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Entenda: a quebra de sigilo de Flávio Bolsonaro e a prisão de Queiroz podem ser anuladas?

Desembargadores acolheram argumento da defesa do senador e decidiram tirar juiz do caso e mandar investigação para segunda instância
O senador Flavio Bolsonaro Foto: Daniel Marenco em 11/09/2019 / Agência O Globo

RIO — Após a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) ter decidido, nesta quinta-feira, retirar o juiz Flávio Itabaiana do julgamento que apura a prática de "rachadinha" ligada a Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), caberá ao Órgão Especial do TJ-RJ a análise sobre o que já foi apurado e decidido até aqui.

Entenda a seguir a decisão dos desembargadores da 3ª Câmara Criminal e como isso se reflete nas investigações em curso, que também envolvem o ex-assessor Fabrício Queiroz:

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O que foi julgado?

Os desembargadores acolheram um habeas corpus apresentado em março pela defesa de Flávio Bolsonaro, com um pedido para que o caso sobre o gabinete dele na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) passe a tramitar em segunda instância. O argumento é que os fatos apontados pelo Ministério Público (MP) como irregulares aconteceram enquanto ele era deputado estadual e, por isso, ele teria direito a foro privilegiado.

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Quais foram os votos?

Relatora do caso, a desembargadora Suimei Cavalieri votou contra o pedido da defesa. Os desembargadores Mônica Oliveira e Paulo Rangel votaram pelo deslocamento do caso para a segunda instância.

Quem era o juiz até agora?

O juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do TJ-RJ, era o responsável por autorizar diligências até aqui. Foi ele quem quebrou o sigilo de Flávio Bolsonaro e de mais de 100 pessoas e empresas ligadas a ele e ao gabinete, autorizou buscas e apreensões e, por fim, decretou a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do então deputado , na semana passada.

Quem vai passar a julgar o caso?

Agora, o caso passará a tramitar sob a tutela de um colegiado, o Órgão Especial do TJ-RJ. As decisões deixarão de ser monocráticas.

Fabrício Queiroz não ofereceu resistência à prisão, contam policiais, que cumpriram mandado de prisão preventiva contra ele, na manhã desta quinta-feira, em Atibaia, interior de São Paulo Foto: Divulgação
Policiais localizaram Queiroz em Atibaia, interior de São Paulo, na manhã desta quinta-feira (18) Foto: Divulgação
Material apreendido na casa com Fabrício Queiroz, que vivie em Atibaia, interior de São Paulo, em imóvel de Frederick Wassef, advogado de Flávio Bolsonaro Foto: Divulgação
Material apreendido na casa com Fabrício Queiroz, que vivie em Atibaia, interior de São Paulo, em imóvel de Frederick Wassef, advogado de Flávio Bolsonaro Foto: Divulgação
Fabrício Queiroz, segurando uma mochila, desembarca no aeroporto de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio. Ele ficará na Cadeia Pública Pedrolino Werling de Oliveira, conhecida como Bangu 8, também Zona Oeste Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
Fabrício Queiroz sob custódia da Polícia Civil de São Paulo Foto: Polícia Civil / Agência O Globo
Fabrício Queiroz chega ao Instituto Médico Legal, em São Paulo, acompanhados de policiais Foto: Nelson Almeida / AFP
Usando máscara de proteção e boné azul, Queiroz fez exames de praxe no IML, na capital, depois de ter sido preso em Atibaia Foto: Nelson Almeida / AFP
Fabrício Queiroz chega ao Instituto Médico Legal, em São Paulo, acompanhados de policiais Foto: Nelson Almeida / AFP

As decisões até agora foram anuladas?

Ao relatar o caso, a desembargadora Suimei votou pela validade das decisões de primeira instância. O mesmo fez a magistrada Mônica Oliveira. Paulo Rangel, por sua vez, votou pela anulação das decisões do magistrado. Após a investigação ser transferida para a segunda instância, o Órgão Especial do TJ-RJ vai julgar a validade das decisões tomadas até agora no caso como as quebras de sigilos bancários e a prisão de Queiroz.

As decisões ainda podem ser anuladas?

Sim. Caberá ao Órgão Especial do TJ-RJ decidir sobre isso. A advogada de Flávio, Luciana Pires, informou em nota que pretende se movimentar nesse sentido.

Qual é a posição de Flávio sobre o foro especial?

Apesar de entrar com recurso pedindo foro privilegiado, o senador já afirmou em outras ocasiões, anteriores ao julgamento, que é contrário ao benefício. Em uma entrevista à TV Record, em janeiro, ele justificou: "Sou contra o foro, mas não é uma escolha minha. O foro é por prerrogativa de função. Então, querendo ou não querendo, eu tenho que entrar com o remédio legal no órgão competente".

Um vídeo publicado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro em março de 2017, com o título "Quem precisa de foro privilegiado?", mostra o então parlamentar Jair Bolsonaro criticando a prerrogativa. Nas imagens, ele estava ao lado de Flávio, que concordava com as afirmações do pai através de expressões faciais. No contexto da época, Bolsonaro comentava o fato de ser réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por incitação ao estupro, no caso de sua briga com a deputada Maria do Rosário (PT).

