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Por — Rio de Janeiro

Quis o destino, os deuses do teatro ou uma força estranha que o primeiro personagem de Milton Filho, intérprete do Edgar da novela “Fuzuê”, da TV Globo, fosse um revolucionário, ativista de uma casa libertária. Na infância, o então morador de Guadalupe, filho do meio de uma mãe preta que se desdobrava em mil para dar “do bom e do melhor” às três crianças que havia colocado no mundo, sequer poderia cogitar a possibilidade de ser artista, salvo por obra do acaso. Foi o que aconteceu.

Quando cursava o 3º ano do ensino fundamental I, aquele menino, de 8 anos, foi excluído do grupo de teatro formado na escola particular em que estudava, na Pavuna, por um motivo não explicitamente revelado. Cogita-se a possibilidade de ele não ter sido escolhido para fazer parte do elenco do espetáculo em homenagem a Tiradentes por ser bolsista ou pela cor da pele. No dia da apresentação, no entanto, o garotinho escalado para dar vida ao líder da Inconfidência Mineira sofreu uma crise nervosa e desistiu de subir ao palco. O pequeno Milton, que não perdia a chance de assistir aos ensaios, se prontificou para substituir o colega. Foi o bastante para se encantar pela arte de representar e mostrar o seu talento. Sentia que havia nascido para os aplausos. Mas para seguir este caminho precisou conciliar a vocação artística e as oficinas gratuitas de teatro em lonas culturais com um curso técnico de eletricista industrial, além do emprego como atendente de uma rede de fast food, entre outros ofícios que mal garantiam o seu sustento.

Milton Filho com o ator Hugo Kerth no espetáculo "Atlântida" — Foto: Divulgação/Claudia Ribeiro
Milton Filho com o ator Hugo Kerth no espetáculo "Atlântida" — Foto: Divulgação/Claudia Ribeiro

Ainda assim, não desistiu, seguiu em frente e aos 42 anos carrega no currículo espetáculos como “Chacrinha, o musical”, “Zeca Pagodinho, o musical” e “Quando a gente ama”. Trabalhos na TV, no streaming e no cinema, como o filme “Noel, o poeta da Vila”, também se somam na sua trajetória. Neste domingo (19), ele estreia “Atlântida — Uma comédia musical”, no Teatro Dulcina, em um papel que homenageia o mestre Grande Otelo. A trajetória de Milton, morador de Cascadura, é fruto também de um ideal libertário em que se luta com as armas da arte e da educação contra a desigualdade social e o racismo. Sem dúvida, um convite à reflexão no Dia da Consciência Negra.

— A arte não era uma opção para o filho de uma mãe solo, preta, que precisava trabalhar em três, quatro empregos, para sustentar a casa. Mas, no teatro da escola, quando fui aplaudido ao dizer “Libertas quæ sera tamen” (célebre frase da Inconfidência Mineira, que significa “Liberdade ainda que tardia”), eu senti ali que queria ser ator por toda a minha vida. Vi a minha mãe, emocionada, me assistindo em cena, e aquilo me marcou muito. Foi difícil chegar àquele lugar, porque o fato é que eu estava fora do elenco da peça. Não sei se por um recorte racial ou se por ser bolsista. Mas, sem dúvida alguma, fui vítima de preconceito racial ou social, ou as duas coisas. Ao ser aplaudidíssimo, entendi que seria livre, que não ficaria preso à posição em que quisessem me colocar. De jeito nenhum — frisa.

Milton Filho interpreta do Edgard da novela "Fuzuê" — Foto: Divulgação/Fabio Rocha/TV Globo
Milton Filho interpreta do Edgard da novela "Fuzuê" — Foto: Divulgação/Fabio Rocha/TV Globo

Nem questões de ordem pessoal o impediram de exercer a carreira de ator.

— Saí cedo de casa para morar com a mãe da minha filha, Cassiane, que já está com 21 anos. A união não deu certo porque a minha ex-mulher queria me afastar da arte. Nessa época, eu trabalhava como representante comercial de produtos de salão de beleza e também fazia teatro. Apesar de querer ter uma família, não podia deixar o teatro de lado. Compreendo a preocupação da mãe da minha filha em relação à insegurança do trabalho no meio artístico, mas estávamos em caminhos opostos. Felizmente, nos tornamos grandes amigos. Tempos depois, eu me descobri um homem gay. Foi complicado porque já era pai e também o único filho homem da minha mãe. Mas fui acolhido, cheguei a ser dono de um bar LGBTQIA+, em Cascadura, e abraço esta causa, assim como a causa antirracista — diz o artista, que está no Instagram com o perfil @miltonfilhoator.

O racismo nosso de cada dia, Milton conhece bem. Seja um olhar de desconfiança quando se entra em uma loja ou alguém que atravessa a rua, às pressas, segurando a bolsa com força, ao avistá-lo. A dor é na alma. Mas já foi física também.

Milton Filho estudou teatro em lonas culturais da cidade — Foto: Divulgação/Marcio Farias
Milton Filho estudou teatro em lonas culturais da cidade — Foto: Divulgação/Marcio Farias

— Em 2014, eu estava em cartaz no Teatro João Caetano com o musical “Quando a gente ama”. Como sempre fazia, peguei um ônibus em Guadalupe, onde morava, com destino ao Centro. Estava folheando a revista Quem, feliz, porque tinha saído uma foto minha com a Cris Vianna, que fazia o meu par romântico no espetáculo. De repente, fui tirado do ônibus a tapas por policiais, que sem motivo algum desconfiaram de mim. A minha sorte é que o policial que não estava me batendo viu a minha foto na revista e mandou o colega parar com a agressão. Fui salvo pela arte. Tive um dente quebrado. Cheguei no teatro arrasado, mas lavei a boca e fui para o palco fazer o meu trabalho. Desejo que essas dores estejam um dia apenas nos livros de história — observa.

Fazer parte dos avanços é motivo de satisfação.

— Estamos tendo abertura para falar da nossa ancestralidade. Em “Fuzuê”, quase 50% das pessoas da equipe são negras. Durante muito tempo, eu era o único negro do elenco. Isso mudou. Que chegue o dia em que sejamos chamados só de atores, não de atores negros — conclui.

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