Rio

'Até hoje ninguém me pediu desculpas', desabafa médica agredida no Grajaú

Ticyana D'azambujja, espancada por frequentadores de uma festa, lembra que um dos acusados chegou a forçá-la a pedir perdão pelo vidro do carro quebrado
A médica Ticyana: lesões no joelho e mão Foto: Reprodução
A médica Ticyana: lesões no joelho e mão Foto: Reprodução

RIO — A notícia de que a a Polícia Civil indiciou 14 pessoas – duas delas por lesão corporal grave e três por lesão leve – pelo episódio que culminou na agressão sofrida por Ticyana D'azambujja, espancada por frequentadores de uma festa no Grajaú, foi recebida com a esperança de justiça pela médica. Mais de um mês depois do episódio, porém, nenhum dos envolvidos a procurou, nem ao menos para pedir desculpas.

— Até hoje ninguém me disse nada. Sinceramente não gostaria de encontrá-los frente a frente. Existe uma diferença entre desculpas e perdão. Quando se perdoa, você exime as pessoas pelo que elas fizeram. Eu os desculpo, mas não os perdoo. O que eles fizeram é imperdoável. Eu preciso dessa justiça — desabafa Ticyana.

Para tentar fugir dos agressores, Tyciana D'Azambuja correu em direção ao Hospital Casa Italiano. As imagens mostram que ela levou socos até de um motociclista a quem pediu ajuda e desmaiou na rua após sofrer um golpe mata-leão. Pedestres, motoristas e seguranças presenciaram a cena de violência. Reprodução
Para tentar fugir dos agressores, Tyciana D'Azambuja correu em direção ao Hospital Casa Italiano. As imagens mostram que ela levou socos até de um motociclista a quem pediu ajuda e desmaiou na rua após sofrer um golpe mata-leão. Pedestres, motoristas e seguranças presenciaram a cena de violência. Reprodução

Ela ainda relembra do momento em que o sargento da Polícia Militar Luiz Eduardo dos Santos Salgueiro, de 43 anos,  suspeito de agredir a médica e dono do véiculo, a forçou a se desculpar pelo vidro danificado logo após as agressões:

— Estava lá sentada com o joelho quebrado e ele pediu R$ 6 mil pelo vidro quebrado, depois quando me recusei pediu a metade e depois de eu me negar novamente ele falou que queria ao menos as desculpas. Eu pedi, estava desesperada para alguém me tirar de lá para algum hospital— conta a médica.

'Espero que o bem vença o mal', diz Ticyana

Após o indiciamento das 14 pessoas pela Polícia Civil, cabe o Ministério Público analisar o inquérito para denunciar ou não os apontados pela investigação como responsáveis pela agressão. Enquanto aguarda mais uma etapa do processo, Ticyana diz estar confiante que a justiça será feita:

— Foi um caso emblemático. Seria simbólico que terminasse bem e que a gente tenha a sensação que o bem venceu o mal. Eles precisam ser punidos exemplarmente, não só por mim, mas por estarem fazendo uma festa no meio da pandemia que já registrou mais de 6 mil mortes. A lei precisa ser cumprida e a sociedade clama por isso.

Recuperação incerta : Médica agredida no Grajaú pode não conseguir recuperar movimentos de joelho quebrado

Com o joelho com muitas dores e sem conseguir dobrá-lo, Ticyana ainda está sem trabalhar. Ela é médica anestesista e atuava nos últimos meses na linha de frente ao combate a pandemia do coronavírus, mas não tinha vínculo empregatício, recebendo por cada plantão trabalhado.

Sem previsão ainda de voltar a trabalhar, ela recorreu às suas economias para conseguir se sustentar neste período. Mas, não poder mais ajudar a salvar vidas no meio da pandemia é uma das suas dores:

— Achei que no futuro poderia virar para o meu filho e dizer que tinha ajudado a salvar muitas vidas. Agora vou ter que dizer que ajudei o quanto pude, até ser agredida — lamenta.

Acusados também responderão por infração sanitária

A Polícia Civil indiciou 14 pessoas – duas delas por lesão corporal grave e três por lesão leve – pela agressão sofrida pela médica Ticyana D'azambujja , espancada por frequentadores de uma festa no Grajaú, na Zona Norte do Rio. O inquérito foi concluído nesta terça-feira, mais de um mês após a violência sofrida pela médica, que tentava impedir a realização de um evento durante a pandemia do coronavírus, o que está está proibido, no dia 30 de maio. A Polícia analisou imagens de dezenas de câmeras de segurança e ouviu mais de 30 depoimentos.

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Conforme informações do "G1", os envolvidos vão responder por infração sanitária preventiva – por participar de uma aglomeração no meio de uma pandemia. A pena pode chegar a um ano de prisão. A punição será maior para o proprietário da casa, Rafael Presta, que aparece nas imagens carregando Ticyana, e Rafael Pereira, que além da médica, agrediu um vizinho que desceu para tentar ajudá-la. Ambos foram indiciados por lesão corporal grave. O dono da casa ainda está proibido de fazer novos eventos. Outras três pessoas vão responder por lesão corporal leve.

“Ela tava combatendo a pandemia e o fato dela por 30 dias estar afastada disso já caracterizou a lesão grave e, dependendo do caso, isso vai demorar alguns meses pelo laudo pericial, alguns meses se comprovada a incapacidade permanente pro trabalho, pode ser aditada a denúncia  para lesão gravíssima”, explicou o delegado André Neves, que está à frente das investigações, em entrevista ao "RJTV - 1ª edição".

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Ticyana, que não sabe se conseguirá recuperar os movimentos do joelho esquerdo, comentou a conclusão do inquérito. A médica se recupera a última cirurgia realizada no membro, que foi quebrado pelos agressores.

"Todos foram rapidamente identificados, então eu vejo que o trabalho da polícia foi muito bem feito e espero que isso realmente se reflita depois com a justiça sendo feita ao final do processo”, à "TV Globo".

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Segundo o delegado, o fato de a festa ter entre os participantes agentes da lei, das polícias Civil e Militar, que nada fizeram para proteger a médica, chamou a atenção. Desta forma, além da infração sanitária, eles também foram indiciados por prevaricação, quando o funcionário público deixa de agir diante de um crime por interesse próprio.

“É levado em consideração até por não evitar a prática do delito, de tudo que tava acontecendo, por isso o indiciamento também pela prevaricação, e será encaminhado para a respectiva Corregedoria para apuração da transgressão disciplinar”, disse Neves.

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Relembre o caso

Tyciana foi agredida na tarde do dia 30 de maio por frequentadores de uma festa que ocorria em uma casa na Rua Marechal Jofre. A médica relatou que foi até a residência, que fica em frente ao seu prédio, pedir o fim da festa devido ao barulho excessivo, mas não foi atendida. Então, num “ato impensado”, quebrou o retrovisor e trincou o para-brisa de um carro que estava estacionado sobre a calçada e pertencia a um policial militar que estava na festa.

Depois disso, algumas pessoas saíram da casa, entre elas um PM, e as agressões tiveram início. Ticyana teve o joelho esquerdo quebrado e as mãos pisoteadas. Imagens de câmeras de segurança, além de uma gravação feita por vizinhos da médica mostraram as agressões sofridas.