Rio Bairros Zona Norte

Um outro talento: telas de Nelson Sargento estão em exposição no Instituto Nise da Silveira

Espaço Travessia recebe obras do sambista, morto em maio, e de mais 21 artistas
Obra com a assinatura de Nelson Sargento no Espaço Travessia Foto: Divulgação/Marcelo Valle
Obra com a assinatura de Nelson Sargento no Espaço Travessia Foto: Divulgação/Marcelo Valle

RIO — As primeiras pinceladas da vida de Nelson Sargento (1924-2021) aconteceram em paredes, na juventude, quando trabalhou como pintor. Tempos depois, as telas conheceram as cores, os traços e o talento do também sambista, cantor, radialista, poeta e escritor. Referência da cultura popular e ativo até os últimos suspiros, o mangueirense ilustre planejava expor obras inéditas para comemorar seu aniversário, em 25 de julho. Sua partida impediu a presença física, mas não que parte da sua herança ganhasse asas e voasse rumo ao Engenho de Dentro. Até o dia 26 de setembro, o público está convidado a conferir a exposição “Arte, agoniza mas não morre — Nelson Sargento 9.7”, com obras do mestre e de mais 21 artistas convidados no Espaço Travessia, que fica no Instituto Municipal Nise da Silveira (Rua Ramir Magalhães 521). Para visitar a mostra, gratuita, é preciso agendar pelo e-mail [email protected] ou pelo telefone 98909-1123.

A exposição joga luz sobre os temas comuns às obras de Sargento e dos demais expositores. Ancestralidade, negritude, samba, favela, periferia e o cotidiano típico do subúrbio se manifestam através de diiferentes interprtetações artísticas, como pinturas, esculturas e fotografias. Morador do Lins de Vasconcelos, Rona tem o candomblé como uma de suas inspirações.

Obra do artista visual Rona Foto: Acervo pessoal
Obra do artista visual Rona Foto: Acervo pessoal

— Eu me emocionei ao ver pela primeira vez os quadros deste artista tão plural. Nelson Sargento é imortal, uma referência eterna nas artes e, felizmente, arte se perpetua. Fazer parte desta ocupação artística ao lado dos quadros de Nelson e de outros artistas, a maioria suburbana como eu, é um privilégio. Sem contar a importância de ter a grandiosidade da obra de Sargento na Zona Norte — diz o artista visual. — Estou com cinco obras nesta mostra que dialogam com a minha vivência, que está muito ligada ao samba e ao candomblé.

Leia mais: Zezé Motta é uma voz contra o preconceito nas redes sociais

Já Flávio Brick leva para a exposição a escultura batizada de “Móbile trajetórias”. Através deste trabalho, o artista plástico, morador do Maracanã, representa o viver no Rio e a necessidade diária de desviar das mazelas da cidade.

Escultura do artista plástico Flávio Brick Foto: Acervo pessoal
Escultura do artista plástico Flávio Brick Foto: Acervo pessoal

— Os sambistas dominam esta “técnica” de sobrevivência e equilibrismo com rara sabedoria. O samba e a cidade agonizam, mas não morrem, como cantava Nelson Sargento. Ele e seus contemporâneos sambistas foram especialistas na arte da sobrevivência. Viver desviando-se das balas perdidas, metafóricas ou não, que nos rondam constantemente é um dos desafios dos cariocas — constata.

Leia mais: Dona de sebo trabalha sem remuneração para não fechar as portas

Mulher trans, Leá Cunha reflete em sua arte o desafio de ser quem é. Moradora do Engenho de Dentro, a artista visual lança mão da fotografia para revelar rostos que guardam histórias, muitas vezes de preconceito.

A artista visual Leá Cunha usa a fotografia como forma de manifestação artística Foto: Acervo pessoal
A artista visual Leá Cunha usa a fotografia como forma de manifestação artística Foto: Acervo pessoal

— A minha fotografia é voltada para a comunidade negra, as tradições negras, inclusive o candomblé e o carnaval. A musicalidade do samba é muito presente em mim, então Nelson Sargento sempre foi um ídolo. Eu sabia que ele era artista plástico, mas não conhecia a sua obra, que revela traços que fogem do convencional. É importante democratizar o acesso a esta outra faceta do mestre. Como mulher preta e trans, estar neste espaço expositivo, homenageando Nelson, é indescritível. É um volta potente à ativa, depois de tanto tempo sem conseguir espaço para expor devido à pandemia. Eu choro de emoção por ter uma oportunidade como esta no país que mais mata transexuais no mundo. Eu quero ser uma referência para quem vier depois de mim, como Nelson, guardando as devidas proporções, é para todos os pretos, sambistas e amantes da arte em geral.

Referência artística, Nelson Sargento realizou sua primeira exposição individual nos anos 1970, restrita a amigos e artistas, na casa do jornalista, compositor e escritor Sérgio Cabral. A partir daí, a pintura de quadros passou a fazer parte da sua rotina de trabalho. Não demorou para que suas telas despertassem o interesse de amantes da arte. Na ocupação artística “Arte, agoniza mas não morre — Nelson Sargento 9.7”, o público tem a oportunidade de contemplar seis quadros criados pelo sambista, além de outros que não chegaram a ser concluídos.

SIGA O GLOBO-BAIRROS NO TWITTER ( OGlobo_Bairros )