Rio Bairros

Teatros de Jacarepaguá testam programação para transformar vizinhos em plateia

Casas reforçam atrações ao abrirem seus palcos para artistas locais

O teatro da Escola Sesc, com 600 lugares, apresenta em média 70 espetáculos por ano
Foto: Marcos Ramos /
Agência O Globo
O teatro da Escola Sesc, com 600 lugares, apresenta em média 70 espetáculos por ano Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo

RIO — Enquanto os centros culturais da Barra já têm espaço consolidado na agenda da cidade, os de Jacarepaguá lutam para atrair público, até mesmo seus vizinhos. As estratégias são variadas e incluem iniciativas como franquear os palcos para receber espetáculos de artistas dos arredores e oferecer apoio para realização das produções. Aos poucos, contam os gestores, os resultados vão aparecendo, e um público que nem sabia da existência destes espaços tão perto de casa começa a frequentá-los.

Supervisora de cultura do teatro Firjan Sesi Jacarepaguá desde o ano passado, Marcielly Vanucci conta que faz experimentações para entender os moradores de Jacarepaguá. Primeiro, apostou em apresentações únicas de espetáculos selecionados pelo Sesi para rodar suas unidades pelo país. Agora, testa minitemporadas, com encenação, por até duas semanas, de peças que foram destaque em outras partes da cidade.

As duas iniciativas vêm tendo êxito. A luta, agora, é para preencher horários ociosos e criar atrativos para os mais jovens, já que a terceira idade é mais assídua na plateia. Desta proposta surgiu o Caixa Aberta, em outubro do ano passado, projeto pelo qual artistas, preferencialmente os do bairro, podem se apresentar no teatro. Como são espetáculos menores, os espectadores não se sentam nos 322 lugares da plateia, e sim sobre o palco, onde são dispostas até 70 cadeiras em formato de arena. Assim, a troca entre artistas e público é maior, diz Marcielly:

— Os artistas recebem pelos espetáculos. E, depois da apresentação, falam sobre a produção e o seu processo de criação. Queremos fazer o Caixa Aberta todo mês, mas esta ainda é uma pauta alternativa. Há uma galera de 20 e poucos anos que queremos trazer para o teatro e que temos visto voltar para assistir à programação.


Marcielly Vanucci, supervisora de cultura do Teatro Firjan, analisa aceitação de pequenas temporadas
Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo
Marcielly Vanucci, supervisora de cultura do Teatro Firjan, analisa aceitação de pequenas temporadas Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo

Para atrair outros perfis, a programação já teve oficinas para crianças, a mostra Novos Talentos do Teatro e a cessão do espaço para ensaios. Os domingos têm sido dos infantis, a exemplo de “Era uma vez um tirano”, da Cia. Cerne , que será apresentado neste fim de semana, às 17h.

O promotor cultural do teatro Firjan Sesi, Artur Torres, diz que tenta aprender mais sobre o potencial artístico de Jacarepaguá estando em contato com quem faz arte. Ele está inscrito no curso Qualificação Profissional em Produção Cultural, oferecido pelo centro cultural da Escola Sesc de Ensino Médio e voltado para moradores do bairro e dos arredores já envolvidos em projetos. Entre os colegas de turma, encontrou gente que já passou pelo Caixa Aberta.

— O programa é uma chance de iniciar o portfólio. A produção estreia no Sesi e depois consegue ir para outros lugares — afirma Torres.

O curso da Escola Sesc é aberto ao público. As aulas teóricas e práticas, sempre aos sábados, são ministradas por especialistas convidados. O coordenador-geral de cultura da Escola Sesc, Leonardo Minervini, diz que esta é uma forma de incentivar os profissionais das artes. Anualmente, seu teatro, com 600 lugares, recebe em média 70 espetáculos, a maioria em única apresentação e todos gratuitos. Atrai cerca de 75 mil espectadores, a maioria deles graças a parcerias com 80 escolas públicas da Zona Oeste e à interlocução com agentes culturais da região. O foco é cativar os mais jovens.

— O papel do Sesc é incentivar a produção local. Nossa missão é promover a convivência sociocultural com o público de 15 a 29 anos, majoritariamente — diz.


Anderson Motta (à esquerda) Nicole Maia, Artur Torres, Denis Nascimento, Banditt e Erika Alves fazem curso no centro cultural da escola
Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo
Anderson Motta (à esquerda) Nicole Maia, Artur Torres, Denis Nascimento, Banditt e Erika Alves fazem curso no centro cultural da escola Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo

Cofundador do movimento Cultura Urbana , que reúne, no Tanque , cineclube, oficinas de teatro e eventos, Anderson Motta é outro participante do curso na Escola Sesc. Ele aponta como vantagens, além do conhecimento adquirido, o aumento de sua rede de contatos e o aprendizado extra obtido quando está na plateia dos espetáculos exibidos no teatro do local.

