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Por — Rio de Janeiro

Graças à renda que tem obtido com a venda de seus quadros, a artista plástica Carmézia Emiliano, de 62 anos, conseguiu construir a casa da filha, em 2023, e concluir seu ateliê, este ano, ambos no mesmo terreno onde mora com o marido, em Boa Vista, a capital de Roraima. No passado, porém, a indígena da etnia macuxi nem imaginava que conseguiria viver de arte. Tudo começou em 1992, quando um amigo poeta lhe deu de presente tela, pincel e tinta e a convidou para uma exposição que estava organizando. O resultado foram traços que remetiam ao modo de vida da comunidade do Japó, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, onde viveu até os 29 anos. Desde então, ela não mais parou de criar.

No próximo sábado, dia 13, ela estará na cidade para a abertura de sua primeira exposição individual no Rio: “Carmézia Emiliano e a vida macuxi na floresta”, às 17h, no Museu do Pontal, na Barra da Tijuca. A mostra ficará em cartaz até agosto e é uma das atrações do Festival das Culturais Indígenas, que contará com outras mostras, além de exibição de filmes e oficinas. O evento se encerrará no domingo, dia 14.

— Quando meu amigo, Eliequim Rufino, me deu os materiais artísticos de presente, eu nunca tinha pintado. Só desenhava no chão e fazia bonecas de areia na infância, de brincadeira. Mas ele falou: “Quem sabe você não começa a pintar..". Então, retratei a paisagem da minha comunidade, com buritizeiros, igarapés e montanhas. Depois disso, nunca mais parei de pintar. Só que eu não tinha dinheiro para comprar material; usava tintas naturais, feitas com folhas verdes, de algodão roxo, pimenta, jenipapo, urucum, batata amarela e carvão. Amassava, misturava na água e pintava no papel. Quando meu marido, que é de circo, conseguiu juntar um dinheirinho como animador de festas é que comecei a comprar telas, tinta acrílica e, depois, tinta a óleo — relata a artista.

Memórias: quadro retrata mãe e filha indígenas desfiando algodão para fazer redes — Foto: Divulgação/Jean Peixoto
Memórias: quadro retrata mãe e filha indígenas desfiando algodão para fazer redes — Foto: Divulgação/Jean Peixoto

Carmézia deixou sua comunidade pela primeira vez aos 16 anos, para trabalhar como cozinheira numa fazenda situada em Normandia, mesmo município de seu território, onde ficou durante seis anos. O objetivo era conseguir recursos para comprar itens básicos, como roupas. Chegou a voltar para a terra indígena, mas, desde os 29 anos, vive em Boa Vista, onde mergulhou no universo artístico, cuja inspiração são as experiências de sua etnia. Sobre o histórico de conflitos por disputa de terras vivido na Raposa Serra do Sol, área cobiçada pelo garimpo ilegal em virtude das jazidas de minerais como ouro e diamante, a artista não quis comentar, mas descreve com orgulho as peculiaridades de seu lugar de origem.

Carmézia Emiliano: Artista plástica se descobriu após ser presenteada por um amigo poeta, que lhe deu tela, pincel e tinta e a convidou para expor — Foto: Divulgação/Jean Peixoto
Carmézia Emiliano: Artista plástica se descobriu após ser presenteada por um amigo poeta, que lhe deu tela, pincel e tinta e a convidou para expor — Foto: Divulgação/Jean Peixoto

— Meu povo vive na roça, plantando itens como mandioca, milho e abóbora. É uma comunidade rural de agricultores, que também caça para comer carne. Nas celebrações, dançamos parixara, vestidos de palha de inajá e fazendo movimentos em roda ao som de flautas de embaúba, que é bem alto e bonito. A pesca faz parte do nosso dia a dia. Uma das nossas comidas típicas preferidas é o damorida, um peixe apimentado, com beiju, uma espécie de farinha de mandioca. Nossas bebidas alcoólicas características são o caxiri, feita com batata roxa, que lembra mais um suco; o pajuaru, feita a partir da mandioca; e o mocororó, de caju. Essas duas últimas são mais fortes — detalha. — Lembro que sempre acordava às 4h para ajudar minha mãe a desfiar algodão para confeccionar redes. Tudo isso eu retrato na tela, porque tenho que valorizar minha cultura. É muito importante para mim e para o meu povo.

