do caos.

(CONTEXTO: Nos dois trechos, Fux se refere aos discursos de Bolsonaro em Brasília e São Paulo e à estratégia do presidente de desvirtuar o conceito de democracia. Aos apoiadores, Bolsonaro citou em diversos momentos a defesa da democracia e que não defende ruptura, ao mesmo tempo que pregou a saída de Moraes do cargo, fez ataques à Corte, voltou a lançar dúvidas sobre o processo eleitoral e insinuou que não respeitará o resultado do pleito de 2022. Bolsonaro também disse que "só Deus" o tira do cargo)

Em verdade, a democracia é o discurso do "um por todos e todos por um, respeitadas as nossas diferenças e complexidades".

Povo brasileiro, não caia na tentação das narrativas fáceis e messiânicas , que criam falsos inimigos da nação .

(CONTEXTO: Fux se refere novamente a Bolsonaro. O presidente do STF aponta para a estratégia do presidente de se colocar como porta-voz da população em suas declarações contra o tribunal, embora a rejeição ao seu governo hoje ultrapasse a maioria da população. Também aponta para o fato de o STF ter se tornado o principal alvo dos atos pró-Bolsonaro. Como mostrou O GLOBO, uma pesquisa realizada com manifestantes bolsonaristas na Avenida Paulista, em São Paulo, apontou que a maioria dos entrevistados (59%) vê o STF como maior inimigo do presidente)

Mais do que nunca, o nosso tempo requer respeito aos poderes constituídos. O verdadeiro patriota não fecha os olhos para os problemas reais e urgentes do país. Pelo contrário, procura enfrentá-los, tal como um incansável artesão, tecendo consensos mínimos entre os grupos que naturalmente pensam diferentes. Só assim é possível pacificar e revigorar uma nação inteira.

Imbuído desse espírito democrático e de vigor institucional, este Supremo Tribunal Federal jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções.

Os juízes da Suprema Corte – e todos os mais de 20 mil magistrados do país – têm compromisso com a sua independência , assegurada nesse documento sagrado que é a nossa Constituição, que consagra as aspirações do povo brasileiro e faz jus às lutas por direitos empreendidas pelas gerações que nos antecederam.

(CONTEXTO: Fux busca demonstrar unidade não só do STF como de todo o Judiciário. Nos últimos anos, a Corte tem sido marcada por discordâncias de interpretação em seu plenário. Decisões de Moraes têm sido apoiadas publicamente por integrantes do tribunal. Em agosto, o STF publicou um comunicado com repúdio ao pedido de impeachment de Moraes feito por Bolsonaro, que acabou arquivado no Senado. Nesta terça-feira, associações relevantes do Judiciário, como a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), se manifestaram contra as declarações de Bolsonaro nos atos antidemocráticos de que não cumpriria mais decisões judiciais de Moraes)

O Supremo Tribunal Federal também não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões. Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do chefe de qualquer dos poderes, essa atitude, além de representar um atentado à democracia, configura crime de responsabilidade , a ser analisado pelo Congresso Nacional.

(CONTEXTO: Fux volta a falar da possibilidade de Bolsonaro cometer crime, se não cumprir decisões judiciais de Moraes, mas também se dirige ao Congresso, que é responsável por analisar um eventual pedido de impeachment. Pelo descumprimento, Bolsonaro poderia ser acusado tanto de crime comum, no caso desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal, quanto de crime de responsabilidade, previsto na Lei do Impeachment. No segundo cenário, o presidente pode ser enquadrado no artigo 12, que lista crimes contra o cumprimento de decisões judiciais, como "impedir, por qualquer meio, o efeito dos atos, mandados ou decisões do Poder Judiciário" e "recusar o cumprimento das decisões do Poder Judiciário no que depender do exercício das funções do Poder Executivo")

Num ambiente político maduro, questionamentos às decisões judiciais devem ser realizados não através da desobediência, não através da desordem, não através do caos provocado, mas decerto pelos recursos que as vias processuais oferecem.

Ninguém, ninguém fechará esta Corte.

Nós a manteremos de pé, com suor, perseverança e coragem. No exercício de seu papel, o Supremo Tribunal Federal não se cansará de pregar fidelidade à Constituição e, ao assim proceder, esta Corte reafirmará, ao longo de sua perene existência, o seu necessário compromisso com o regime democrático, com os direitos humanos e com o respeito aos poderes e às instituições deste país.

Pesquisa : Apoiadores do presidente consideram STF inimigo maior que a esquerda

Em nome das ministras e dos ministros desta Casa, conclamo os líderes do nosso país a que se dediquem aos problemas reais que assolam o nosso povo : a pandemia, que ainda não acabou e já levou para o túmulo mais de 580 mil vidas brasileiras, e levou a dor a estes familiares que perderam entes queridos; devemos nos preocupar com o desemprego, que conduz o cidadão ao limite da sobrevivência biológica; nos preocupar com a inflação, que corrói a renda dos mais pobres; e a crise hídrica, que se avizinha e que ameaça a nossa retomada econômica.

(CONTEXTO: Fux enfatiza que as manifestações antidemocráticas com ataques ao STF ocorrem num momento em que o país atravessa uma conjunção de crises. Enquanto a pandemia está prestes a alcançar a marca de 600 mil mortes e o presidente enfrenta o desgaste das apurações da CPI da Covid, o Brasil registra a terceira maior inflação da América Latina, acumulada em 12 meses até julho em 9%, e enfrenta uma crise energética que pode levar ao racionamento em ano eleitoral. Nesse período, Bolsonaro também viu sua popularidade cair. A última pesquisa Datafolha aponta que 51% consideram sua gestão ruim ou péssima, maior percentual desde o início do governo, em 2019)

Esperança por dias melhores é o nosso desejo e o desejo de todos, mas continuamos firmes na exigência de narrativas e comportamentos democráticos, à altura do que o povo brasileiro almeja e merece. Não temos mais tempo a perder".