No depoimento de sete horas à Polícia Federal (PF), o ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) foi questionado sobre um informante, que tinha cargo no governo do Rio, recrutado para passar informações sobre o então governador Wilson Witzel, adversário político do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A PF descobriu o caso após ter acesso a um e-mail de Ramagem. Entre os arquivos salvos, constava um documento registrado como "Análise Primeiro Contato.docx" — que fazia um relato de uma "entrevista" com um informante, à época assessor do gabinete do então vice-governador do Rio Claudio Castro.
Segundo a PF, o colaborador informal era "uma fonte humana que foi recrutada para obtenção de vantagens políticas em troca de cargo público no governo federal”.
Os investigadores apontam indícios de que a motivação do informante era contribuir com informações sobre o então governador Witzel e bastidores da investigação no Ministério Público do Rio de Janeiro envolvendo Flávio Bolsonaro em troca de um cargo na gestão federal, o que foi concretizado com a nomeação do colaborador no gabinete da Presidência da República no Rio de Janeiro.
Segundo arquivo encontrado no e-mail de Ramagem, a “motivação do colaboração” era “conseguir um cargo junto ao grupo político vinculado ao Presidente da República (durante a entrevista, deixou isso claro várias vezes, insinuando que poderia conseguir mais informações se estivesse com um cargo assegurado)”.
O informante ainda teria relatado que Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, “iria assinar um acordo de delação envolvendo o nome do presidente Bolsonaro e seus familiares”, mas que “não apresentou nenhuma materialidade”
Ao ser questionado pela PF se era comum na Abin o pagamento de fontes humanas por meio de cargos públicos federais, Ramagem respondeu que não tinha conhecimento e que não atuava no recrutamento de informantes na agência.
O depoimento de Ramagem faz parte de uma investigação que apura um suposto esquema de espionagem ilegal durante o governo Bolsonaro. O caso foi revelado pelo GLOBO em março do ano passado.
Como funcionava a espionagem
O programa FirstMile, comprado pela Abin para monitorar a localização de alvos pré-determinados se baseia em dois sistemas que fazem parte da arquitetura da rede de telecomunicações do país.
Conforme O GLOBO revelou em março do ano passado, os dados são coletados por meio da troca de informações entre os celulares e antenas para conseguir identificar o último local conhecido da pessoa que porta o aparelho. O sistema foi utilizado durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), quando o diretor da agência era Alexandre Ramagem, que atualmente é deputado federal (PL-RJ).
De acordo com especialistas, as designações técnicas apontam que o sistema usa, de alguma forma, a rede comum de celulares de operadoras de telefonia. A descoberta dessa vulnerabilidade ficou famosa a partir de 2014, quando dois especialistas alemães estudaram como outro programa parecido da mesma empresa que fornece o FirstMile conseguia esses dados, chamado de SkyLock.
O Sistema de Sinalização por Canal Comum remonta à década de 1970 e é o que permite a conexão entre dois celulares: em outras palavras, para completar uma ligação entre duas pessoas, a rede de telefonia precisa saber a qual antena cada celular está conectado.
A vulnerabilidade do sistema, entretanto, é que esse pedido interno na rede de celular não costuma ser bloqueado por operadoras. Ou seja, uma operadora japonesa consegue localizar um celular no Brasil quando precisa completar uma ligação. Internamente, o retorno dessa busca indica a localização do celular. Atualmente, o acesso ao sistema interno é fácil e pode ser adquirido de empresas de telecomunicação por centenas de euros.
Esse tipo de ferramenta já é conhecido no mundo da espionagem e contra-espionagem mundial, ou até para usos da segurança pública, em divisões de anti-sequestro ou presídios.
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