Rio

'A polícia não foi recebida a tiros, quem foi recebida a tiros foi a minha filha', desabafa mãe de grávida morta no Lins

Policiais alegam que foram atacados a tiros por bandidos em comunidade na Zona Norte do Rio
Jackeline, com a avó da jovem, no IML Foto: fabiano rocha / Agência O Globo
Jackeline, com a avó da jovem, no IML Foto: fabiano rocha / Agência O Globo

RIO —  Jackeline de Oliveira Lopes, mãe de Kathlen de Oliveira Romeu , de 24 anos, jovem grávida morta por uma bala perdida no Lins de Vasconcelos, na Zona Norte do Rio, fez um apelo para que cessam as mortes de inocentes nas comunidade e criticou a atuação da polícia, na manhã desta quarta-feira, no Instituto Médico-Legal (IML), onde compareceu com outros parentes para fazer a liberação do corpo da filha. "A PM deu tiros inconsequentemente e executaram a minha filha. Não foi bala perdida", disse. Segundo informações da PM, os policiais alegam que foram atacados a tiros pelos bandidos, dando início ao confronto. Jackeline lembrou que teve a filha aos 15 anos e fez de tudo para para dar uma vida melhor a ela.

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Marcelo Ramos, marido de Kethlen Romeu, morta na noite de terça-feira (8) durante um tiroteio, fez um apelo em suas redes sociais para que a família não seja atacada por meio de mensagens de ódio na internet. As postagens foram feitas na campanha de financiamento coletivo lançada por um amigo após a morte da jovem
Marcelo Ramos, marido de Kethlen Romeu, morta na noite de terça-feira (8) durante um tiroteio, fez um apelo em suas redes sociais para que a família não seja atacada por meio de mensagens de ódio na internet. As postagens foram feitas na campanha de financiamento coletivo lançada por um amigo após a morte da jovem

— Eu não sei falar o que eu estou sentindo. Estou devastada, destruída. Eles falaram que a minha filha ganhou um tiro. Ela não ganhou um tiro. Eu não sei quantos tiros a minha filha ganhou. Ele foi executada. A polícia treina para dar tiros. Todos os moradores falam que não havia troca de tiros. Eles estavam dentro de uma casa, viu os bandidos e atirou. Se eles estavam dentro de uma casa, porque eles não olharam para a rua para ver se alguém estava passando. Na favela não só mora bandido. Com todo o sacrifício que eu fiz na minha vida, quem foi mãe e pai vai entender o que estou sentindo. Tem um mês que eu não moro mais lá. A minha filha era só amor — diz Jackeline, e ela segue no desabafo:

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— A minha filha se formou no final de setembro, estava gerando vida, e a gente estava lutando pelo melhor dela. Avisem ao major (Ivan) Blaz (porta-voz da PM) - que ele falou que foi troca de tiros - que não foi troca de tiros. A PM deu tiros inconsequentemente e executaram a minha filha. Não foi bala perdida. Foi bala direcionada para a minha filha. Uma jovem de 24 anos, linda e cheia de saúde. Eu estou aqui de pé, falando, porque eu ainda tenho força. Acabou a minha vida. Eu não tenho mais vida, não posso ter mais filhos. Tudo que eu fiz na minha vida foi por ela.

Jackeline pediu para que cessem as mortes nas favelas:

— Parem de matar gente. Essa bagunça está no Lins há muito tempo. No dia 24 de abril eu saiu de lá. Desde então eu não vou lá porque a minha mãe pedia. Todo mundo relata tiroteio. Eu estava trabalhando. A polícia não foi recebida a tiros. Quem foi recebida a tiros foi a minha filha. Não foi bandido e nem ninguém. Foi a minha única filha que eu tive aos 15 anos. Eu nunca fraquejei como mãe. Eu fiz tudo que eu podia e não podia para ela não ser mulher de bandido, para ela não ser vagabunda. Lá as pessoas respeitam ela. Sabem quem ela é. Ela é um exemplo. Quero que respeitem a memória da minha filha. Não vem falar que foi bandido. Foi a polícia. Eu sou honesta e trabalhadora. Eu morava no morro porque eu precisava. São 40 anos morando na comunidade e é uma falta de respeito que eles fazem. Eles já entraram na minha casa e acham que todos são parentes de bandido. Não é assim. Eu não sei porque a minha filha morreu. Só espero que fique uma ligação para que parem de matar as pessoas. Pagamos impostos para a polícia treinar. Bandido que da tiro a esmo. Polícia não. A PM tirou a minha vida. O meu sonho.

