Administrar uma autoescola, com cinco funcionários, que arrendou há aproximadamente dois meses; decorar seu novo apartamento alugado de três quartos, a cerca de 15 quilômetros do Centro de Curitiba; e ainda montar sua loja virtual com roupas e acessórios variados para mulheres. Esta é a rotina atual de Jéssica Pinto da Luz, de 31 anos, realidade bem diferente da que vivia há quase dez anos, quando ficou conhecida como a “Mendigata” de Niterói, após ter sido descoberta por uma reportagem do GLOBO-Niterói.
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Quem é a 'Mendigata' de Niterói?
Na época, Jéssica era usuária de drogas e morava nas ruas do Centro da cidade. Natural do Espírito Santo, Jéssica conta que perdeu a mãe assassinada quando tinha apenas 3 anos. Com pai alcoólatra, a menina cresceu entre a casa dos avós e diferentes abrigos e sonhava um dia tornar-se atriz e modelo. Foi por isso que, aos 13 anos, decidiu seguir para o Rio de Janeiro, de carona.
Veja fotos com o antes e depois de Jéssica Luz, a "Mendigata" de Niterói
Jéssica revela que a última vez que usou drogas foi em 2014 e relata ter vários planos para o futuro, entre eles, comprar um carro, um apartamento e a empresa que arrendou. A jovem destaca, no entanto, que seu principal sonho é conseguir a guarda da filha Sophia, de 11 anos, que mora com sua irmã, em São Paulo. A jovem também teve um filho, Carlos Augusto, de 16 anos, que foi adotado.
— Eu usava o tíner como uma questão de sobrevivência, para perder o medo e não sentir fome. Fui para uma clínica de reabilitação quando minha história ficou conhecida, mas nunca fui viciada, embora a droga cause dependência química. Na época ganhei um book para trabalhar como modelo, cheguei a sair em algumas revistas e fazer figurações em novelas. As pessoas me pediam autógrafos na rua. Tentei agarrar as oportunidades, mas elas não vieram — lembra Jéssica.
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Sonho de se formar na faculdade
A jovem acrescenta que tem outros sonhos, como poder empregar pessoas que tiveram histórias parecidas com a dela, além de se formar na faculdade.
— As ruas foram uma escola para mim. Aprendi muito, mas lá não é lugar para ninguém. É muito difícil acordar em cima de um papelão, não ter onde tomar banho, não ter o que comer. Ter isso tudo hoje é o que me faz ter mais força e coragem para conquistar mais. Poupo o dinheiro que posso, invisto no banco e em diferentes negócios, porque não quero nunca mais voltar para as ruas. E quero poder ajudar outras pessoas a saírem dessa realidade também. É muito difícil se reerguer — reflete Jéssica, que também está em busca de uma máquina de fazer salgados para vender. — Não tenho ninguém para me dar suporte. Não posso me dar ao luxo de quebrar; preciso ter sempre algo em vista.
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Como está a 'Mendigata' de Niterói?
Depois que saiu das ruas, Jéssica vendeu água de coco e refrigerante na Praia de Copacabana antes de decidir deixar o Rio de Janeiro. Em suas andanças pelo país, foi para Teresina, no Piauí, onde trabalhou para uma empresa que vendia marmitas, e, em 2017, instalou-se em Registro, no interior de São Paulo, onde empregou-se em uma fábrica de palmito, teve uma noiva e ficou até 2022, quando seguiu para o Paraná. Antes de arrendar a autoescola, em Curitiba, trabalhou como auxiliar administrativa e depois gerente administrativa no empreendimento, pelo qual acaba de tirar a carteira de motorista:
— Vim para Curitiba porque também é uma cidade boa para trabalhar, e eu precisava recomeçar. O passado sempre vem à mente, mas quero viver o hoje, ser feliz, amar e ser amada. Mesmo sem muito estudo, consegui um bom emprego. Recentemente aluguei um apartamento maior para poder receber melhor a minha filha, meu maior sonho. Também sonho um dia me formar em Medicina, e quem sabe ainda trabalhar como modelo e atriz? Está longe da minha realidade hoje, mas ainda é um sonho.
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Marco Moreira, o repórter que primeiro a entrevistou para O GLOBO-Niterói, tornou-se um amigo.
— Fui fazer a matéria quando o colega de redação Gustavo Schmidt me ligou, no fim de tarde de um dia de semana, e disse que havia uma menina muito bonita nas calçadas do Centro de Niterói. Fui lá no mesmo dia e conheci a Jéssica. Ela estava triste, desconfiada, arredia, sentada em um colchão, na calçada, numa avenida principal. Falei sobre a possibilidade de fazer uma matéria para O Globo e na mesma hora Jéssica se interessou. Eu comentei que a matéria poderia trazer coisas boas para ela, como tratamento para dependência química, ou alguém acenando com um trabalho ou outra oportunidade. A partir dali, muitas coisas boas aconteceram para ela. E nós viramos amigos e nos falamos até hoje. Ela diz que eu sou "um anjo" que entrou na vida dela. Fico feliz por ter ajudado de alguma maneira — diz o jornalista.
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