Rio Carnaval Carnaval 2022

Cartola, Jamelão, Delegado e uma multidão de 'camisas' na Mangueira

Carnavalesco Leandro Vieira resgata história da própria escola na Avenida e emociona o público
Desfile da Mangueira. Escola homenageia seus ícones Cartola, Jamelão e Delegado Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
Desfile da Mangueira. Escola homenageia seus ícones Cartola, Jamelão e Delegado Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

RIO — A escultura de Delegado, o maior mestre-sala da história do carnaval, como um boneco da caixa de música chamada escola de samba foi o ponto alto do desfile da Mangueira. Celebrar seus totens — Cartola e Jamelão foram os outros — confirmou-se um acerto, ainda que o desfile tenha sido irregular.

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A verde e rosa inventou problema para si mesma, com a absurda quantidade de pessoas sem fantasia, apenas de camisa, caminhando ao lado da escola. Muita gente sem função, uma completa desnecessidade.

Mas a escola teve méritos, como a comissão de frente com trocas de roupa e uma homenagem a outro gigante, Nelson Sargento. Priscila Mota e Rodrigo Neri, o casal de coreógrafos, acertou de novo.

As imagens de Cartola, Jamelão e Delegado, no estilo consagrado pelo mangueirense Lan, foram uma ótima sacada do carnavalesco Leandro Vieira. Mais uma vez, ele toureou terríveis dificuldades financeiras para construir o carnaval. Deu para ver em alegorias e fantasias.

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A bateria mangueirense esteve muito bem, no ritmo preciso para o samba. A verde e rosa tentará uma vaga no Sábado das Campeãs numa disputa cada vez mais renhida.

Neto de Jamelão representou o avô

A Mangueira é uma das oito agremiações que, nesse carnaval, abordam a negritude e o antirracismo em seu samba. E no terceiro carro a entrar na Avenida, uma das personalidades em destaque é Jamelão Netto, que representa o avô .

— O país mudou. Esse projeto de sociedade patriarcal, misógina, homofóbica e racista não existe mais. A Mangueira sempre se pautou pela transformação social. Acho muito importante prestigiarmos os detentores desse legado, como o meu avô, e não nos prendermos à questão da escravidão, por exemplo. Hoje, a gente tem que entrar com enredos que nos coloquem como protagonistas da nossa história, e é o que a Mangueira vai fazer hoje — disse o neto de Jamelão, enquanto cumprimentava os baluartes da escola que desfilam no mesmo carro alegórico.

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Junto a Jamelão Netto, Alcione e Rosimary — ícones da Mangueira — também desfilam no carro "O intérprete, além da Avenida". Segundo ele, "o carnaval é a maneira mais didática de a gente apresentar as nossas inquietudes dentro de camadas sociais que nunca nos privilegiaram".

40 litros do perfume de Dona Zica

Para lembrar Cartola, a Mangueira “ perfumou ” a Marquês de Sapucaí com a mesma essência que costumava ser utilizada por Dona Zica, mulher do cantor e compositor e também ícone da verde e rosa, antiga integrante da Velha Guarda da escola. Na missão de lembrar Euzébia Silva do Nascimento, seu nome de batistmo, o carnavalesco Leandro Vieira e a equipe do barracão da “Estação Primeira”, providenciaram 40 litros do perfume proveniente da flor de laranjeira . Zica morreu em 2003, mas o produto está à venda no mercado até hoje e é utilizado por milhares de mulheres Brasil afora.

No Sambódromo, o cheiro é liberado pela terceira alegoria, “As rosas não falam”, uma reunião de referências a Cartola. Vieira também desenhou um tripé, que antecede o carro, para lembrar a principal imagem que o público tem do artista e Dona Zica: os dois lado a lado e enamorados entre si.

Mais verde e rosa do que nunca

Com um enredo que conta a biografia de três grandes baluartes, “Angenor, José & Laurindo”, ou apenas Cartola, Jamelão e Delegado, o carnavalesco Leandro Vieira volta à briga pelo título com uma homenagem digna dos três pilares identitários da Velha Manga.

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— Celebrar Cartola, Jamelão e o Delegado é celebrar a própria Mangueira. A escola está mais verde e rosa, e estas três personalidades têm muita ligação com a Mangueira. Fica mais bonito você falar da Mangueira com as cores da própria Mangueira — disse o carnavalesco.

De acordo com ele, a ideia do enredo surgiu durante a pandemia, por conta da saudade da agremiação e do convívio com a comunidade. E, diferentemente dos outros anos, o enredo da Mangueira não tem um viés de crítica social. É um carnaval mais baseado na emoção, com uma Estação Primeira mais clássica.

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— Cada um tem o seu setor, e eu menciono a biografia deles. No setor do Delegado eu o cito como um bailarino; no de Jamelão, como um cantor, com uma carreira não só com o samba-enredo; e no setor do Cartola, eu falo de seu principal sucesso, 'As rosas não falam' — contou Leandro, campeão com a Mangueira em 2016 e 2019.

Segunda escola a pisar na Marquês de Sapucaí nesta sexta-feira (22), a Estação Primeira de Mangueira cantou o samba composto por Moacyr Luz, Bruno Souza, Leandro Almeida e Pedro Terra.

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Confira o samba-enredo da Mangueira

"Angenor, José & Laurindo"

Autores: Moacyr Luz, Bruno Souza, Leandro Almeida e Pedro Terra

Intérprete: Marquinho Art'Samba

Mangueira… teu cenário é poesia
Liberdade e autonomia
Que o negro conquistou (ô, ô, ô)
Mangueira… a alvorada anuncia
O legado, a dinastia
A sabedoria se chama Angenor
Nesse solo sagrado o Samba ecoou
Tem cantor, mestre-sala e compositor
Lustrando sapato, vendendo jornal
Chapéu de pedreiro no mesmo quintal
Três iluminados Reis do Carnaval

As rosas não falam, mas são de Mangueira
Eu vi Seu Laurindo beijando a bandeira
José Clementino na flor da idade
O sol colorindo a minha saudade

É verde e rosa a inspiração
A devoção por toda nossa raiz
Quem traz a cor dessa nação
Sabe que o morro é um país
A voz do meu terreiro imortaliza o Samba
E quem guardou com amor o nosso pavilhão
Tem aos seus pés a nossa gratidão

Só sei que Mangueira
É um céu estrelado
Não é brincadeira
Sou apaixonado
A Estacão Primeira
Relembra o passado
Valei-me, Cartola, Jamelão e Delegado