Avó diz que pediu a policiais para socorrerem neta

Saionara Fátima Queiroz de Oliveira, avó de Kathlen conta que há meses a neta queria vê-la. É que desde abril,a jovem, a mãe e o pai deixaram a favela e foram morar em uma casa do bairro Engenho Novo.

— Vocês imaginam a minha neta morrendo de saudade de mim (ela foi nascida e criada na comunidade) e eu pedindo para ela não ir lá porque uma hora ela pode tá passando, tomar um tiro e perder sua criança. Ontem eu permito que ela fosse me ver — conta em lágrimas a aposentada.

Segundo a idosa, ambas estavam caminhando por uma viela da comunidade quando o tiroteio aconteceu.

— A gente estava andando na rua quando houve barulho de tiros. Quando eu via a minha neta já caindo, eu me joguei em cima. Quando um me joguei, ela já estava com um buraco de tiro. Eu não sei como eu não estou baleada. A todo tempo eu pedia para eles pararem de dar tiros e socorrer a minha neta. Eles não queriam levar. Só levaram porque eu gritei. Eu tive que implorar para ir no carro — diz Saionara.

A aposentada conta que os PMs não queriam levar a jovem para uma unidade de saúde. Após implorar, os agentes socorreram a menina, que já chegou sem vida no Hospital municipal Salgado Filho, no Méier.

— Eles estão falando que socorreram a minha neta, mentira. Eu tive que implorar para eles levarem. Quando começou o barulho dos tiros, a minha neta se jogou e eu joguei em cima dela. Um dos PMs ainda perguntou se eu sabia quem era os traficantes e eu só dizia que que a a minha neta. Eu não sei quem era quem. Eu estava andando com ela. Ele não queriam que eu fosse e eu disse que iria mesmo que fosse na caçamba.

‘Ela estava na melhor fase da vida’, diz o pai

"Eu brincava com ela que os meus netos iriam nascer com os pais formados. Você vê na sua classe, infelizmente, é a realidade (não tem muitos negros). Na nossa classe da comunidade não tem quase ninguém formado. É só injustiça e desigualdade. Eu tirei ela de lá pela violência". O relato é de Luciano Gonçalves, pai de Kathlen de Oliveira Romeu, de 24 anos, jovem grávida de quarto meses, morta por uma bala perdida durante um confronto entre policiais militares e bandidos no Lins de Vasconcelos, na Zona Norte do Rio. Na manhã desta quarta-feira, os pais e os avós da jovem chegaram ao Instituto Médico-Legal (IML), do Centro do Rio, para fazerem a liberação do corpo.

Os familiares se dizem indignados e criticaram a postura da polícia:

— A minha filha faleceu. Ceifaram a vida da minha filha e falaram que foi troca de tiros. Não foi. Como foi ela, poderia ser eu, uma pessoa do bem e falariam que eu era vagabundo. Na maioria das vezes não é confronto — criticou Luciano.

Segundo o pai da jovem, Kathlen "era a coisa mais especial da minha vida. Cheia de sonhos, inteligente, tinha sonhando ser blogueira, modelo. Ela estava na melhor fase da vida"

— A gravidez, no começo foi um susto. Ninguém esperava, mas foi a coisa mais maravilhosa da minha vida. Uma benção de Deus foi a gravidez da minha filha. Ela estava apreensiva, mas feliz. Ele estava apreensiva porque tinha parado de trabalhar, mas eu disse que ela não ficaria desamparada.

PM não comenta acusações

Procurada, a Polícia Militar não comentou as acusações feitas pelos parentes de Kathlen. Em nota divulgada nesta quarta-feira, a corporação informou apenas que, paralelamente às investigações da Delegacia de Homicídios da Capital sobre a morte da modelo, a "Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) instaurou um procedimento apuratório para averiguar as circunstâncias do fato".