Política
PUBLICIDADE

Por Nicolas Iory — São Paulo

O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro promoveu uma aproximação do Brasil com a monarquia da Arábia Saudita, o que impulsionou as trocas comerciais com o país do Oriente Médio nos últimos anos e trouxe a promessa de investimentos que até hoje não saíram do papel. A família real saudita deu à comitiva brasileira duas caixas com joias em 2021: uma delas ficou com Bolsonaro, enquanto a outra, com peças avaliadas em R$ 16,5 milhões e que seriam destinadas a Michelle Bolsonaro, foi apreendida pela Receita Federal. O tratamento dado aos presentes está sob investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal.

Bolsonaro visitou Riade, a capital da Arábia Saudita, em outubro de 2019. Na ocasião, foi recebido pelo rei Salman Bin Abdulaziz Al Saud e pelo príncipe regente, Mohammed bin Salman. Os dois países assinaram um acordo para que o Fundo de Investimento Público saudita aplicasse até US$ 10 bilhões em projetos no Brasil. “O governo brasileiro trabalha em conjunto com o fundo na facilitação de iniciativas, continuando a simplificação da legislação e outras ações favoráveis ao crescimento”, declarou Bolsonaro à época.

Passados mais de quatro anos do encontro, até hoje nenhum aporte foi feito. Em 2020, a então secretária especial do Programa de Parcerias de Investimentos, Martha Seillier, apresentou a carteira de projetos do PPI para representantes do fundo saudita, mas ficou só com a promessa de que tudo seria analisado.

Bolsonaro criou, dois meses depois da viagem, um comitê interministerial para a “promoção de comércio e investimentos” entre Brasil e Arábia Saudita. Já no ano passado, a Câmara de Comércio Exterior — órgão ligado ao Ministério da Economia de Paulo Guedes — aprovou a negociação de um acordo de cooperação para facilitar investimentos sauditas.

Os seguidos gestos do governo estimularam o setor empresarial a ampliar os negócios com o país do Oriente Médio, conforme explica o consultor de comércio exterior Michel Alaby, ex-diretor da Câmara de Comércio Árabe Brasileira. As importações da Arábia Saudita bateram recorde em 2022, chegando a R$ 5,3 bilhões, enquanto as exportações no ano passado atingiram o maior volume em dez anos (R$ 2,9 bilhões). O Brasil era a 40ª nação que mais comprava dos sauditas no fim de 2018, antes de Bolsonaro assumir a Presidência. Hoje, é o 27° maior parceiro do reino.

— Normalmente, essas relações de negócio são pautadas pelo relacionamento entre os governos e depois a iniciativa privada aproveita a deixa. A Arábia Saudita depende muito do Brasil para sua segurança alimentar, importa muita carne de frango, soja, milho e açúcar — diz Alaby.

Petróleo saudita alavanca importações

A compra de fertilizantes sauditas foi uma das operações que mais tiveram alta no período de governo Bolsonaro: o valor movimentado nessas compras quase triplicou desde 2018, passando de US$ 321 milhões para US$ 867 milhões no ano passado.

O produto que o Brasil mais compra dos sauditas, porém, é o petróleo. No ano passado, foram US$ 3,2 bilhões gastos com o produto saudita, o equivalente a 60% do total desembolsado em compras do país. Os sauditas são o maior exportador de petróleo do mundo e quem mais vende para o Brasil: 32% dos barris que o país importou em 2022 vieram do reino.

Infográfico mostra evolução das trocas comerciais entre Brasil e Arábia Saudita — Foto: Editoria de Arte
Infográfico mostra evolução das trocas comerciais entre Brasil e Arábia Saudita — Foto: Editoria de Arte
Leia principais produtos exportados para Arábia Saudita e quais o brasil mais compra do país — Foto: Editoria de Arte
Leia principais produtos exportados para Arábia Saudita e quais o brasil mais compra do país — Foto: Editoria de Arte

Na viagem em que recebeu as joias oferecidas pela família bin Salman, o então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, teve encontro com representantes da Saudi Aramco, maior petrolífera do mundo.

