Eduardo Paes lembra do espanto que sentiu ao ver milhares de pessoas o xingando nas manifestações de junho de 2013. Apesar de estar surfando o auge da popularidade no início de seu segundo mandato na prefeitura do Rio, ele diz que logo enxergou naqueles protestos um ponto de não retorno para a imagem que a população tinha do mundo político. A avaliação positiva em relação a ele— e seus pares — nunca mais seria a mesma.
Em entrevista ao GLOBO para a série de reportagens sobre os reflexos das históricas manifestações que completam uma década neste mês, Paes critica a falta de liderança da então presidente Dilma Rousseff durante as mobilizações e avalia que o discurso antipolítica dos protestos guiou a extrema direita ao poder.
Apesar das pautas difusas, as Jornadas de Junho tinham como alvo claro toda a classe política. Acredita que a imagem dos políticos foi arranhada de forma irreversível?
Todo o mundo político saiu desgastado. Aquilo mudou completamente os parâmetros de avaliação da imagem de todos nós. Caiu naquela época e nunca mais subiu. Em 2013, mesmo quem não estivesse muito bem tinha 60%, 70% de aprovação. Hoje ninguém chega nem a 50%. Uma crise da democracia representativa começou a se instalar ali.
Quando percebeu que aquelas manifestações eram algo inédito no país?
Lembro do dia em que eu estava no meu gabinete do Centro Administrativo e vi que tinham 500 mil pessoas na Avenida Presidente Vargas xingando a senhora minha mãe. Eu pensei, não posso dizer que eu estou certo e todas essas pessoas estão erradas.
E que estratégia adotou para lidar com os atos?
Comecei a levar grupos na Gávea Pequena, fazia um churrasquinho com cerveja para bater papo, me aproximar das pessoas. Passei a tentar criar um canal de comunicação com todo mundo, já que não tinha liderança clara. Recebi artistas, a turma do PSOL, a Mídia Ninja e até interlocutores dos black blocs. Já a classe média mais de direita, conservadora, era mais difícil, pois ela não estava organizada como tradicionalmente a esquerda está.
Como reação aos atos, o senhor cancelou o aumento de 20 centavos nas passagens, apesar de reclamar do impacto para os cofres públicos. Olhando para trás, foi uma decisão acertada?
Não tinha outra alternativa. No fim de 2012, o Guido Mantega (ministro da Fazenda) perguntou para mim e para (Fernando) Haddad (então prefeito de São Paulo) se não tinha como a gente fazer o aumento da tarifa no meio do ano para não bater na inflação de janeiro. Quando fizemos o aumento juntos em maio, veio o estopim das manifestações. Aí um belo dia, com a coisa bastante aquecida, eu acordo e vejo a Gleisi (Hoffmann, na época ministra da Casa Civil) dizer que o governo federal já tinha feito o que podia fazer, tinha baixado PIS e Cofins, desonerado a folha de pagamentos, e que agora era com governadores e prefeitos. Liguei para o Haddad e disse: “estamos ferrados”. Quando veio essa falta de solidariedade do Planalto piorou tudo.
Então acha que a reação de Dilma foi ruim?
Faltou liderança política nacional. Me lembro dela dizendo em pronunciamento em cadeia nacional que o governo federal não estava fazendo estádio para a Copa do Mundo, que estava apenas financiando e os governadores iriam pagar. Achei uma indignidade. É uma forma de dizer que não tinha nada a ver com aquilo. Havia uma incapacidade de dialogar com as pessoas, liderar, coisa que o Lula faria.
E em relação à sua postura, faz alguma autocrítica?
Claro, eu tinha acabado de ser reeleito com 64% e devia estar achando que tinha razão sobre tudo. Passei a ser um político mais atento aos que me criticam e busco uma interação maior com o eleitor. As redes sociais facilitaram isso.
Na época, o governador do Rio e seu aliado político, Sérgio Cabral, acabou mais chamuscado. Por quê?
Tem que perguntar para ele.
Muito se fala sobre a incapacidade da classe política ler os sinais das ruas em 2013…
Criou-se um diagnóstico equivocado na época de que aquilo tudo era sobre a qualidade dos serviços públicos. Sempre achei que não tinha nada a ver com isso. Não tinha pobre na rua. Tinha uma classe média que nem ônibus usava. Tinha muita coisa contra corrupção, contra a política.
Então o senhor corrobora a tese de que os atos foram apropriados por discursos que demonizaram a política?
Corrupção é um super mal do Brasil. Tendo a concordar com as pessoas. Mas acho que a generalização é ruim. As pautas de 2013 não eram uma coisa objetiva nem na cabeça das pessoas que estavam lá.
Há uma visão de que esse discurso antipolítica aglutinou uma extrema direita que cresceu a partir dali. Concorda?
Era essa direita que estava nas ruas, que não acredita na política. Aí as pessoas acabaram buscando solução onde não tinha nada para resolver o problema delas. No Rio, temos a experiência mais traumática dessa antipolítica. Fomos governados por um bispo como prefeito (Marcelo Crivella), um ex-juiz como governador (Wilson Witzel) e um capitão na Presidência (Jair Bolsonaro). É a falência total da representação política.
Então o balanço que faz das consequências de 2013 para o país é negativo?
O resultado dessa contestação generalizada da política não fez bem ao Brasil. O que saiu dali não melhorou, nem qualificou a política.
Vimos nas últimas duas eleições o retorno de velhos conhecidos, como o senhor e Lula. Há um esgotamento daquele sentimento antissistema?
Acho que há um refluxo. A gente está vivendo uma nova forma de democracia direta com as redes sociais. O desafio maior é que as pessoas querem palpitar sobre tudo. O modelo de democracia representativa, que a gente elege alguém e dá um cheque em branco para quatro anos, se inviabilizou.
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