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Política Brasília

Ex-missionário diz que aceitou convite da Funai, mas nega que irá 'evangelizar' índios

Nomeação de Ricardo Lopes Dias para coordenação-geral de índios isolados ainda não foi oficializada

Índio empunha arco e flecha durante sobrevoo de aeronave sobre a tribo isolada no Acre
Foto:
Ricardo Stuckert
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Agência O Globo
Índio empunha arco e flecha durante sobrevoo de aeronave sobre a tribo isolada no Acre Foto: Ricardo Stuckert / Agência O Globo

BRASÍLIA — O ex-missionário evangélico e antropólogo Ricardo Lopes Dias , convidado para ocupar a coordenação-geral de índios isolados da Fundação Nacional do Índio ( Funai ), diz que, caso seja nomeado para o cargo, não vai promover a evangelização de indígenas.

— Minha atuação vai ser técnica. Não vou promover a evangelização de índios — afirmou Dias ao GLOBO.

Em entrevista, Ricardo Lopes Dias confirmou que recebeu um convite do presidente da Funai, Marcelo Xavie r, para ocupar o cargo, e que já aceitou o chamado. Sua nomeação, no entanto, ainda não aconteceu.

Leia : Entidades criticam Funai por abrir brecha a indicação política na proteção de índios isolados

Na manhã desta sexta-feira, O GLOBO divulgou que Ricardo Lopes Dias era o mais cotado para assumir o posto. A coordenação-geral de índios isolados e de recente contato é um dos postos mais importantes na hierarquia da Funai. Ele é responsável pelo gerenciamento das 11 frentes de proteção etnoambienal e de 19 bases espalhadas pela Amazônia onde há registros sobre a presença de índios isolados ou que foram contatados recentemente.

Questionado sobre se iria mudar a política de não-contato adotada pelo governo brasileiro desde o final dos anos 1980, Ricardo Lopes Dias tentou dar uma resposta concreta.

— Ainda é cedo para eu falar sobre isso. Na realidade, eu serei apenas um coordenador e terei que implementar a política da direção do órgão. O que eu posso dizer é que não vou mudar o que vem dando certo. É claro que, se houver coisas que a gente deva mudar, vamos mudar — disse o ex-missionário.

Ricardo Lopes Dias admitiu que a repercussão em torno do convite feito a ele o deixou preocupado e que ele lamenta que o fato de ele ser evangélico (ele já atuou como pastor) esteja chamando tanto a atenção da opinião pública:

— Acho que está havendo até uma discriminação pelo fato de eu ser evangélico. Eu sou antropólogo, tenho mestrado e acabei de concluir um doutorado. Tenho conhecimento técnico sobre a situação dos índios no Brasil.

Novas regras sob medida

A possível chegada de Ricardo Lopes Dias ao posto só será possível porque, nesta semana, o presidente da Funai alterou o regimento interno da entidade e mudou os critérios exigidos à ocupação do cargo. Com a alteração, o posto, que só poderia ser ocupado por servidores públicos efetivos passou a poder ser exercido por pessoas de fora do serviço público, que é exatamente o caso de Ricardo Lopes Dias.

A ida de um ex-missionário evangélico ao cargo responsável pela política direcionada aos índios isolados causou polêmica entre lideranças indígenas e organizações que atuam na defesa dos direitos dos índios. Isso ocorreu porque Ricardo Lopes Dias foi ligado durante quase 10 anos à Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), uma entidade que atua no Brasil desde a década de 1950 e que ficou conhecida por promover a evangelização de indígenas e por fazer contato com índios até então isolados.

No fim dos anos 1990, a entidade foi retirada de uma área no interior do Pará onde ela atuava junto a índios da etnia Zoé. Havia a suspeita de que missionários da entidade teriam sido responsáveis pela propagação de doenças que mataram indígenas até então recém-contatados. Uma investigação foi aberta, mas o caso acabou arquivado.

— A gente teme que a chegada de um missionário evangélico possa mudar a política de respeito às crenças dos isolados, que precisam ter a sua tradição respeitada. Os índios já sofreram demais com missionários que condenavam as religiões indígenas e tentaram nos converter — afirma Paulo Tupiniquim, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).