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Pazuello volta atrás e mantém serviço do SUS de apoio a presos com transtornos mentais

Ministro interino da Saúde, general havia revogado a iniciativa em 18 de maio, Dia Nacional da Luta Antimanicomial, mas recua após reação do CNJ e da PGR
O ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello Foto: Alan Santos/PR / Agência O Globo
O ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello Foto: Alan Santos/PR / Agência O Globo

BRASÍLIA - O ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, voltou atrás e revogou sua decisão de extinguir o serviço do Sistema Único de Saúde (SUS) que acompanha presos com transtornos mentais, boa parte deles detida ilegalmente em presídios e hospitais de custódia. Em portaria publicada nesta quarta-feira no Diário Oficial da União, Pazuello anulou o ato de sua autoria que acabava com a iniciativa existente no SUS desde janeiro de 2014. Ele levou em conta, como consta na portaria, a "pertinência da manutenção de ações para populações vulneráveis" e uma recomendação do Conselho Nacional dos Direitos Humanos.

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O serviço do SUS financia equipes médicas – formadas por psiquiatra, psicólogo, enfermeiro, assistente social e terapeuta ocupacional – para acompanhar detentos em cumprimento de medidas de segurança ou à espera de um exame que ateste a existência de transtornos mentais. A revogação pelo general Pazuello foi revelada pelo GLOBO em 2 de junho.

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Desde então, houve uma intenção reação ao ato do ministro interino, assinado em 18 de maio, que é exatamente o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. O movimento propõe uma reforma psiquiátrica que leve a um esvaziamento de manicômios, evitando, por exemplo, detenções ilegais de pessoas com transtornos mentais. O foco está na desinternação, com o fortalecimento de estruturas como as residências terapêuticas.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirmou, em nota após a publicação da reportagem , que a extinção do serviço fragilizava a política de saúde mental na Justiça; impactava a atuação do Judiciário, das administrações penitenciárias e dos órgãos de segurança pública; e deveria ter sido discutida com a sociedade. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), colegiado vinculado à Procuradoria-Geral da República (PGR) , instaurou um procedimento para investigar o ato do general.

Além disso, houve reação contrária do Conselho Nacional dos Direitos Humanos; do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT); Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege); 18 Defensorias Públicas nos estados; Defensoria Pública da União (DPU); Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs); e de mais de 100 entidades, associações e organizações com alguma atuação na área.

Revogação de portaria

Uma nota técnica capitaneada pelo Condege apontou que, no ano em que o serviço do SUS foi criado, com o financiamento a equipes de avaliação (a sigla é EAP), havia 4,5 mil pessoas com transtornos mentais em conflito com a lei, seja em hospitais de custódia, em alas psiquiátricas de presídios ou em celas comuns. Naquele momento, conforme a nota, o universo de presos era de 700 mil. Cinco anos depois, a quantidade de presos com transtornos caiu para 4,1 mil, ante um aumento da população prisional para 748 mil detentos

No Maranhão, a EAP garantiu a desinternação de 80 pessoas. No Pará, houve uma desinternação "responsável" de 130 detentos com transtornos. No Piauí, o serviço contribuiu para o fechamento do hospital de custódia em Teresina, onde presos eram mantidos por décadas, sem acompanhamento psiquiátrico, sem laudos médicos e até mesmo sem condenação ou absolvição sumária pela Justiça.

Numa canetada, Pazuello havia extinto o chamado Serviço de Avaliação e Acompanhamento de Medidas Terapêuticas Aplicáveis à Pessoa com Transtorno Mental em Conflito com a Lei. Para acabar com o programa, Pazuello alterou uma portaria vigente, com exclusão de trechos, e revogou a portaria de janeiro de 2014, que havia instituído o acompanhamento de presos com transtornos mentais por meio das EAPs. Cada equipe tem um custo mensal ao SUS de R$ 66 mil. Os pagamentos deveriam perdurar somente por mais 180 dias, segundo a primeira decisão do ministro interino, que voltou atrás nesta quarta.

A criação de um serviço médico voltado a acompanhar pessoas presas com transtornos mentais, de forma que se garanta assistência médica e que se permita análise dos processos judiciais, ocorreu depois de O GLOBO publicar uma série de reportagens denunciando, em 2013 , que presos com problemas mentais eram colocados em celas comuns em presídios. Esses detentos ou não tinham o chamado incidente de insanidade mental — que atesta a loucura como pano de fundo para o ato criminoso — ou estavam em cumprimento de medidas de segurança, aplicadas pela Justiça quando se atesta a loucura. As reportagens revelaram ainda um cotidiano de tortura em hospitais de custódia , estruturas existentes para abrigar esses presos.

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O trabalho jornalístico levou o CNJ e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) a fazerem mutirões para analisar os casos mostrados, o que resultou em solturas em casos de detenções ilegais. As reportagens também levaram o governo federal a criar uma equipe interministerial para discutir as denúncias, formada por técnicos do Ministério da Saúde, do Ministério da Justiça e da pasta de Direitos Humanos. O serviço do SUS voltado para presos com transtornos mentais acabou sendo criado meses depois.