— Hoje, com o que aprendi, consigo delegar tarefas no meu projeto, o que acaba me transformando num multiplicador. E um dos colegas do curso vai se apresentar no meu cineclube — conta.

Quanto menores, mais trabalho

As pequenas casas de Jacarepaguá também mantêm a programação em movimento com ajuda dos vizinhos artistas. Na Lona Cultural Municipal Jacob do Bandolim , os shows são o destaque. Aos poucos, porém, o teatro tem ganhado mais destaque, inclusive com oficinas: em breve, será iniciada uma às segundas-feiras, para iniciantes, e já há outra, às quartas, para profissionais com experiência. A cessão do espaço para quem quiser apresentar suas montagens também tem sido bem recebida. No momento, as produções infantis rendem as maiores bilheterias. Em maio, uma sessão de “Baby shark” levou 350 pessoas à lona.

Outros eventos, a exemplo da festa julina que vai de hoje a domingo, ajudam a divulgar a lona e o seu calendário. A dificuldade, conta Rômulo Johann Lima Gomes, um dos gestores, é ser rentável. Uma iniciativa que tem ajudado a atrair público é a exibição de peças selecionadas por edital para encenação em aparelhos culturais do município:


Rômulo Gomes, um dos gestores da Lona Cultural Jacob do Bandolim, aposta também em oficinas para leigos e profissionais
Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo
Rômulo Gomes, um dos gestores da Lona Cultural Jacob do Bandolim, aposta também em oficinas para leigos e profissionais Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo

— Não adianta ter dez mil pessoas curtindo nossa página no Facebook se elas não vêm aqui. A solução é abrir de fato o espaço para produtores e público. Fazíamos teatro com 15 ou 20 pessoas na plateia. Agora, com as produções com fomento da prefeitura, conseguimos de 80 a 120. Já chegamos a 200 em uma sessão, e isso para nós é muito.

Os 282 lugares do Teatro Iracema de Alencar , no Retiro dos Artistas , estariam vazios se não fosse a agenda de eventos como seminários e formaturas. A locação do espaço é uma das principais fontes de renda do residencial. Este ano, nenhuma produção artística ocupou o palco, exceto pelo “Programa cabeça”, que reúne esquetes de diferentes grupos teatrais. No ano passado, foram cerca de 50.

A administradora-geral do Retiro, Cida Cabral, conta não investir em produções próprias, montadas pelos residentes, por entender que, na região, somente peças com nomes de peso no elenco e intensa divulgação trariam retorno financeiro.

— Seria muito difícil montar um espetáculo, e, se não se fizer algo bacana, o público não aparece — diz.

Nomes como Heloísa Perissé, Nathalia Timberg e Rodrigo Sant’Anna fizeram apresentações no teatro nos últimos anos, revertendo a bilheteria para o Retiro. Apesar da vontade de receber temporadas, ações como essas ainda são pontuais.


Retiro dos Artistas aluga seu teatro para eventos
Foto: Bruno Kaiuca / Agência O Globo
Retiro dos Artistas aluga seu teatro para eventos Foto: Bruno Kaiuca / Agência O Globo

— Posso garantir que somos um dos melhores teatros do Rio e estamos de portas abertas. Temos som e luz de primeiríssima qualidade. Estamos aptos a receber espetáculos de qualquer tamanho. As pessoas às vezes não alugam porque não conhecem o espaço — afirma.

Ator e produtor profissional há 17 anos, Marcus Tardin já fez trabalhos em pequenos e grandes espaços do bairro. Gosta de, após as sessões, discutir com a plateia os principais temas abordados no palco. Ao lado da atriz Kenny Alberti, exibe pela cidade, no momento, “Na hora do adeus”, espetáculo sobre saúde mental que aborda, de forma leve, temas como depressão e suicídio. Em agosto, a peça estará no teatro da Fraternidade Espírita Irmãos de Cascais (Feic), na Freguesia. Comparando Jacarepaguá com outras áreas, ele diz que o crescimento da plateia vem ocorrendo, mas lentamente.

— Existe esse movimento de descoberta dos teatros de Jacarepaguá, mas ele ainda é tímido, muito aquém do que poderia ser. Temos poucos espaços na região para receber o público com estrutura. O Firjan Sesi tem uma programação continuada. O do Retiro dos Artistas é excelente, mas recebe menos espetáculos. O da Fraternidade Espírita tem uma agenda bem espaçada, que não é comercial — compara.

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