Se tempo é dinheiro, como afirma um antigo e famoso ditado, nada melhor do que mecanismos que ajudem a agilizar processos e, ainda, torná-los mais eficientes. É nesse contexto que ferramentas de inteligência artificial (IA), principalmente a generativa (ou seja, que gera conteúdos), têm surgido como uma solução em diversos setores, a exemplo do de gastronomia, que começa a dar os primeiros passos na adesão à tecnologia, a fim de aumentar a produtividade e a lucratividade dos negócios. De acordo com uma pesquisa da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), realizada em fevereiro com mais de cem empresários do segmento, 31% dos estabelecimentos do ramo no estado do Rio de Janeiro utilizam IA, 51% pretendem aderir ao recurso e 4% estão em fase implantação.
- Energia limpa vinda de longe: condomínios se associam a fazendas solares para ter descontos na conta de luz; saiba como funciona
- Como é bom ficar na fila: clientes ganham cerveja e petiscos de graça no Rio antes de entrar em bares e restaurantes
Na Grand Cru, umas das maiores importadoras e distribuidoras de vinhos finos da América Latina, com diversas lojas e restaurantes no Rio, como nos shoppings Vogue Square, Rio Design Barra, VillageMall e Fashion Mall, a novidade chegou no dia 11 de junho. Trata-se de Margaux, assistente virtual implantada para conduzir o atendimento nas plataformas digitais da marca, bem como no site. Durante a interação com o cliente, a ferramenta é capaz de fornecer informações para detalhamento do pedido, como quais rótulos e quantas garrafas se vai receber, status da compra, situação da entrega, data da cobrança e link da nota fiscal. Já os vendedores das unidades conseguem, por exemplo, ter acesso ao histórico dos consumidores recorrentes.
— Nossa intenção é reduzir esforço e aumentar a rapidez no suporte ao cliente. Isso sem perder a flexibilidade: para quem não deseja lidar com a IA, há a opção de, logo de cara, de falar com um dos nossos especialistas de vendas. Mas estamos com um número de retenção bem legal: 70% dos chamados estão sendo resolvidos pela própria Margaux, o que reduziu o tempo médio de atendimento de 17 para oito minutos — revela Vanessa Muniz, gerente do setor de experiência do cliente da Grand Cru. — Em termos de benefícios para o negócio, estamos falando de redução de custos e até mesmo de remanejamento de funcionários para atividades que agregam mais valor, como o departamento administrativo. Já as vantagens para o cliente, que antes tinha que mandar e-mail ou esperar ser atendido por telefone, são autonomia e agilidade num atendimento em tempo real.
![Grand Cru: importadora de vinhos lançou assistente virtual para conduzir atendimento aos clientes — Foto: Divulgação](https://s2-oglobo.glbimg.com/vBZyP5jw2sUWS8XpWJpUaV1A0i4=/0x0:1170x1276/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/p/S/iaBYooTCSCJmwqlAN0kQ/57288.jpg)
E Margaux logo terá funcionalidades novas, anuncia a gestora.
— Com o novo fluxo de informações que está abastecendo a ferramenta, mais voltado para os restaurantes da marca, a assistente virtual vai poder dizer qual unidade está mais próxima do cliente, indicando endereço e contato dos vendedores, e será capaz de funcionar como um sommelier, sugerindo vinhos com determinado tipo de uva e teor alcoólico e harmonizações com diferentes pratos. Estamos em fase de teste dessa função, que deve ser implantada em agosto ou setembro— conta.
A distribuidora lançou ainda sua nova ferramenta de atendimento eletrônico, que pode ser acessada pelos clientes por meio do número 4007 -1752, segunda a sexta, das 9h às 18h.
— Já tínhamos uma Unidade de Resposta Audível (URA, como a dos atendimentos eletrônicos dos bancos, por exemplo), mas era supersimples. Você apertava um número e já era direcionado para o setor desejado, não tinha nenhuma conversa. Na reformulação, fizemos uma curadoria de voz, para que a URA tivesse um tom consultivo, o que faz mais sentido com nossa proposta. Em seguida, conectamos a ferramenta com nossos sistemas, para que ele se tornasse capaz de buscar as informações que nossos clientes costumam pedir — explica Vanessa.
Ajuda até para fazer compras
Além do foco na experiência do cliente, a IA pode ser empregada ainda para o gerenciamento mais assertivo do negócio. Foi com esse objetivo que, há seis meses, a franquia de comida mexicana Jalapeño, cuja matriz fica na Estrada Rodrigues Caldas 299, na Taquara, aderiu à plataforma Alô Chefia, que auxilia na gestão de compra de produtos e no planejamento de produção, como a elaboração dos pratos, evitando desperdícios. O aplicativo apresenta ainda relatório de custos em determinado período.
