Rio Caso Henry

'A única pessoa calada foi o Henry. Ele pediu ajuda e não foi ajudado', diz delegado ao apresentar inquérito sobre a morte do menino

Polícia Civil concluiu investigação e indiciou o vereador Jairinho e a mãe da criança
Henry Borel, de 4 anos, morreu em 8 de março de 2021 Foto: Foto REPRODUÇÃO / Agência O Globo
Henry Borel, de 4 anos, morreu em 8 de março de 2021 Foto: Foto REPRODUÇÃO / Agência O Globo

RIO — A Polícia Civil do Rio apresentou nesta terça-feira (4) o resultado do inquérito que apura a morte de Henry Borel Medeiros, de 4 anos. Foram indiciados a mãe do menino, a professora Monique Medeiros da Costa e Silva, e o namorado dela, o médico e vereador Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho (sem partido), pelo crime de homicídio duplamente qualificado, por emprego de tortura e impossibilidade de defesa do menino. O parlamentar também foi indiciado duas vezes por tortura, e a professora uma vez (por tortura omissiva), por conta de outros episódios de violência praticados contra Henry — inclusive um relatado pela babá em tempo real à professora, durante a tarde de 12 de fevereiro .

Falso testemunho : Após mentir em dois depoimentos, babá de Henry é investigada

“Esse argumento de calar a Monique é descabível. Ela foi ouvida por horas e, por lei, terá duas oportunidades para se pronunciar na justiça. A única pessoa que foi calada foi o Henry. Ele pediu ajuda e não foi ajudado. Ele sim foi calado ”

Henrique Damasceno
Delegado

O delegado titular da 16ª DP (Barra da Tijuca), Henrique Damasceno, comentou as ameaças que Monique diz que sofreu ao logo do relacionamento e o argumento de que ela mentiu a mando de Jairinho. De acordo com o investigador, "a mãe estava ciente de tudo o que aconteceu" , e "bancou uma versão mentirosa para proteger quem agredia seu filho".

— Esse argumento de calar a Monique é descabível. Ela foi ouvida por horas e, por lei, terá duas oportunidades para se pronunciar na justiça. A única pessoa que foi calada foi o Henry. Ele pediu ajuda e não foi ajudado. Ele sim foi calado — disse o delegado.

Damasceno afirmou ainda que o casal Monique e Jairinho mentiu para a Polícia Civil, e que testemunhas foram forçadas a não revelar detalhes sobre o caso.

— A versão apresentada (pelo casal) era mentirosa, e surgiram indícios que testemunhas estavam sendo coagidas, por isso a representação pela prisão. Com a prisão dos investigados, apreendemos dois celulares. Analisamos conversas e ficaram evidenciadas algumas agressões contra a criança (duas em janeiro e uma em fevereiro). Ao contrário do que disseram, havia uma rotina de discussão entre o casal. O que chama a atenção é que houve uma ação: o padrasto se tranca com a criança no quarto. Posteriormente, a criança reclama do que aconteceu —  ressaltou o delegado responsável pela investigação.

O delegado Antenor Lopes, chefe do Departamento de Polícia da Capital, destacou elementos colhidos ao longo das investigações que apontaram Jairinho como o autor do crime, por meio de sessões de tortura, e Monique por omissão ao não afastar Henry do padrasto
O delegado Antenor Lopes, chefe do Departamento de Polícia da Capital, destacou elementos colhidos ao longo das investigações que apontaram Jairinho como o autor do crime, por meio de sessões de tortura, e Monique por omissão ao não afastar Henry do padrasto

Caso Henry: Entenda como as provas técnicas atestaram que o menino foi vítima de homicídio

Ao apresentar a conclusão do caso à imprensa, a perita da Polícia Civil Denise Rivera também destacou o papel dos médicos que atenderam a criança depois das agressões. Segundo ela, se os médicos "tivessem dado a declaração do óbito, nós não saberíamos o que aconteceu de fato".

— É importante o médico identificar se é morte suspeita, acidente ou violência. Graças ao exame de necropsia constatamos que era morte violenta. Esse foi um exemplo de celeridade e excelência. Conseguimos uma resposta rápida para que a investigação fosse rápida. Todas as dúvidas foram sanadas.

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MP tem cinco dias para apresentar denúncia

Promotor do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) responsável pelo caso, Marcos Kac disse que o inquérito policial foi recebido nesta segunda-feira (3).

— O MP recebeu o inquérito ontem, volumoso, com muita carga de laudos e outras peças técnicas. Vamos analisar com calma. Temos cinco dias para denunciar. O trabalho da polícia judiciária já está encerrado. Qualquer oitiva a será na justiça. Tanto a questão da denúncia quanto o pedido de prisão preventiva será analisada e encaminhada o mais rápido possível à Justiça.

