BRASÍLIA - Sentada em um banco de plástico na praça da feira popular de Ceilândia, cidade-satélite de Brasília, Maria das Dores Cunha, de 54 anos, observava o movimento minguado das ruas. Passou a tarde à espera de interessados em seus produtos. Após romper nesta quarta-feira o isolamento de uma semana em casa, ela tornou a empurrar o seu carrinho para vender balas. Com quatro filhos, Maria das Dores diz que a dispensa está vazia e precisa levar comida para a família. O benefício de R$ 600, prometido pelo governo, ainda não chegou para amenizar sua situação. O ponto de venda fica no mesmo local em que o presidente Jair Bolsonaro, há três dias, esteve para conversar com trabalhadores e pregar o fim do distanciamento social.
- Só vi pela televisão que poderiam pagar R$ 600, mas seria muito bom para a gente se dessem logo. Vim hoje para cá, porque não tem mais nada em casa. Acabou. Se conseguir juntar alguma coisa, não volto amanhã, porque assim não me arriscaria - diz a ambulante.
O GLOBO percorreu as ruas do comércio de Taguatinga e Ceilândia, mesmo caminho do tour de Bolsonaro no domingo. A maior parte das lojas permanece fechada. Continuam a funcionar apenas supermercados, oficinas, mercearias e algumas padarias. Os ambulantes, em menor número do que antes da crise, também ocupam parte das calçadas para garantir o pão do dia seguinte.
Segundo a Secretaria de Saúde do Distrito Federal, dos 370 casos de Covid-19 registrados até esta quarta-feira, sete são de Taguatinga e três de Ceilândia.
A 20 metros de Maria das Dores, Luiz Fernando dos Reis Santos, de 32 anos, vendia produtos parecidos, também em um carrinho. Ele é filho de Edvaldo Almeida, de 52 anos, que vende churrasquinho no mesmo local e chegou a conversar com Bolsonaro no domingo. Na ocasião, Edvaldo falou ao presidente que tentaria se preservar para não contrair o coronavírus, mas garantindo o sustento da família com saídas para trabalhar ao menos uma vez na semana.
Na tarde desta quarta-feira, Edvaldo não dava expediente. Luiz Fernando disse que, desde que Bolsonaro apareceu por lá, a fiscalização "apertou" e ficou mais difícil para seu pai trabalhar.
- Se for para correr (para fugir da fiscalização), dá mais trabalho para ele, porque tem churrasqueira e coisas mais pesadas - diz Luiz Fernando.
O ambulante afirma que os R$ 600 ajudariam bastante, mas mesmo assim não será suficiente. Ele faz as contas:
- A gente que trabalha aqui não tem salário fixo nem nada. Saiu hoje no jornal que o dinheiro ia ser liberado depois do dia 10, mas ninguém sabe. Falaram que primeiro ia ser só pra quem recebe o Bolsa Família. Eu e meu pai, lá em casa, pagamos R$ 900 de aluguel. Tem ainda cento e pouco de água e cento e pouco de luz. Só aí vai pra R$ 1.200. Ainda tem a feira. Aí vai a R$ 1.500. E a gente está aqui se arriscando, trabalhando. Ainda estamos esperando sair esse dinheiro, acho que a partir do dia 5 já deveriam começar a pagar - diz.
Embora haja insatisfação pela demora em se liberar a ajuda prometida, a simpatia a Bolsonaro é perceptível no local. Enquanto O GLOBO conversava com Luiz Fernando, o seu colega José Carlos, que vendia panos, repetia insistentemente que é preciso trabalhar. Bolsonaro, para ele, era tratado de forma "injusta" pela imprensa. Para justificar o seu ponto de vista, dizia que o coronavírus era "um marketing", fruto de "um plano da China". Mas que, no Brasil, não haveria nada demais, porque "o povo tem fé".
Em um açougue de Taguatinga visitado por Bolsonaro, o gerente Wellington Silva, de 36 anos, disse que suas vendas caíram de 50% a 60% desde o início da crise. As carnes vendidas abasteciam principalmente os restaurantes da região. Agora, é a dona de casa o maior cliente. Na entrada do estabelecimento, uma funcionária organiza a quantidade de pessoas que entram e orienta os clientes a ficarem afastados na fila de pagamento. Um cuidado necessário diante da pandemia.
- Não tivemos demissão de funcionários, mas reduzimos as horas de trabalho. Com a visita do presidente, já apareceram pessoas para tirar foto onde ele esteve. Teve até uma pessoa que me perguntou se ele havia espirrado aqui dentro - diz o gerente, com bom humor.
Em frente à loja, perambula pela rua Márcio Conceição Assunção, de 46 anos, que vende paletas para para-brisa de carros no sinal. Ele disse que seus produtos estão encalhados. Diminuíram o fluxo de veículos e pessoas dispostas a pagar pelo produto. Ele também espera os R$ 600.
- Olha aí minhas paletas, está tudo aí. Não vendi nada. Como vai ser esse negócio dos R$ 600?
Segundo o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, os pagamentos serão feitos só a partir do dia 16, e assim mesmo de forma gradativa. Os informais sem cadastro no Bolsa Família serão os últimos a receber.