Rio

Bonde de Santa Teresa tem crescimento recorde de passageiros, mas antigos problemas persistem

Oito anos após acidente que deixou seis mortos e 57 feridos, sistema ainda apresenta falhas e não percorre trajeto original completo
Cartaz pendurado por moradores à beira dos trilhos pergunta: 'Cadê o bonde da Paula Mattos?' Foto: Matheus Maciel
Cartaz pendurado por moradores à beira dos trilhos pergunta: 'Cadê o bonde da Paula Mattos?' Foto: Matheus Maciel

RIO — O sistema de bondes em Santa Teresa recebeu nos primeiros sete meses deste ano aproximadamente 230 mil pessoas — 41% a mais do que o público no mesmo período do ano passado. Dados divulgados pela Secretaria estadual de Tranportes (Setrans) demonstram um crescimento recorde de 55% no número de passageiros: são 42.647 em 2019 frente a 27.562 no ano passado. Os números positivos, no entanto, contrastam com problemas corriqueiros da gestão. Há exatos oito anos uma composição descarrilou no trajeto de descida deixando seis pessoas mortas e 57 feridas. De lá para cá, o governo estadual ainda não retomou o projeto original e a gestão atual diz que não há qualquer prazo de recomeço das obras.

A Setrans afirma, em nota, que está sendo revisto pela nova gestão da Central Logística a continuidade das obras, visando à retomada dos ramais Silvestre e Paula Matos .

Após o acidente em 27 de agosto de 2011 o trenzinho ainda não voltou ao trajeto original e não percorre até o Largo das Neves — na estação Paula Mattos. Os trilhos por ali se tornaram inúteis e quem toma conta das pistas são os carros, as motos e uma única linha de ônibus que auxilia no transporte dos moradores. Nesta terça-feira, às 18h, um ato interreligioso foi organizado em memória das vítimas do acidente no local. A diretora da Associação de Moradores de Santa Teresa cobra providências do governo.

— As obras estão paradas. Precisamos da complementação do trajeto, é fundamental para os moradores. Hoje só há quatro carros funcionando, realmente em operação. Todos chegam cheios — critica Teresa.

A taxa de ocupação, que em julho do ano passado foi de 47%, esse ano atingiu 73%. O crescimento infla o discurso da Associação de falta de lugares. A Setrans afirma que atualmente, todos os sete bondes operam no sistema e passam, diariamente, por uma inspeção pré-operacional e por manutenções preventivas. A pasta ainda promete que até o fim desta semana, o sistema contará com mais uma composição — a oitava, que passa ainda por testes operacionais.

— Quem vem passear e conhecer apenas não desce em nenhum ponto. Pegam lá embaixo, lotam os bondes e não sobra espaço para quem precisa utiliza-lo como transporte público de fato. Quem que ir ao trabalho ou voltar para casa fica de fora — afirma a diretora.

Problemas persistem

De acordo com a diretora da associação, o olhar turístico para o bondinho não é suficiente. Hoje os moradores do bairro cadastrados não pagam passagem: são 7.420 beneficiados. Quem também recebe a gratuidade são os estudantes da rede pública uniformizados e com o cartão escolar, pessoas acima de 65 anos e portadores do Vale Social. O ticket custa 20 reais para cariocas e turistas em geral.

No ato desta noite será exibido um curta-metragem que conta a história do sistema férreo, “Um bonde chamado Santa Thereza” de Gil Vicente. O chefe de cozinha, Deva Ranjana, do Ateliê dos Artífices, no Largo das Neves, reclama da mudança do percurso.

Bonde de Santa Teresa nesta terça-feira Foto: Matheus Maciel
Bonde de Santa Teresa nesta terça-feira Foto: Matheus Maciel

— O bondinho é a alma de Santa Teresa. Se o bondinho não vem até aqui, falta um pedaço da gente — afirma Ranjana.

A retomada do ramal Silvetre também é cobrada pelos moradores. A insatisfação é sentimento uníssono pelas ruas do bairro. A designer e editora de vídeo, Rizza Habitá, explica que o comércio também perde sem o movimento do bondinho.

— É importante para aquecer a economia local. Até no viés turístico, os turistas não visitam essa parte já que o bondinho não vem até aqui — contesta.

No Largo do Guimarães, o aposentado João Castro de Paula afirma que o serviço nunca voltou a ser o mesmo após o acidente.

— Infelizmente é uma questão esquecida, ao que parece. Já se passaram oito anos. Nem a tragédia fez com que aprimorassem e nos dessem um retorno positivo — lamenta o aposentado.

Há oito anos, cinco pessoas morreram após acidente com o bonde de Santa Teresa Foto: 27-08-2011 / Felipe Hanower
Há oito anos, cinco pessoas morreram após acidente com o bonde de Santa Teresa Foto: 27-08-2011 / Felipe Hanower

O bondinho só voltou a funcionar quatro anos após o acidente, em 2015, e ainda não passa por todos os pontos do projeto inicial. A diretora da Associação de Moradores de Santa Teresa, Teresa Cruz, reclama da falta de incentivo ao importante meio de transporte no bairro.

Falta de diálogo

De acordo com a direção da AMAST, o atual governo não tem mantido diálogo sobre o tema. Há oito meses o grupo alega tentar marcar uma reunião e não é recebido. Procurada para comentar as reclamações dos moradores sobre o baixo número de veículos disponíveis, o trajeto inacabado e as obras inconclusas, a Secretaria Estadual de Transporte informou que o trajeto atual é realizado entre a Estação Carioca e a parada Dois Irmãos, com intervalos de 20 minutos.

A privatização do sistema chegou a ser conversada nos bastidores da secretaria, mas não foi adiante.

— Nós queremos 21 bondes, pelo menos, funcionando. Dos Prazeres até o Silvestre, e do Guimarães até o Largo das Neves. Na prática o bonde não serve ao morador que é quem entrou na Justiça para ele voltar a funcionar. Para o bairro ele não da retorno. É um brinquedo aos turistas. Falta uma política pensada em transporte e acesso. Se privatizar, como nos disseram, nos excluirá. Somos totalmente contrários à ideia — rebate Teresa.

O transporte circula de segunda a sexta, das 8h ‪às 17h40‬; aos sábados, das 10h ‪às 17h40‬, e aos domingos e feriados, das 11h ‪às 16h40‬. Há, ainda, a operação entre a Estação Carioca e a Rua Francisco Muratori, ‪às 8h30‬. A pasta não informou se há intenção de privatizar o sistema de bondes até a publicação da reportagem.