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Por Natália Boere — Rio de Janeiro

O ano era 2014, e o então estudante de Artes Dramáticas da Universidade de São Paulo (USP) Clayton Nascimento assistia pela TV a um jogo de futebol do Santos com o Grêmio em solo gaúcho. Até que ouviu o goleiro santista Aranha ser chamado de “macaco” por toda a torcida tricolor. Estava plantada ali a semente de “Macacos”, peça da Cia do Sal sobre a estruturação do racismo no Brasil. Diante do sucesso, o espetáculo, em cartaz no Teatro Ipanema às sextas (20h), aos sábados (20h) e aos domingos (19h), teve a temporada estendida até o próximo dia 21. E vai ganhar uma segunda temporada a partir do final de junho. Os ingressos custam R$ 40 (inteira) e estão à venda pelo Sympla.

— Na época, pensei que alguma força histórica legitimava aquelas pessoas a xingar um corpo negro em rede nacional. E decidi estudar onde havia nascido o xingamento “macaco”. Passei seis anos dentro da biblioteca da USP lendo todas as referências de Brasil colonial, saneamento básico, história da educação pública e da segurança pública. E percebi que havia um rastro deixado no país, desde a origem, de nação que segrega, exclui, elimina, racializa. E que precisava escrever uma peça sobre isso — conta Nascimento, de 34 anos, autor, protagonista e diretor da montagem.

Em sua pesquisa, ele conta, descobriu que “macaco” virou xingamento quando os franceses tentaram colonizar o Brasil, território da América portuguesa, a partir do século XVI. Antes de sair daqui, eles sequestraram indígenas e escravizados africanos e levaram para a Europa. E, para justificar por que seu país deveria investir na colonização brasileira, vestiram-nos como franceses, inventando a identidade do francês selvagem.

— Os olhos dos franceses brilharam diante de pessoas tão diferentes que também eram francesas e queriam ser “civilizadas”. Exclamava-se: “Essa menininha é linda, parece uma macaquinha”. A partir daí, esses corpos foram colocados em jaulas, em exposição para a elite oligárquica francesa. Até que, devido a diferenças raciais, econômicas e sociais, o “parece uma macaquinha”, evoluiu para “que corpulento este homem, parece um macaco”. E o processo de colonização se intensificou, e os corpos se tornaram “macacalizados” — explica Nascimento, vencedor do Prêmio Shell 2023 e do Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) na categoria melhor ator.

Jogando luz no racismo. Clayton Nascimento em cena no espetáculo “Macacos”, em cartaz no Teatro Ipanema — Foto: Divulgação/Bob Sousa
Jogando luz no racismo. Clayton Nascimento em cena no espetáculo “Macacos”, em cartaz no Teatro Ipanema — Foto: Divulgação/Bob Sousa

“Macacos” aborda episódios da História geral do Brasil. E ainda traz estatísticas e relatos de mães e famílias de jovens negros presos ou executados pela Polícia Militar de 1500 até 2021. A montagem estreou em São Paulo e já passou por Minas Gerais, Espírito Santo, Ceará, Pernambuco, Distrito Federal e Amazonas.

— Em cada estado por que passamos, nós nos comprometemos a pesquisar, junto com historiadores e moradores locais, o que aconteceu naquela região em relação às decisões da Corte Portuguesa durante a escravatura. E, após as pesquisas, criamos uma nova cena dentro da peça para cada um desses estados — acrescenta Nascimento, que está no elenco de “Fuzuê, a próxima novela das 19h da TV Globo.

Produtor-geral do espetáculo, Ulisses Dias destaca que a montagem trata do preconceito contra os povos pretos apenas com um ator e um batom: a partir do relato de um homem preto que busca respostas para o racismo que rodeia seu cotidiano e a história de sua comunidade.

— A obra se desenrola num fluxo de pensamentos, desabafos e elucidações que surgem em cenas pautadas em nossa História geral. E também em situações vividas por grandes personalidades negras, como o escritor Machado de Assis e as cantoras Elza Soares e Bessie Smith (diva do blues americana que morreu vítima de um acidente de carro, após não poder entrar em um hospital “só para brancos”) — relata Dias.

Força. Nascimento em cena no Teatro Ipanema — Foto: Divulgação/Bob Sousa
Força. Nascimento em cena no Teatro Ipanema — Foto: Divulgação/Bob Sousa

Para o ator, professor e crítico de teatro Gilberto Bartholo, Nascimento é “um professor e um gigante em cena”, e “Macacos” é “uma das mais importantes experiências” que ele viveu nos últimos tempos.

— Sentado numa poltrona da primeira fila do Teatro Ipanema, eu me senti como se tivesse ido parar num banco escolar. Durante 140 minutos, aprendi o que me foi negado saber por 73 anos. Tive a mais completa aula de história, de humanidade, de justiça social, de cidadania e de tantas outras disciplinas que nunca pensei um dia ter. A peça deveria ser filmada e exibida em todas as escolas do país — resume.

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