Viagens à aldeia reforçam contato com a natureza

Autodidata na arte e com formação escolar apenas até a 5ª série, Carmézia fez sua primeira exposição profissional em 1996, no Sesc Boa Vista. Começou a ganhar repercussão no país quando um professor da Universidade de Brasília, em visita à cidade, em 2006, encantou-se por seu trabalho e a inscreveu na Bienal Naïfs do Brasil, no Sesc Piracicaba, em São Paulo. Desde então, tem participado de todas as edições e já recebeu oito prêmios. No ano passado, fez uma individual no Masp e participou da 35ª Bienal de Artes de São Paulo, além da primeira Bienal das Amazônias, em Belém. No Museu do Pontal, sua exposição terá 21 pinturas, feitas com tintas a óleo e acrílica.

Raposa Serra do Sol: Carmézia no território onde viveu até os 29 anos — Foto: Arquivo pessoal
Raposa Serra do Sol: Carmézia no território onde viveu até os 29 anos — Foto: Arquivo pessoal

— Desde que o Augusto Luís começou a me inscrever na bienal, começaram a me procurar para participar de exposições fora de Boa Vista e perdi as contas de quantas obras já enviei para outras cidades. Ainda bem, porque aqui em Roraima quase ninguém dá apoio ao meu trabalho. São as pessoas de fora que me valorizam mais — diz. — Nunca pensei que iria chegar a esses lugares, porque comecei brincando. Viajei primeiro para Brasília; depois, fui para Piracicaba; e, agora, estou muito feliz de poder levar minha cultura para o Rio. Quero muito conhecer o mar e o Cristo Redentor.

Atualmente, Carmézia dedica quase o dia todo à arte. Pinta das 7h ao meio-dia e das 14h às 18h.

— Ligo meu rádio, fico ouvindo música e pensando em paisagens. Quando estou diante da tela, é como se não estivesse em casa. Fico viajando pelas matas da minha comunidade — revela. — Com frequência, volto ao meu território, para respirar natureza e tirar força desse contato. Gosto da minha comunidade mais do que da cidade, onde me sinto um passarinho na gaiola. Lá, vou passear no mato, pescar, nadar na cachoeira, subir serra, colher buriti...Quando volto lá, revivo tudo isso, embora muito da cultura que vivi esteja se perdendo, porque os antigos estão morrendo e os mais novos, sofrendo a influência da cidade. A comunidade não fala mais a língua macuxi, por exemplo, só o português. Isso me entristece muito.

Parixara: dança em roda típica das celebrações macuxi faz parte do imaginário criativo da artista — Foto: Divulgação/Jean Peixoto
Parixara: dança em roda típica das celebrações macuxi faz parte do imaginário criativo da artista — Foto: Divulgação/Jean Peixoto

Outras atrações do Festival das Culturas Indígenas

No sábado, o Festival das Culturas Indígenas do Museu do Pontal terá ainda uma oficina de pintura corporal com tinta extraída do jenipapo, às 10h; narração de histórias, com roda de dança e canto, às 11h; e apresentação de cantos e danças do coral Guarani Tenonderã, de Angra dos Reis.

Já no domingo, um destaque é o cacique e líder espiritual de 103 anos Augustinho da Silva Karai Tataendy Oka, da aldeia Araponga, de Paraty. Ele falará, às 15h45, sobre o ritual ancestral Nhemongara’I, em que o pajé batiza e planta sementes de milho, além de conceder proteção espiritual a crianças e jovens. A programação completa está no Instagram @museudopontal.

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