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Rio

Artigo: Por que mandaram matar Marielle?

"Marielle foi executada no caminho de sua casa" por "um projeto que tem por estratégia o extermínio de pessoas negras, das favelas e periferias, das mulheres, da população LGBTI+, dos povos indígenas e quilombolas"

A noite de 14 de março de 2018 dilacerou a todas nós. Dilacerou um país e o mundo. Há dois anos, Marielle foi executada no caminho de sua casa, pelas ruas do Centro do Rio de Janeiro, por uma política da morte projetada e seguida à risca pelo Estado brasileiro desde a sua origem. Um projeto que tem por estratégia o extermínio de pessoas negras, das favelas e periferias, das mulheres, da população LGBTI+, dos povos indígenas e quilombolas.

O assassinato de Marielle não foi um crime de vingança. Foi um recado dado para toda essa população que ela defendia com seu trabalho e militância, sobretudo às mulheres negras: “A esfera política não pertence a vocês”. Ocupar a política não é fácil para mulheres como Marielle e o que a violência extrema contra ela cometida procura dizer é que toda barbárie será admitida para manter-nos excluídas de nossos direitos, de nossa cidadania e de nossa humanidade.

A frieza e a brutalidade com que esse crime foi cometido reflete o nível de profissionalismo dos assassinos e não nos deixa a menor dúvida de que se trata de um crime político. Um crime encomendado por aqueles que se preocupam com os avanços de uma política coletiva, antirracista, anticapitalista, antiLGBTIfóbica, feminista, de aliança com os diferentes movimentos sociais, no intuito de calar a vereadora. Essa política, comprometida com um bem viver e pautada pelo debate com a favela, a negritude e as questões de gênero, é incompatível com o assalto das instituições democráticas por uma extrema direita disposta a corrompê-las e destruí-las a favor de seus interesses privados.

A maioria deles mobilizados pela ganância desmedida e pela eleição da violência como método. A força coletiva da mandata de Marielle assustou os gabinetes e porões da necropolítica, que reagiram brutalmente contra uma vereadora eleita. Seu trabalho sempre foi orientado por ideais de justiça social e de defesa dos direitos humanos, tinha objetivos e sentidos construídos nas ruas e nos encontros. Aqueles que a ela se opuseram, são desejosos do poder pelo poder, sem sonhos ou ideais, movidos apenas por armas e mentiras.

Sentimos ainda em nossos corpos a dor, o luto, a ausência e, ainda mais forte, a emergência da luta. Logo em seguida, elegemos uma bancada de parlamentares negras pelo Brasil. Coletivas e movimentos sociais de todo o país se levantam em memória de Marielle. Compreendemos que o nosso corpo é político, e não apenas na institucionalidade. O nosso corpo é político quando nos levantamos contra a violência policial que assassina crianças nas favelas. O nosso corpo é político quando nos levantamos contra a fome, contra a falta de água potável, quando nos organizamos para defender a saúde e a educação pública e gratuita de acesso universal. Marielle costumava citar a filosofia ubuntu ao dizer: "eu sou, porque nós somos". E esse corpo político que afirmamos é construído coletivamente.

Hoje, dois anos após sua execução política, não temos uma resposta sobre quem mandou matar Marielle, mas seguimos transformando nosso luto em luta, nos organizando para levar adiante o seu legado e as suas ideias. Quantas mulheres sentiram em seus corpos a violência dessa execução tão brutal? Quantas mulheres compreenderam que o seu corpo também é político? Quantas se unem neste dia para defender este que foi o tripé de sustentação da mandata Marielle Franco: favela, negritude e gênero? Somos uma multidão diversa e forte que não aceitará silêncio algum e nenhum passo adiante da barbárie que nos tirou a convivência terna e firme de nossa companheira. Juntas, por ela, seguiremos trabalhando para que o mundo gestado por essa revolução que ela hoje significa e encarna possa florescer. Hoje, mais do que nunca, bradamos seu nome e pedimos justiça. Hoje, ela é, mais uma vez, como sempre será, o nome de nossa luta.

Marielle, justiça!

*Monica Benicio — Arquiteta e ex-companheira de Marielle

* Dani Monteiro, Mônica Francisco e Renata Souza — Deputadas Estaduais

* Talíria Petrone — Deputada Federal