SIGILO RECUPERADO - Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) votaram, no dia 23 de fevereiro de 2021, a favor de um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) para anular a quebra de sigilo fiscal e bancário no caso das rachadinhas Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
MOVIMENTAÇÃO ATÍPICA - No fim de 2018, o Coaf apontou “movimentação atípica” de R$ 1,2 milhão, em 2016 e 2017, nas contas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio. Oito assessores do ex-deputado estadual transferiram recursos a Queiroz em datas próximas ao pagamento de servidores da Alerj. Segundo o Coaf, Flávio recebeu 48 depósitos no valor de R$ 2 mil Foto: Arquivo pessoal
DENUNCIADO - O procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, denunciou ao Tribunal de Justiça do Rio o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), seu ex-assessor Fabrício Queiroz e mais 15 pessoas pelos crimes de organização ciminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita no escândalo da rachadinha no antigo gabinete de Flávio na Alerj. A denúncia foi oferecida no dia 19 de outubro Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS
PRISÃO PREVENTIVA - Ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz foi preso na manhã de 18 de junho de 2020, em operação conjunta do Ministério Público do Rio de Janeiro e da Polícia Civil de São Paulo denominada Anjo – apelido de Frederick Wassef, advogado de Flávio e proprietário do imóvel onde Queiroz foi encontrado, em Atibaia, interior de São Paulo Foto: Nelson Almeida / AFP
PRISÃO DOMICILIAR - Com prisão temporária decretada em junho e dada como foragida, antes mesmo de ser encontrada, Márcia Aguiar, a mulher de Fabricio Queiroz foi beneficiada por decisão do pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, no dia 9 de julho, que determinou prisão domiciliar para o casal Foto: Betinho Casas Novas
ANJO - Queiroz foi localizado em imóvel de propriedade de Frederick Wassef (à esquerda), que esteve na posse de Fábio Farias como ministro das Comunicações na véspera da prisã preventiva de Queiroz. A operação do Ministério Público do Rio de Janeiro e Polícia Civil de São Paulo foi batizada de Anjo, apelido do advogado do senador Foto: Jorge William / Agência O Globo
A FILHA - Equipe do MP esteve, em 18 de dezembro de 2019, no condomínio onde morava Evelyn Queiroz, filha do ex-assessor de Flávio Bolsonaro, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
MUDANÇA NO COAF - No dia 8 de janeiro de 2020, presidente Bolsonaro transfere o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Economia para o Banco Central Foto: Jorge William / Agência O Globo
FALTA EM DEPOIMENTO - Após faltar a quatro depoimentos ao MP, alegando problemas de saúde, Queiroz afirmou, em dezembro, que a “movimentação atípica” revelada pelo Coaf teve origem na compra e venda de veículos. Em janeiro, Flávio Bolsonaro também não prestou depoimento, argumentando que iria marcar uma nova data após ter acesso ao caso Foto: Reprodução / SBT
PEDIDO NEGADO - Em janeiro, no recesso do STF, o ministro Luiz Fux suspendeu as investigações temporariamente, a pedido de Flávio. Em fevereiro, Marco Aurélio revogou a decisão e autorizou o MPRJ a continuar com a apuração. Flávio havia pedido a transferência do caso para o STF e a anulação de provas Foto: Jorge William / Agência O Globo
FLÁVIO E 26 - Em entrevista coletiva, o procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, afirmou que Flávio Bolsonaro e os outros 26 deputados estaduais com assessores citados em relatório do Coaf são alvo de investigações na área cível Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil / Fernando Frazão / Agência Brasil
DEVOLVOLUÇÃO DE SALÁRIOS - Em março, Queiroz admitiu, em depoimento, que os valores recebidos por servidores do gabinete eram usados para “multiplicar a base eleitoral” de Flávio. Um ex-funcionário afirmou que repassava quase 60% do salário. O MP não encontrou evidências de que o fluxo bancário de Queiroz teve origem no comércio de carros Foto: Divulgação
QUEBRA DE SIGILO - A pedido do MP, o Tribunal de Justiça do Rio autorizou, em abril, a quebra de sigilo bancário de Flávio e de Queiroz para o período de janeiro de 2007 a dezembro de 2018. A medida se estende a seus respectivos familiares e a outros 88 ex-funcionários do gabinete do ex-deputado estadual, seus familiares e empresas relacionadas a eles Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado / 09-05-2019
DINHEIRO VIVO - Em fevereiro, Queiroz pagou em espécie R$ 64,58 mil por uma cirurgia ao hospital israelita Albert Einstein , em São Paulo. Ele foi internado na unidade em janeiro, quando retirou um câncer no cólon. Desde que recebeu alta, nunca se soube o valor das despesas pagas pelo procedimento Foto: Reprodução
DECISÃO LIMINAR - Em 20 de junho de 2019, a Justiça do Rio decidiu suspender a quebra de sigilo da empresa MCA Participação e Exportações e de um de seus sócios, Marcelo Cattaneo Adorno. Ambos integravam a lista dos 95 alvos da investigação do Caso Queiroz Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo
LIMINAR NEGADA - Em 26 de junho de 2019, o desembargador Antônio Carlos Nascimento Amado, do Tribunal de Justiça do Rio, negou pedido de Flávio para suspender a quebra de sigilo feita a pedido do MP-RJ Foto: Márcio Alves / Agência O Globo
NOVOS ALVOS - Em 28 de junho de 2019, a 27ª Vara Criminal do Rio autorizou a quebra dos sigilos de mais oito pessoas ligadas ao antigo gabinete de Flávio. A decisão ocorreu dois meses após a quebra dos silgilos de outras 86 pessoas e nove empresas ligadas ao antigo gabinete do filho do presidente. Foto: Jorge William / Agência O Globo
INVESTIGAÇÃO SUSPENSA - Em 16 de julho de 2019, o ministro Dias Toffoli, do STF, suspendeu processos judiciais em que dados bancários de investigados tenham sido compartilhados por órgãos de controle sem autorização da Justiça. Trata-se de resposta a um pedido de Flávio que pode beneficiá-lo no Caso Queiroz Foto: Agência Senado
QUEBRA DE SIGILO - Em 30 de setembro, Gilmar Mendes decidiu suspender processos envolvendo a quebra do sigilo de Flávio no caso Queiroz. A decisão de Gilmar atende ao pedido do advogado Frederick Wassef, defensor do filho do presidente. Wassef se reuniu dois dias antes com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada. A determinação do ministro beneficia apenas o senador do PSL. Foto: Fellipe Sampaio /SCO/STF
AVISO SOBRE OPERAÇÃO - Suplente de Flávio Bolsonaro no Senado, Paulo Marinho (PSDB-RJ) afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo que, em 2018, o então deputado Flávio Bolsonaro foi informado de que havia uma operação policial em curso para desvendar o pagamento de propina a deputados na Assembleia Legislativa do Rio. E que num relatório do Coaf, o assessor de Flávio, Fabrício Queiroz, era citado. Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
PRISÃO - Queiroz foi preso na manhã desta quinta, 18, em Atibaia, em São Paulo. De acordo com o Ministério Público de São Paulo, ele estava num imóvel do advogado Fred Wassef e deve ser levado para o Rio de Janeiro ainda nesta quinta. A TV Globo noticiou a prisão e a informação foi confirmada pelo Estadão. Foto: POLÍCIA CIVIL/REPRODUÇÃO VÍDEO/DIVULGAÇÃO
O ministro João Otávio Noronha, presidente do STJ, decidiu conceder prisão domiciliar a Fabrício Queiroz e à mulher dele, Márcia de Aguiar. O ministro considerou que a saída de Fabrício Queiroz da cadeia é justificada pelo estado de saúde dele, que o deixaria mais vulnerável à Covid-19. Segundo a defesa, Queiroz tem câncer e recentemente passou por uma cirurgia na próstata. Foto: Lucas Pricken / STJ
STJ SUSPENDE DENÚNCIA -O ministro João Otávio de Noronha, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), suspendeu o trâmite da denúncia do MPRJ (Ministério Público do Rio) contra o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o ex-assessor Fabrício Queiroz e outros 15 investigados no caso das rachadinhas, termo usado para apropriação de salário de servidores públicos. Foto: Jorge William / Agência O Globo
STF MANTÉM FORO - A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou pedido do Ministério Público (MP) para devolver para um juiz de primeira instância a investigação das "rachadinhas" envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. Com isso, fica mantida a decisão do Tribunal de Justiça (TJ) estadual que deu foro privilegiado a Flávio. Foto: Reprodução

