Rio

'Aceitam um Jesus bêbado, mas não um Jesus gay', diz Marcius Melhem sobre ataque à sede do Porta dos Fundos

Comediante classificou atentado como 'ataque ao humor brasileiro': 'A reação revela um pouco da parte preconceituosa desse país'
Marcius Melhem: humorista afirma que polícia precisa investigar se ataque foi ato isolado orquestrado por algum grupo específico Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Marcius Melhem: humorista afirma que polícia precisa investigar se ataque foi ato isolado orquestrado por algum grupo específico Foto: Leo Martins / Agência O Globo

RIO - O comediante Marcius Melhem classificou como um "ataque ao humor brasileiro" o atentado contra a sede da produtora Porta dos Fundos, alvo de dois coquetéis molotov nesta terça-feira (24), no Humaitá, na Zona Sul do Rio. O ataque ocorrereu após o canal retratar Jesus Cristo como gay no filme 'Especial de Natal Porta dos Fundos: a primeira tentação de Cristo', que estreou no dia 3 de dezembro em um serviço de streaming. Melhem, que é humorista e não integra o Porta dos Fundos, lembrou que a produtora já havia feito outras sátiras com Jesus em anos anteriores, mas que apenas agora, com Cristo retratado como homossexual, foi alvo de ataques.

— Aceitam um Jesus bêbado, mas não aceitam um Jesus gay. A reação revela um pouco da parte preconceituosa desse país. Qual seria o problema se Jesus fosse gay? O ser humano é diverso, então Deus pode ser qualquer um de nós. Se Deus é nossa imagem e semelhança, poderia ser como qualquer um de nós. Por que Cristo tem que ser idealizado sempre do mesmo jeito, branco de olhos claros? — argumentou.

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Melhem lembrou outro episódio, dessa vez ocorrido no carnaval carioca ha 30 anos:

— Isso me remete à censura ocorrida no carnaval do Rio em 1989, quando a Beija-Flor foi proibida de usar uma alegoria que retratava Jesus como mendigo — disse Melhem.

Na ocasião, o carro alegórico teve que entrar no Sambódromo coberto por um pano preto. O carnavalesco Joãosinho Trinta, então, acrescentou uma faixa com os dizeres: "Mesmo proibido, olhai por nós".

Melhem também afirma ser importante que a polícia investigue se o ataque à sede do Porta dos Fundos foi um ato isolado ou orquestrado por algum grupo. O caso foi registrado como crime de explosão na 10ª DP (Botafogo). A Polícia Civil analisa imagens das câmeras de segurança que registraram o atentado.

RELIGIOSO REPUDIA ATAQUE

O ataque à sede da produtora do Porta dos Fundos foi repudiado pelo bispo-auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro, Dom Antonio Augusto Dias Duarte. Para o representante da Igreja Católica, independentemente de posições favoráveis ou desfavoráveis, o que está por cima de tudo é o valor que Jesus dá a cada pessoa.

— É preciso deixar bem claro que Jesus Cristo não veio promover os ataques e a violência entre pessoas, mas sim a paz e a harmonia. Se Jesus é representado como bêbado ou como gay, isso não pode, de jeito nenhum, ocultar a verdadeira identidade de Jesus, um Deus que vem para o mundo com uma única finalidade, resgatar o homem para o bem. Seja um ataque com bombas, seja uma postura homofóbica, seja uma caricatura de Jesus Cristo, o que está por cima de tudo isso é o valor que Jesus dá a cada pessoa, independentemente de suas posições favoráveis ou desfavoráveis a ele — diz o bispo.

O especial de Natal do Porta dos Fundos tem atraído críticas negativas provenientes de diferentes direções: além de evangélicos e católicos, também se manifestaram contra o vídeo representantes de outros movimentos de inspiração cristã, espíritas, humanistas, a OAB estadual no Maranhão, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), o Instituto Brasileiro de Direito e Religião e até mesmo a Federação Islâmica Brasileira (Fambras).

A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em nota, afirmou que o vídeo "agride profundamente a fé cristã".

"Ridicularizar a crença de um grupo, seja ele qual for, além de constituir ilícito previsto na legislação penal, significa desrespeitar todas as pessoas, ferindo a busca por uma sociedade efetivamente democrática, que valoriza todos os seus cidadãos", diz um trecho da nota.

O deputado estadual Marcio Gualberto (PSL/RJ) apresentou uma Moção de Repúdio na Alerj e protocolou no Ministério Público estadual do Rio uma representação contra a produtora Porta dos Fundos, evocando o capítulo do Código Penal que dispõe sobre crimes contra o sentimento religioso.

No pedido de abertura de inquérito, o deputado afirma que "há um despudor e uma falta de respeito às crenças" e aponta que houve infração ao artigo 208 do código, que define como crime o ato de "escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso", prevendo como pena detenção, de um mês a um ano, ou multa.

— Por mais justa que possa ser indignação contra o grupo de militantes esquerdistas autodenominado Porta dos Fundos, ela não pode nos levar ao cometimento de crimes contra eles. Nada justifica isso! Recorrentemente, eles cometem o crime de vilipêndio, pois ofendem de maneira gratuita, gravíssima e escandalosa milhões de cristãos e se escondem atrás de uma suposta "liberdade de expressão". Mas, a prevalecer o entendimento deste grupo, seriam abertos precedentes perigosíssimos, porque posicionamentos "artísticos" desumanos estariam plenamente justificados. Com certeza, não é esta a sociedade que desejamos construir e tão pouco o legado que queremos deixar para as próximas gerações. Tudo tem limites — afirma o deputado.