![Alô Chefia: plataforma usada pelo Jalapeño ajuda na gestão de suprimentos e no planejamento de produção — Foto: Divulgação](https://s2-oglobo.glbimg.com/nEKePe8JB1bL6smpIqs8mm4-kFg=/0x0:2000x1145/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/f/t/23BZPxQWyUIuBpW2A4CQ/alochefia-plataforma3.jpeg)
— O Alô Chefia é um contato salvo no WhatsApp. Quando chega uma compra, por exemplo, eu posso mandar um áudio avisando que tais encomendas chegaram e ele já faz o registro de entrada no estoque. O mesmo vale para a saída de itens para a produção dos pratos. Com isso, ele entende o meu uso de insumos e me ajuda também a fazer lista de compras. Posso dizer: “Quero fazer compras do fornecedor X, me dá uma lista de compras”. Ele sabe o que está faltando e sugere. No momento de produzir alguma coisa, posso perguntar: “Quantas paneladas de porco consigo produzir?”. E ele vai dizer algo como: “Pelo seu estoque, consegue produzir tantas paneladas”. Pergunto ainda algo do tipo: “Consigo produzir tantas receitas de feijão?”. Ele responde se sim ou se não e aí diz de quais ingredientes e em que quantidade vou precisar — detalha Lucas Brouck, o dono da franquia.
![Taco: no Jalapeño, tecnologia é capaz de calcular quantos pratos podem ser feitos com o volume de itens no estoque — Foto: Divulgação](https://s2-oglobo.glbimg.com/DHphZdO1WRpL92tsOl5u0pXxObE=/0x0:1170x887/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/i/I/YOXt9jQGi0HO66OpIOHQ/89125.jpg)
O empresário conta que contribuiu no desenvolvimento do aplicativo.
— Como sou consultor de gestão gastronômica, os desenvolvedores me convidaram para dar pitacos na ferramenta. Quando vi que a solução deles podia se encaixar no meu negócio, já botei o meu restaurante para ser o piloto no uso da plataforma — diz. — A IA traz dados compilados e tratados que ajudam na tomada de decisões de forma mais profissional. A entrada dessas ferramentas representa uma grande virada para o setor, que é tão pouco profissionalizado. Os empreendedores, em geral, não são do ramo de administração ou gastronômico. Eu mesmo sou biólogo e sofri para aprender a gerir.
- Contrapartida ambiental: Parque Chico Mendes recebe sete mil mudas da Mata Atlântica e obras de revitalização
Já a Temakeria, que tem uma unidade na Avenida Olegário Maciel, implementou, há duas semanas, a plataforma Biud, que está sendo empregada para análise de comportamento de consumo e produção de dados que auxiliam na elaboração de estratégias para alavancar o faturamento.
— Temos muitos dados dos clientes, que captamos de diversas formas, como no clube de fidelidade, na fila de espera e quando é feita uma reserva, mas não estávamos sabendo usar esse material tão rico. Ela trata esses dados e consegue entender qual é melhor público, ou seja, o grupo que vem com mais frequência aos nossos restaurantes e que tem uma média de compras interessante para nós. Além disso, faz predições. Por exemplo: “Tal grupo de cliente está num período propício para compra. Se você fizer uma campanha, é provável que tenha tantos reais de retorno”— detalha João Victor Mello, coordenador de marketing da rede.
![Temakeria: IA ajuda rede a entender o comportamento dos clientes — Foto: Divulgação](https://s2-oglobo.glbimg.com/wUl7KwwOXnDgJmRMtkDkXB6LE-E=/0x0:1386x916/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/q/Z/VW823QQBAU7sKt3FsVGA/temakeria.jpg)
Agora que começou a entender de forma mais refinada o comportamento de seu público em cada região da cidade, o gestor diz que já está pensando criar novas estratégias, para grupos específicos e em dias determinados.
— Somos conhecidos pelo nosso rodízio, mas temos um menu à la carte extenso, e queremos que os clientes do rodízio o conheçam. Estamos pensando em fazer ofertas específicas para eles. Temos olhado também para os horários mais ociosos, como entre o almoço e o jantar, às 15h, na Barra, e como vamos ocupá-lo. Será que há quem queira e possa ir almoçar mais tarde? — reflete. — O mais importante é saber fazer a pergunta certa para a ferramenta. E, para isso, ainda precisamos do capital humano. Ela não nos substitui; só torna mais eficiente o processamento de informações.
Especialista em negócios gastronômicos, Bianca Fraga avalia que a tendência é que a adesão à IA no restaurantes aumente, sobretudo por não demandar um investimento alto.
— Ainda há donos de restaurantes familiares e tradicionais que são muitos resistentes a essa tecnologia, mas temos visto uma leva de empreendedores mais novos e já antenados nessas novidades, que vão penetrar cada vez mais no mercado gastronômico — pontua. — O empreendedor que usa IA naturalmente tem mais tempo e autonomia para ficar alguns dias fora do negócio e se dedicar mais às decisões estratégicas. Quem não usar IA vai ficar para trás.