Dora Diamant, última companheira de Franz Kafka, garante que o escritor tcheco virou carteiro de bonecas nos últimos dias de sua vida para alegrar uma menina que chorava num parque por ter perdido seu brinquedo. Apesar de ter sido publicada em vários jornais na época, não se sabe ao certo se a história é verídica, pois as cartas nunca foram encontradas. Fato é que inspirou o livro “Kafka e a boneca viajante”, de Jordi Sierra i Fabra, que recebeu o Prêmio Nacional de Literatura Infantil y Juvenil, da Espanha, em 2007, e originou duas peças de teatro brasileiras.
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De 20 de abril a 9 de junho, aos sábados e domingos, às 16h, o Teatro Futuros, no Flamengo, recebe o espetáculo infantil “A história de Kafka e a boneca viajante”, dirigido pelo ator e diretor Isaac Bernat. A dramaturgia é assinada pela atriz e pesquisadora Julia Bernat. Em cena entram os atores João Lucas Romero, que dá vida a Kafka, e Laura Becker, que interpreta a menina (Elsi, nome dado pelo autor do livro), a mãe dela e uma vizinha do escritor. O trabalho fala sobre o crescimento infantil e a superação de perdas, além de ressaltar os sentimentos de amor, amizade e confiança.
— Conheci o livro em 2018 e lembro de não conseguir parar de ler. Minha filha escreveu a adaptação em 2019, e íamos estrear, mas a pandemia mudou os planos. A boneca não aparece na peça, nós a deixamos para o imaginário das crianças. Nós nos baseamos no livro, mas trouxemos muitas coisas que surgiram no processo de ensaio. Trabalhamos a questão da perda — diz o diretor.
Julia chama a atenção para a estreia no ano que marca o centenário da morte de Kafka. Diz ainda que o livro não é para crianças, mas que uma criança pode ler por ser lúdico e poético. O diretor explica que fez a peça para toda a família porque quem leva as crianças ao teatro são os adultos e em sua visão todos devem participar. Resume a história como a necessidade de mostrar que a vida é preciosa e que deve ser valorizada.
— Kafka não foi pai, mas foi a relação com a menina que norteou os últimos dias de sua vida. E foi a literatura que salvou essa criança e mostrou a ela que a vida continua mesmo com as perdas. Existe um ditado africano que diz que é melhor que deixemos as coisas antes que elas nos deixem; não podemos ficar presos ao passado. Precisamos viver o presente. A perda da boneca mostra que Elsi precisa seguir em frente e que a Brígida (a boneca) vai estar sempre em seu coração. A relação de Kafka e Elsi fala muito sobre empatia e cuidado. É uma história cativante e apaixonante —explica.
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A peça tem músicas criadas exclusivamente por Pedro Luis, que também assina a direção musical. Bernat conta que os dois trabalharam juntos anteriormente, e a escolha veio após um encontro inesperado em Portugal.
— Fazer a trilha original e a direção musical de uma história tão sensível e afetiva é um privilégio que agradeço ao Isaac por ter me dado. Já fiz direção musical e destacaria recentemente “Gota d’água [a seco]” e “Elza — O musical”. Mas aqui a demanda se estende a compor todos os temas e a falar para todas as idades. É missão que me provoca e me honra — diz Pedro Luis.
Adaptação para musical adulto
Enquanto Isaac Bernat dirige a peça para crianças, João Fonseca voltou ao Rio para uma nova temporada do musical “Kafka e a boneca viajante”, que é uma adptação do livro para adultos e está em cartaz até o próximo dia 28 no Teatro Clara Nunes, na Gávea. A montagem teve duas indicações ao Prêmio Shell e seis ao Prêmio APTR, da Associação de Produtores de Teatro. A dramaturgia é do premiado Rafael Primot. Fonseca já dirigiu Bernat, e os dois não poupam elogios de parte a parte. A curiosidade é que nenhum deles assistiu ao trabalho do outro que tem o mesmo livro como inspiração.
— Estreamos ano passado no CCBB e voltamos agora ao Clara Nunes, que tem uma capacidade maior. É gratificante porque essa montagem é especial e me marcou muito. O trabalho dos atores é primoroso. A sensação é de sair da peça acarinhado — resume o diretor.
No elenco estão Alessandra Maestrini, André Dias, Carol Garcia e Lilian Valeska. A idealização é do produtor cultural Felipe Heráclito Lima; e a produção, de Angela Menezes e Amanda Menezes.
— Não conhecia o livro, e quando o Felipe o apresentou a mim, fiquei encantado. A história é linda e inusitada. Ninguém pode imaginar que um grande escritor parou para ouvir uma menina chorando e acabou inventando que era carteiro de bonecas —diz Fonseca.
O diretor conta que teve muitos desafios, sendo um deles trabalhar entre o adulto e o infantil.
— Esse lugar de contar uma história que tem uma criança, uma boneca, uma gaivota e um soldado de chumbo exigiu muita criatividade e imaginação. Isso é que foi gostoso, porque é uma história adulta e profunda, mas da qual a criança faz parte. Tivemos que procurar delicadeza e sensibilidade, o que foi amparado pelas lindas músicas que o Tony Lucchesi escolheu — detalha.
Voltar para uma nova temporada após uma anterior com várias indicações a prêmios foi um dos estímulos de toda a equipe, frisa Fonseca:
— É um reconhecimento pelo trabalho que fizemos. Os prêmios também ajudam a despertar o interesse do público. Queremos que as pessoas venham e se emocionem, se divirtam. A peça deixa várias mensagens, principalmente depois de uma pandemia. Gosto de pensar que as pessoas que partiram desta vida foram viajar. O amor nunca se despede; ele sempre volta de alguma maneira.
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