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Ideologia do educador Paulo Freire volta ao centro de debate

O presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) questiona filosofia do educador, 21 anos após sua morte

Paulo Freire começou a atuar como educador em 1947
Foto: Arquivo O Globo 1989 / Silvio Correra
Paulo Freire começou a atuar como educador em 1947 Foto: Arquivo O Globo 1989 / Silvio Correra

RIO — Um dos maiores nomes da educação brasileira e referência mundial na área, Paulo Freire volta a estar no centro de um debate político, 21 anos após sua morte. Se durante a ditadura militar Freire foi preso e exilado do país, agora, o candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) defende, em seu plano de governo, expurgar a filosofia freiriana das escolas . Formado em advocacia, Paulo Feire começou a atuar como educador no Sesi em 1947, com a missão de alfabetizar trabalhadores adultos. Em suas experiências, notou que as abordagens de alfabetização para crianças e jovens eram inadequadas aos adultos. Começou, então, a fazer experimentos, que mais para frente se tornariam os princípios freirianos.

O educador defendia um ensino que fosse próximo ao repertório social e cultural de cada um , e que considerasse cada experiência de vida, principalmente a do trabalho, já que, naquele caso, ele estava alfabetizando trabalhadores. A partir do momento em que as pessoas se identificassem com o conteúdo, a aprendizagem se tornaria mais prazerosa, e o processo se daria de uma forma mais natural. Na prática, em vez de aprender a escrever a palavra “palácio”, um adulto de classe popular poderia começar pela palavra “tijolo”, já que faz parte do seu contexto social.

— Ele defendia a relação horizontal do saber. O professor não sabe mais do que o aluno, o que ele sabe é diferente. Nessas trocas os sujeitos vão poder ampliar seus conhecimentos, tanto os professores, quanto os trabalhadores que estudam. E a existência desses trabalhadores é resultante da desigualdade social, mudando completamente a visão do analfabetismo. Antes, quem não sabia ler e escrever era visto como incapaz, uma pessoa que não era inteligente. A vítima era culpabilizada. A filosofia da relação do sujeito com o objeto de conhecimento em situações culturais de aprendizagem é o que muda o foco e a forma de ver a escola — explica a professora da Faculdade de Educação e do programa de pós-graduação em Educação da Uerj Jane Paiva.

Para ela, apesar de o nome de Paulo Freire ser muito citado, poucas escolas seguem, de fato, sua filosofia. Jane critica as práticas autoritárias do ensino, nas quais quem detém o conhecimento é o professor, e em que o saber dos alunos, sejam eles crianças ou adultos, não é reconhecido. Ela ressalta, ainda, que outros estudos, que sucederam Paulo Freire, também mostraram que o processo de aprendizado se dá a partir das relações estabelecidas não só dentro das escolas, mas em todos os espaços sociais, reforçando o que ele falava.

— Que bom seria se as escolas adotassem os princípios freirianos, que reconhecem as diferenças entre as pessoas, que os processos de aprendizagem são diferentes e que todo não saber é fruto da desigualdade — diz Jane.

Nas escolas

Há 27 anos, o Colégio Integral Solar, que faz parte da ONG Solar Meninos de Luz, em Copacabana, oferece aulas para crianças e jovens moradores das comunidades do Pavão Pavãozinho e do Cantagalo, além de alfabetização de adultos. Uma das filosofias adotadas é a de Paulo Freire. Diretora pedagógica, Isabella Maltaroli explica que a escola procura valorizar as experiências de vida dos alunos. A alfabetização, apesar de não seguir o método freiriano, e sim o psicolinguístico, tem como ponto de partida frases ditas pelos próprios alunos. Em vez de livro, a escola elabora uma cartilha junto com eles, aproximando ainda mais o educando do objeto de estudo.


Juntas, crianças do Colégio Integral Solar aprendem noções sobre lixo e compostagem
Foto: Divulgação/Solar Meninos de Luz
Juntas, crianças do Colégio Integral Solar aprendem noções sobre lixo e compostagem Foto: Divulgação/Solar Meninos de Luz

Paulo Freire também defendia a escola em tempo integral. No Solar, a carga horária diária é de 10h. Além das aulas, os estudantes podem escolher entre 50 atividades extracurriculares, como oficinas de música, dança, inglês e informática. Manter os jovens mais horas no colégio é uma forma de mostrar a eles que o caminho da educação pode melhorar sua condição de vida, ao mesmo tempo que os afasta da criminalidade. É nisso que Isabella acredita.

— Mostramos que só existe uma forma de combater o tráfico muito mais eficaz do que o poder bélico, e é através da educação, que pode transformar a vida dos moradores de comunidades. É o que os liberta dessa repressão toda, do pensamento de que quem nasce pobre vai morrer pobre. Mostramos que essas vidas podem ser transformadas — diz.

Para ela, é um ato de rebeldia saudável uma criança perceber que e o estudo facilita a inclusão social.

— Paulo Freire permitiu que se olhasse também para as classes menos favorecidas, que são as que mais precisam da melhor educação. Ele colocava os alunos para falar, dizer suas opiniões. Por isso o pensamento crítico incomoda quem gosta de padronizar tudo, quem defende o autoritarismo — comenta Isabella.

Na Escola Parque, na Gávea, a preocupação de pedagogos, assim como a de Freire, é com uma educação horizontal, na qual o professor não seja o detentor do conteúdo. A escola também procura contextualizar os ensinamentos, com exemplos próximos da realidade dos alunos. A diretora pedagógica Patrícia Konder Lins e Silva explica, ainda, que os estudantes são estimulados a discutir uns com os outros para construir pensamentos críticos e soluções viáveis.

— A escola é um lugar para as pessoas desenvolverem suas capacidades intelectuais, e não de receberem conteúdos. Paulo Freire, assim com muitos outros educadores, contextualizava a educação. Ele lançou essa semente lá no passado. As crianças aprendem textos que fazem sentido para a vida delas — relata Patrícia.

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