Alvo de pelo menos três ações na Justiça por irregularidades em suas contratações de pessoal, a prefeitura tem mais servidores comissionados, temporários ou CLTs do que concursados. Um levantamento realizado pelo GLOBO-Niterói, a partir dos dados do Portal da Transparência do município, revela que dos 14.910 servidores (prefeitura, autarquias e fundações) que constam na folha de pagamento de maio, 7.290 são estatutários efetivos. A situação também chama a atenção na administração direta. Na Secretaria Executiva, por exemplo, dos 254 servidores, 242 são comissionados, e há apenas quatro efetivos.
Responsável pela gestão dos servidores, a Secretaria de Planejamento e Modernização de Gestão conta com 112 servidores, segundo a folha de maio; porém, apenas 22 são concursados. Até mesmo o gabinete do prefeito tem déficit de servidores públicos concursados. Dos 40 servidores, há apenas quatro estatutários: 25 são comissionados; e 11, cedidos. Especialistas em direito administrativo e serviço público chamam a atenção para este tipo de prática, que, dizem, abre precedentes para uma série de irregularidades e uso político da máquina, além de ferir princípios constitucionais.
Em nota, a prefeitura afirmou que não há qualquer lei ou outro ato normativo que determine percentuais específicos.
Sérgio Praça, cientista político e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), destaca que a contratação de cargos em comissão é mais suscetível a pressões do alto escalão devido ao vínculo precário dos contratos.
— É importantíssimo ter funcionários concursados para evitar o uso político e partidário da estrutura pública. Servidores concursados são muito menos suscetíveis a esquemas de corrupção do que funcionários comissionados. Além disso, frequentemente funcionários comissionados não entendem o básico sobre a área em que foram colocados para trabalhar, e isso afeta diretamente a provisão de bons serviços públicos para os cidadãos de Niterói — afirma o professor.
A Procuradoria-Geral do Município (PGM) destaca que instituiu um grupo de trabalho com o objetivo de realizar o mapeamento das vagas efetivas não preenchidas existentes na administração pública direta e indireta.
Essa atitude veio após, no dia 28 de maio, a 3ª Vara Cível de Niterói, do Tribunal de Justiça, ter dado 180 dias para que o prefeito Axel Grael (PDT) elaborasse o mapeamento das vagas efetivas não preenchidas existentes na administração pública direta e indireta. O documento determinou também que o chefe do Executivo apresente a relação de quantos cargos efetivos precisam ser criados para a adequada prestação dos serviços públicos na cidade.
“Na leitura das publicações oficiais é comum encontrar atos de transformações de cargos, o que dificulta sobremaneira a identificação da cadeia de cargos e, assim, se obstaculiza o fiel cumprimento dos julgados e do acordo outrora pensado. É de se dizer que, mesmo tendo sido formalizado administrativamente o acordo, o Município de Niterói insiste na mesma postura recalcitrante que gerou o quadro de (des)estrutura administrativa gravíssimo”, diz um trecho do documento.
Em 2022, o TJRJ determinou que uma taxa de 50% de cargos em comissão fosse preenchida por servidores públicos de carreira no município.
Câmara: situação similar
O procurador federal Jonathan Mariano destaca que Niterói tem sistematicamente descumprido essa decisão do TJRJ e lembra a Constituição Federal, que orienta estados e municípios a implementarem leis que estabeleçam um percentual de cargos em comissão.
— Niterói não cumpre a interpretação que o STF empregou à Constituição ao estabelecer que deve existir uma proporção lógica entre cargos em comissão e cargos efetivos, assim como os cargos em comissão não podem exercer atividades burocráticas ou administrativas, como tem acontecido em Niterói, considerando o alto número de servidores em comissão atualmente existentes em comparação aos servidores de cargos efetivos — comenta.
Na Câmara dos Vereadores da cidade a realidade é a mesma. Dados do Portal de Transparência do Tribunal de Contas do Estado (TCE) destacam que, dos 669 funcionários declarados pela Casa, 330 ocupam cargos em comissão; e 47, cargos de confiança. Cerca de 40%, ou seja, 268 trabalhadores são efetivos. Procurado para comentar a questão no Legislativo, o vereador Milton Cal Lopes (PP) se limitou a dizer que a aplicação de concurso público está em pauta, mas não informou prazos nem mecanismos legais que estabeleçam o equilíbrio entre funções comissionadas e de carreira.
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