Política
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Em depoimento à Polícia Federal, o ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem reconheceu que havia desconfiança do “uso irregular” do programa espião First Mile para “fins privados” e que não havia controle devido da ferramenta. O sistema, revelado pelo GLOBO em março do ano passado, tinha a capacidade de rastrear a localização de aparelhos telefônicos por meio da conexão de dados — e foi utilizado durante o governo de Jair Bolsonaro para mapear os passos de adversários políticos. Segundo Ramagem, a ferramenta foi operada por integrantes da Abin sem o seu conhecimento.

Ao ser questionado sobre o First Mile, Ramagem disse que “havia notícia de uso irregular” e de “uso privado da ferramenta”. O ex-chefe da Abin disse ainda que “recebeu a notícia que seu próprio número foi colocado” no sistema espião. Investigadores, porém, desconfiam que Ramagem tinha conhecimento de algumas consultas indevidas feitas no programa de monitoramento de celulares, pois foram encontradas mensagens que apontam indícios de que ele recebia informes sobre as operações clandestinas realizadas pelo órgão de inteligência.

A lista de alvos monitorados pela Abin por meio do First Mile inclui políticos, assessores parlamentares, ambientalistas, jornalistas e acadêmicos, conforme revelou O GLOBO em fevereiro deste ano. Ao ser confrontado com essa relação, Ramagem disse à PF que “não se recorda da referida diligência e que não determinou qualquer uso da ferramenta”. Em relação à espionagem de caminhoneiros, o ex-chefe da Abin admitiu o uso do sistema e justificou a operação afirmando se tratar de “risco às instituições” devido ao risco de greves.

Depoimento Ramagem à PF — Foto: Reprodução
Depoimento Ramagem à PF — Foto: Reprodução

Vigilância de políticos

Ao longo do depoimento, a PF questionou Ramagem sobre o monitoramento de um jantar entre o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e a então deputada Joice Hasselmann, além do advogado Antônio Rueda, atual presidente do União Brasil.

De acordo com mensagens de celular obtidas pela PF, Ramagem recebeu um pedido de um assessor do então presidente Jair Bolsonaro para checar a placa de um veículo que estava estacionado no local do jantar com Maia e Joice, que, à época, eram considerados adversários políticos do governo.

Ramagem disse à PF que a vigilância não tinha como foco Maia e Joice, mas sim um veículo pertencente à União. O ex-chefe da Abin afirmou ainda que quando se verificou que o automóvel era utilizado por Anderson Torres, então secretário de segurança do Distrito Federal e que posteriormente se tornou ministro da Justiça de Bolsonaro, a operação foi suspensa.

Depoimento Ramagem à PF — Foto: Reprodução
Depoimento Ramagem à PF — Foto: Reprodução

Ajuda para Flávio Bolsonaro

Ramagem também apresentou à PF a sua versão sobre uma reunião no Palácio do Planalto em agosto de 2020 que contou com a presença de Bolsonaro, o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e duas advogadas do senador Flávio Bolsonaro. O encontro foi gravado, de forma clandestina, pelo ex-chefe da Abin, que queria ter uma prova de eventuais propostas indecorosas. O áudio, descoberto pelos investigadores, foi divulgado após determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Na gravação, as advogadas atacam integrantes da Receita Federal que teriam atuado num relatório que culminou com a investigação do chamado escândalo da rachadinha de Flávio Bolsonaro, quando era deputado estadual no Rio de Janeiro. Durante o encontro, é discutida uma estratégia para para blindar o senador e filho mais velho do presidente. Entre as sugestões dadas, estavam falar com o chefe do Fisco e fazer uma ação "de dentro" do órgão fiscal para apurar a conduta de servidores.

Ao falar sobre o caso, Ramagem enfatizou novamente que “foi acordado com o então presidente da República de gravar a reunião para funcionar como prova, se houvesse alguma proposta ilícita”. O ex-chefe da Abin negou que deu orientações para a defesa de Flávio Bolsonaro, disse que “apenas opinou sobre o caminho regular para uma apuração na administração pública” e afirmou que não sabe se houve algum contato com o comandante do Fisco à época.

Seguindo os passos de Jair Renan

A PF também questionou Ramagem sobre uma operação de vigilância da Abin para supostamente favorecer Jair Renan Bolsonaro, outro filho do ex-presidente. À época, o jovem estudante era alvo de um inquérito que apurava suspeita de tráfico de influência, pois ele havia intermediado um encontro de empresários com integrantes do governo. Em troca, ele teria ganhado um automóvel elétrico, que foi posteriormente devolvido. Essa investigação foi arquivada um ano depois.

Depoimento de Alexandre Ramagem à PF  — Foto: Reprodução
Depoimento de Alexandre Ramagem à PF — Foto: Reprodução

Para levantar informações sobre o caso, um agente da Polícia Federal cedido para a Abin e que atuava sob o comando do gabinete de Ramagem na agência seguiu os passos de um ex-parceiro comercial de Renan Bolsonaro, que também estava sendo investigado por suposto tráfico de influência. A espionagem veio à tona porque o araponga foi flagrado dentro pela Polícia Civil invadindo um edifício particular.

Ramagem disse à PF que “não se recorda quem determinou a referida diligência” e que não foi determinado para o agente que entrasse no edifício e “sim que fizesse apenas uma vigilância”. Segundo o ex-chefe da Abin, a operação foi feita para saber se Jair Renan ou seu ex-parceiro comercial “estavam de posse do veículo” e que essa informação foi relatada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Como funcionava a espionagem

O programa FirstMile, comprado pela Abin para monitorar a localização de alvos pré-determinados se baseia em dois sistemas que fazem parte da arquitetura da rede de telecomunicações do país.

Conforme O GLOBO revelou em março do ano passado, os dados são coletados por meio da troca de informações entre os celulares e antenas para conseguir identificar o último local conhecido da pessoa que porta o aparelho. O sistema foi utilizado durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), quando o diretor da agência era Alexandre Ramagem, que atualmente é deputado federal (PL-RJ).

Abin - passos vigiados — Foto: Editoria de Arte
Abin - passos vigiados — Foto: Editoria de Arte

De acordo com especialistas, as designações técnicas apontam que o sistema usa, de alguma forma, a rede comum de celulares de operadoras de telefonia. A descoberta dessa vulnerabilidade ficou famosa a partir de 2014, quando dois especialistas alemães estudaram como outro programa parecido da mesma empresa que fornece o FirstMile conseguia esses dados, chamado de SkyLock.

O Sistema de Sinalização por Canal Comum remonta à década de 1970 e é o que permite a conexão entre dois celulares: em outras palavras, para completar uma ligação entre duas pessoas, a rede de telefonia precisa saber a qual antena cada celular está conectado.

A vulnerabilidade do sistema, entretanto, é que esse pedido interno na rede de celular não costuma ser bloqueado por operadoras. Ou seja, uma operadora japonesa consegue localizar um celular no Brasil quando precisa completar uma ligação. Internamente, o retorno dessa busca indica a localização do celular. Atualmente, o acesso ao sistema interno é fácil e pode ser adquirido de empresas de telecomunicação por centenas de euros.

Esse tipo de ferramenta já é conhecido no mundo da espionagem e contra-espionagem mundial, ou até para usos da segurança pública, em divisões de anti-sequestro ou presídios.

Mais recente Próxima PF acha arquivos em e-mail de Ramagem com orientações para Bolsonaro atacar as urnas e relatos sobre ministros do STF

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