'Testemunhas coagidas se retrataram', diz delegada

De acordo com o investigador, o laudo de reprodução simulado descartou qualquer acidente doméstico. Ele atesta categoricamente que foi um crime de homicídio. Já o relato inicial da babá de Henry suavizou a rotina de violência que existia entre o casal:

— Em conversa dela com o noivo ela (a babá) diz que parecia que o padrasto tampava a boca do menino. Ela ainda chegou a dizer para o noivo que (Henry) chegou a rasgar sua blusa. Tanto que o padrasto (do menino) pagou R$ 100 para que ela comprasse uma roupa nova. Esse fato aconteceu no dia em que a mãe estava no cabeleireiro. Isso aconteceu no dia 12 de fevereiro. Mesmo ciente de tudo que aconteceu, a mãe levou a criança no médico em Bangu e disse que ele tinha caído da cama.

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Damasceno confirmou que um inquérito investiga possível crime de falso testemunho por parte da babá de Henry , mas destacou que ela tinha "receio pela vida".

— Inúmeros familiares dela estão ligados ao envolvido. Temos um inquérito para apurar isso. — explicou o delegado.

“Monique, por não fazer nada para agir enquanto agente garantidora, foi indicada por tortura e omissão. Ela também foi indicada por homicídio duplamente qualificado, porque ela poderia ter afastado a vítima do agressor.”

Ana Carolina Medeiros
Delegada adjunta

A delegada adjunta Ana Carolina Medeiros observou que as pessoas coagidas ao longo da investigação procuraram a polícia e mudaram suas versões. Ela não inclui a mãe de Henry nesse grupo, e defende que Monique sabia das agressões e não fez nada:

— Monique tinha ciência do que acontecia. A prisão foi acertada para o desenrolar das investigações. Testemunhas que estavam com medo ou foram coagidas retornaram à delegacia e se retrataram. Elas trouxeram novas informações. O laudo de reprodução descartou qualquer hipótese de acidente. Foi crime. — ressaltou a investigadora. — Colhemos indícios significativos para o indiciamento de Jairinho por tortura com agravante ser uma criança ser menor. Já Monique, por não fazer nada para agir enquanto agente garantidora, foi indicada por tortura e omissão. Ela também foi indicada por homicídio duplamente qualificado, porque ela poderia ter afastado a vítima do agressor.

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Polícia pediu prisão preventiva de vereador e mãe

Um pedido à Justiça de conversão da prisão temporária do casal em preventiva também foi feito. Os dois já encontram-se atrás das grades desde o dia 8 de abril, sob acusação de tentar atrapalhar as investigações. O relatório está sendo encaminhado ao promotor Marcos Kac, do Ministério Público do Rio, que deverá oferecer eventual denúncia à juíza Elizabeth Louro Machado, titular do II Tribunal do Júri, nos próximos dias.

Henry Foto: Henry
Henry Foto: Henry

Com a conclusão das investigações, Monique não será ouvida pela segunda vez na delegacia, como havia sido solicitado por sua nova defesa . Ao assumirem o caso, os advogados Thiago Minagé, Hugo Novaes e Thaise Mattar informaram que a professora acenava por uma vontade de “contar a verdade” sobre o que ocorrera no apartamento 203 do bloco I do condomínio Majestic, no Cidade Jardim, na madrugada de 8 de março. No primeiro depoimento, oito dias depois, Monique contou ter encontrado o filho no chão, com pés e mãos gelados e olhos revirados, e disse acreditar que ele tinha caído da cama.

Em mensagens recuperadas no celular da professora pela Polícia Civil, que constam no inquérito e foram obtidas com exclusividade por O GLOBO, Monique demonstrava já ter vontade de montar uma estratégia de defesa separada, em 16 de março. “Vou procurar outro advogado. Sabe por quê? Porque ele é seu advogado e não o meu. Se for para defender alguém, será você, não a mim”, escreveu ela a Jairinho.

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Em cartas escritas por Monique da cadeia, a professora afirma ter combinando com Jairinho uma “versão inventada” sobre a morte de Henry. A estratégia teria sido, segundo ela, a condição dada pelo advogado André França Barreto para defender o casal no inquérito que os investigava pelo homicídio.

Defesa da mãe do menino fala em 'erros investigativos'

A defesa de Monique enviou uma nota depois da divulgação do resultado do inquérito. Nela, os advogados falam que a investigação foi concluída "prematuramente com erros investigativos". "Monique não teve igual direito, em 'dois pesos e duas medidas'.  Mesmo a reconstituição dos fatos, baseada em versão irreal de Monique sob coação e dissimulação, é imprestável. O Inquérito não aprofundou investigação sobre receitas, obtenção e uso de medicamentos, relatado pelas vítimas, embora esta defesa tenha expressamente requerido" declarou a defesa da professora, reafirmando que ela é inocente.