O economista Adriano Pires, diretor fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), explica que o Brasil importa petróleo saudita para misturá-lo ao extraído em território nacional em suas refinarias.

— Boa parte do que se extrai no Brasil é um petróleo pesado. A Arábia Saudita tem um petróleo leve de alta qualidade, um dos melhores do mundo, então a gente precisa do produto com essas especificações para fazer gasolina e diesel em maior quantidade. O da Venezuela, por exemplo, é muito pesado, então não resolveria nosso problema — diz Pires, que vê na guerra da Rússia com a Ucrânia um fator que pode ter impulsionado ainda mais as exportações da Arábia Saudita no último ano.

Na semana passada, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) pediu para o Ministério Público Federal apurar se há relação entre as joias dadas a Bolsonaro pela Arábia Saudita e a concessão de uma refinaria da Bahia, em 2021, para uma empresa controlada por um fundo dos Emirados Árabes Unidos. Os especialistas ouvidos pelo GLOBO rechaçam essa possibilidade e destacam que, apesar de ambos estarem no Oriente Médio, trata-se de países distintos e com governos independentes.

Além de ter firmado o acordo para receber investimentos que não vieram, Bolsonaro também assinou em 2019 uma carta de concórdia com o governo saudita para facilitar viagens de turistas das duas nações sem a exigência de visto. No Brasil, a Câmara dos Deputados ainda não aprovou a medida. Também no país árabe, nada mudou: brasileiros precisam de visto para viajar e o turismo só é liberado para grupos aprovados pelo reino e que seguem um roteiro pré-definido.

O consultor Michel Alaby diz não ver risco de retrocessos na relação com a Arábia Saudita sob o governo Lula 3. Apesar disso, ele afirma que mudanças de gestões historicamente têm sido um entrave para o aprofundamento de parcerias no Oriente Médio:

— O aporte do fundo de investimento saudita foi anunciado e nada aconteceu. É difícil para outros países fazerem negócios com o Brasil porque aqui não há continuidade nos projetos quando muda de um governo para outro.

Webstories
Mais recente Próxima 'Teremos um trabalho duro para aprovar esse texto', diz Arthur Lira sobre PL da Fake News

Inscreva-se na Newsletter: Jogo Político

Mais do Globo

Tyreek Hill foi imobilizado de bruços perto de estádio e liberado a tempo de partida do Miami Dolphins contra o Jacksonville Jaguars

Policial que algemou astro da NFL a caminho de jogo é afastado

Como acontece desde 1988, haverá uma demonstração aberta ao público no Centro de Instrução de Formosa, em Goiás

Tropas dos EUA e da China participam de treinamento simultaneamente dos Fuzileiros Navais no Brasil

Auxiliares do presidente veem influência excessiva de integrantes da legenda do deputado em eventos de campanha

Entorno de Lula vê campanha de Boulos muito 'PSOLista' e avalia necessidade de mudanças

Cantor criticou autoridades responsáveis pela Operação Integration; Fantástico, da TV Globo, revelou detalhes inéditos do caso que culminou na prisão da influenciadora Deolane Bezerra

Com R$ 20 milhões bloqueados, Gusttavo Lima diz que suspeita de elo com esquema de bets é 'loucura' e cita 'abuso de poder': 'Sou honesto'

Investigação começou após a encomenda com destino a Alemanha ser retida pelos Correio; ele criava aranhas em sua própria casa para venda

Homem que tentou enviar 73 aranhas para a Alemanha por correio é alvo da Polícia Federal em Campinas

Um dos envolvidos já havia sido preso e confessou ter entrado em uma briga com as vítimas

Chacina da sinuca: o que se sabe sobre briga após campeonato em Sergipe que terminou com seis mortos, um preso e dois foragidos