"Eu não quero essa porcaria de foro privilegiado", disse Jair Bolsonaro, completando: "Eu sou réu no Supremo, mas tenho que ficar ligado agora porque, na iminência de votar isso aí, eu vou ter que renunciar ao meu mandato para poder disputar as eleições ano que vem. Porque eu renunciando, meu processo vai para a primeira instância e aí não dá tempo de eu ser condenado em primeira e segunda instância até por ocasião das eleições. Aí eu posso disputar as eleições ano que vem”.

O Ministério Público pode recorrer da decisão?

Sim. Os promotores que estavam à frente da investigação e agora foram afastados do caso avaliam se vão recorrer, com argumento de que a decisão descumpre decisão do STF de 2018. Desde então, a Corte enviou para a primeira instância ações penais de parlamentares investigados por irregularidades na época que eram deputadores estaduais, em situações análogas à de Flávio.

O ministro Marco Aurélio Mello criticou a decisão do TJ do Rio , afirmando que está em desacordo com o que foi definido pelo STF há dois anos a respeito das regras do foro privilegiado:

— Não há menor dúvida de que a decisão do Tribunal de Justiça é totalmente diversa da decisão de pronunciamentos reiterados do Supremo — disse.

Para advogados e juristas ouvidos pelo GLOBO, a decisão pode ter descumprido o parecer dado pelo STF.