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Rio Carnaval 2020

Bandeiras sociais provam que têm poder na Sapucaí: enredos menos engajados ficam fora do Desfile das Campeãs

Na campeã Viradouro, o desfile sobre as ganhadeiras de Itapuã teve luxo e requinte para tratar também de empoderamento feminino e sororidade
Componente da comissão de frente da Grande Rio: escola foi vice clamando por tolerância religiosa, em enredo sobre Joãozinho da Gomeia Foto: Guito Moreto / Agência O GLOBO
Componente da comissão de frente da Grande Rio: escola foi vice clamando por tolerância religiosa, em enredo sobre Joãozinho da Gomeia Foto: Guito Moreto / Agência O GLOBO

RIO — Feminismo, tolerância religiosa, combate ao racismo e luta contra a homofobia... As pautas afirmativas levadas à Sapucaí triunfaram no carnaval, seguindo um caminho já trilhado em 2018 e 2019. Nas seis escolas que voltam à Passarela no próximo sábado, no Desfile das Campeãs , cinco traduziam em alegorias e fantasias mensagens sobre temas que estão em ebulição nos debates atuais, refletidos também na folia das ruas. Em contrapartida, enredos que os críticos consideraram “chapa-branca”, como a Brasília cantada em forma de lenda indígena pela Vila Isabel , patinaram nas notas do júri.

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Na campeã Viradouro , o desfile sobre as ganhadeiras de Itapuã teve luxo e requinte para tratar também de empoderamento feminino e sororidade. As homenageadas eram escravas de ganho que, no século XIX, realizavam atividades remuneradas e, lavando roupa à beira da Lagoa do Abaeté ou vendendo quitutes, juntavam dinheiro para alforriar outras mulheres. Nos dias atuais, descendentes delas formam o grupo das Ganhadeiras, que resgata cantos e tradições daquele período.

— No passado, algumas delas enriqueceram tanto que dominaram o comércio de Itapuã, a ponto de o governo querer controlar as finanças delas. Eram empreendedoras, apoiavam umas às outras, guardavam uma tradição matriarcal — explicou, antes do desfile, o carnavalesco Tarcísio Zanon, que levou à Sapucaí mulheres ativistas e o pictograma do movimento feminista.

Imagem impactante: Mangueira levou para a Avenida escultura de Jesus negro, de brinco e marcas de tiros pelo corpo Foto: Alexandre Cassiano / Agência O GLOBO
Imagem impactante: Mangueira levou para a Avenida escultura de Jesus negro, de brinco e marcas de tiros pelo corpo Foto: Alexandre Cassiano / Agência O GLOBO

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A mesma bandeira apareceu na Mocidade, terceira colocada, que homenageou Elza Soares . Em parte da coreografia da comissão de frente, bailarinos encenavam abusos que, no passado, a cantora sofreu de ex-companheiros. Dali em diante, foi um cortejo de temas que fazem parte da música e do discurso de Elza, como combate ao feminicídio e à homofobia. Um dos carros era “O circo da vida: apanhou à beça, mas é dura na queda”, com uma grande pantera-negra para representá-la como símbolo contra a opressão.

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“Milhões de Benjamins”

Já a vice-campeã, a Grande Rio, trouxe como personagem central o pai de santo Joãozinho da Gomeia — negro, candomblecista e assumidamente gay, em meados do século passado. O samba trazia a frase “Respeita o meu axé”, reproduzida na comissão de frente. Na última alegoria, religiosos de diferentes confissões desfilaram juntos com representantes de movimentos sociais.

— O resultado deixou clara a importância do discurso apresentado pelas escolas. Desfilar com um tema no qual você se enxerga é muito mais fácil. No caso de Grande Rio e Mocidade, além de críticas sociais, havia um forte viés identitário com suas comunidades —afirma o sociólogo Mauro Cordeiro, do Observatório de Carnaval da UFRJ, que comentou ainda a situação da Vila Isabel. — A escola trouxe um visual espetacular. Mas, no contexto atual, os desfiles precisam ter muito mais que beleza.

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No Salgueiro, quinto colocado, a pauta foi a igualdade racial, tendo com personagem principal Benjamin de Oliveira, o primeiro palhaço negro do Brasil . A escola defendia que, hoje, ainda são “milhões de Benjamins” a lutar contra o preconceito. Na Mangueira, que terminou em sexto , vários desses temas atravessaram o enredo sobre Cristo. Mas, na outra ponta, enredo menos engajados, como “Pedra”, da Estácio de Sá, perderam nota: foram sete décimos a menos.