Tijuca e Zona Norte
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Por Regiane Jesus — Rio de Janeiro

Presídio da Frei Caneca. Final da década de 1990. Condenado a 108 anos de reclusão, Edson Sodré não tinha perspectiva alguma de sair da cadeia. Mas o desejo de reconquistar a liberdade era uma obsessão. A chegada do projeto Teatro da Prisão, realizado por professores e alunos da Unirio na extinta penitenciária, parecia a grande oportunidade do atual morador do Jacarezinho de escapar daquele lugar sombrio.

Mas, naquele momento, a sua intenção não era aguardar para sair pela porta da frente. Inicialmente, o então presidiário frequentava as oficinas artísticas porque o local onde elas aconteciam era o mesmo que dava acesso a uma manilha de esgoto que já havia sido usada por outros detentos para fugir.

Transformadora por natureza, a arte libertou o ex-assaltante desta ideia. E mais. Mudou sua mente, que insistia em ser pautada por atos fora da lei. Se foi por obra de Dionísio, o deus do teatro, não se sabe. Mas o fato é que algo, digamos, divino aconteceu. A arte da tragédia e da comédia ofereceu uma nova vida ao homem que já tinha perdido a esperança de reconquistar o direito de andar nas ruas sem dívidas com a Justiça e de ser respeitado pela sociedade.

A partir daí, tudo mudou. Não à toa, já em regime semiaberto, além de estar no último período de Licenciatura em Teatro na Unirio, usa o seu testemunho particular para impedir que adolescentes do Jacarezinho caminhem, no futuro, na direção do crime. Ao lado de Adriano Oliveira, a quem conheceu na penitenciária Bangu 2, após ser transferido para lá, criou, em 2009, o grupo de teatro Kriadakí, que se apresenta regularmente no Centro Cultural do Jacarezinho com apoio do Cria RJ, projeto de aceleração de desenvolvimento social.

O objetivo do Kriadakí é ampliar o seu raio de ação oferecendo para os jovens, crias da favela, oficinas gratuitas de teatro e esporte, além de capacitação escolar. Passo a passo, o sonho de Sodré e Oliveira começa a entrar nos trilhos. O grupo de teatro foi classificado em um edital da Fiocruz que prevê uma verba para que a dupla dê aulas de interpretação para 180 jovens. O coletivo ainda foi beneficiado com emendas parlamentares para que possa levar cultura aos menores infratores que vivem no Degase.

Edson Sodré (à esquerda) e Adriano Oliveira moram no Jacarezinho — Foto: Divulgação/Pedro Prado
Edson Sodré (à esquerda) e Adriano Oliveira moram no Jacarezinho — Foto: Divulgação/Pedro Prado

Ator, dramaturgo e diretor, Sodré, de 61 anos, explica o que significa ter a oportunidade de prestar um serviço à sociedade por meio do teatro.

— Mais do que artística, a função do Kriadakí é social. Após as apresentações, fazemos uma roda de conversa com os jovens para que nunca repitam a nossa história. Sempre afirmamos que o crime não compensa. Em março, voltaremos a nos apresentar no Degase, o que nos deixa muito felizes porque eles precisam ouvir o que temos a dizer através da arte e da nossa experiência pessoal. Uma das peças que escrevi, “O evangelho segundo Dionísio”, passa a mensagem de que o teatro e a educação salvam vidas — diz

Sodré foi salvo por essas duas potências transformadoras. Ele cursou o ensino médio após ser apresentado ao teatro pelo projeto da Unirio, assim como se tornou um leitor voraz de grandes filósofos da humanidade, como Friedrich Nietzsche, depois deste encontro que mudou a sua cabeça. Nessa época, ele sequer tinha a esperança de deixar a cadeia, mas, de alguma forma, já havia encontrado uma certa liberdade.

— No palco, quando ainda estava preso na Frei Caneca, eu me sentia livre. O teatro me levou à literatura e à vontade de voltar a estudar. Foi um renascimento — ressalta Sodré.

Oliveira, de 50 anos, nascido, criado e morador do Jacarezinho, também experimentou o que é uma ressurreição. A sua trajetória inclui as fases de menor infrator e presidiário, bem antes do atual cargo de educador social na unidade de acolhimento da Praça da Bandeira, instituição administrada pela Secretaria municipal de Inserção Social.

— Na minha infância, o meu direito constitucional de ter ali mentação e educação foi roubado. A minha realidade era de miséria. Vi o crime desde muito cedo na porta de casa, e quando não se vê luz no fim do túnel, não se enxergam oportunidades, é difícil fugir desse mundo. Aos 13 anos, roubava para comer. Fui para o erro por passar muita necessidade. A arte foi a forma que encontrei de passar a mensagem de que quem nasce na favela também pode, com estudos e muita luta, conquistar uma vida digna. O acesso à cultura é muito importante. Eu nem sabia o que era teatro. Quem me apresentou o palco foi o Sodré, em Bangu 2, em 2008. Quando saí da penitenciária, em 2010, tinha absoluta certeza de que jamais voltaria a cometer um crime. Eu também sentia a necessidade de contar a minha história para os jovens para tentar impedi-los de fazer o que fiz no passado. Só agradeço por ter encontrado o teatro e conquistado uma nova vida — observa o ator, diretor e dramaturgo, que já não tem mais dívida com a Justiça.

Edson Sodré (à esquerda) e Pedro Prado em sessão de teatro no Degase — Foto: Divulgação/Pedro Prado
Edson Sodré (à esquerda) e Pedro Prado em sessão de teatro no Degase — Foto: Divulgação/Pedro Prado

Gratidão é uma palavra que Sodré costuma repetir. Ele é grato pela amizade com Oliveira, que rende a parceria no palco; a criação de peças de teatro, como “A semente”, apresentada no Centro Cultural do Jacarezinho. É grato também pela ajuda de uma família de advogados que durante cinco anos foi a sua principal fonte de sustento. E, claro, é grato pela ação da arte na sua vida.

— O teatro me fez pensar, sonhar, me sentir vivo e querer ser uma pessoa de bem. O que sou hoje é graças ao teatro. O Kriadakí nasceu para que jovens possam ser médicos, professores, artistas, enfim, o que quiserem ser dentro da lei. Foi o teatro que abriu as portas da prisão para que eu saísse — frisa.

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