RIO — Nos desfiles de 2022, não passou nada sequer parecido com a Grande Rio. A escola de Caxias fez apresentação magistral e se tornou a favorita disparada para o título. Tudo indica que chegou a hora de encerrar o jejum.
No bojo, andou a fila dos carnavalescos. Leonardo Bora e Gabriel Haddad superaram todos os outros
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de longe
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para se consolidar como os grandes talentos da parte visual da festa. A estética inovadora, precisa, juntando informação, apuro e beleza, dão um passo adiante nesta seara.
E teve uma escola que descobriu
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antes tarde do que nunca
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sua gente. O povo de Caxias, como o de Nilópolis, o de Madureira, o de Niterói, de todas as comunidades da capital do samba. Eletrizados, os componentes cantaram o samba circular
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como a história de Exu, orixá do movimento, da comunicação
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sem deixar cair um minuto sequer.
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Própria história: Cartola, Jamelão, Delegado e uma multidão de 'camisas' na Mangueira
As alegorias
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do carnaval, de Estamira, a catadora, símbolo do aterro de Gramacho
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foram, de longe, o que de mais bonito passou na Sapucaí.
A Grande Rio dessa vez não errou, como em 2006 e 2020. O título inédito está próximo como jamais esteve.
Contra a intolerância religiosa
Demerson Dálvaro soube em 13 de junho de 2020 que seria o Exu da Grande Rio. E o papel era muito importante: a escola homenageou o orixá no enredo deste ano, falando sobre transformações. Para brilhar na comissão de frente, então, Dálvaro ensaiou por seis meses.
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— Desfilo desde 2007, sendo desde 2019 na Grande Rio. Mas foi um desafio grande que encarei com muita seriedade. Foram seis meses de ensaio para sair como saiu — contou ele, para quem tudo valeu a pena. — A importância desse enredo não é só pra hoje. É combater a intolerância religiosa.
A Grande Rio trouxe em sua comissão de frente o encontro entre catadores de lixo e Exu. Personagens reais que cantavam lixo foram representados na avenida por atores, que eram levados a se conectarem com o orixá.
Baobá:
Ancestralidade da Portela toma a Avenida para enaltecer a força da árvore africana
— Eu representei Estamira, uma catadora de lixo que muitos achavam que era maluca, por ter uma conexão com Exu e com a terra. Estou muito emocionada com essa tarefa. É incrível estar representando o povo de rua, para as pessoas pararem de achar que Exu é coisa ruim. Exu é amor, é luz, é caminho — conta Jéssica Amêndola.
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Ela era uma das componentes que entregou rosas para o público presente na avenida.
A escola trata o lixo como potencial, já que reciclado pode ganhar novas utilidades e significados.
Desmistificando a divindade afrobrasileira
As múltiplas potências de Exu deram os tons da Avenida durante o desfile da Acadêmicos do Grande Rio. Movimento, transformações, circularidades, conexões e alegrias são algumas das pulsões de Exu que viraram alegorias grandiosas e fantasias originais, com as quais a tricolor de Caxias, da rainha de bateria Paolla Oliveira, busca seu primeiro título no Grupo Especial. A ideia da escola foi desmistificar a imagem do orixá — que costuma ser vista de forma deturpada por parte da sociedade.
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— Continuaremos contribuindo para o debate contra a intolerância e o racismo religioso do carnaval de 2020. Mas também será uma grande celebração, mostrando os Exus presentes no nosso dia a dia: nos bares, nas ruas, nas esquinas, nos mercados, nas feiras, na manifestações... Há uma expressão do (pesquisador Luiz Antonio) Simas que ajuda explicar bem o espírito desse enredo: é uma visão exuzíaca de mundo — diz Leonardo Bora, um dos carnavalescos da escola, ao lado de Gabriel Haddad.
Confira o samba-enredo
"Fala Majeté! Sete chaves de Exu"
Autores: Gustavo Clarão, Arlindinho Cruz, Jr. Fragga, Claudio Mattos, Thiago Meiners e Igor Leal
Intérprete: Evandro Mallandro
Boa noite, moça, boa noite, moço...
Aqui na terra é o nosso templo de fé
“Fala, Majeté!”
Faísca da cabaça de Igbá
Na gira… Bombogira, aluvaiá!
Num mar de dendê...caboclo, andarilho, mensageiro
Das mãos que riscam pemba no terreiro
Renasce Palmares, Zumbi Agbá!
Exu! O Ifá nas entrelinhas dos Odus preceitos, fundamentos, Olobé
prepara o padê pro meu axé
Exu Caveira, Sete Saias, Catacumba
É no toque da macumba, saravá, alafiá!
Seu Zé, malandro da encruzilhada
Padilha da saia rodada… ê Mojubá!
Sou Capa Preta, Tiriri, sou Tranca Rua
Amei o sol, amei a lua, Marabô, Alafiá!
Eu sou do carteado e da quebrada
Sou do fogo e gargalhada… ê Mojubá!
Ô, luar, ô, luar… catiço reinando na segunda-feira
Ô, luar… dobra o surdo de terceira
Pra saudar os guardiões da favela
Eu sou da Lira e meu bloco é sentinela
Laroyê, laroyê, laroyê!
É poesia na escola e no sertão
A voz do povo, profeta das ruas
Tantas estamiras desse chão
laroyê, laroyê, laroyê!
As sete chaves vêm abrir meu caminhar
À meia-noite ou no sol do alvorecer... Pra confirmar:
Adakê Exu, Exu, ê, Odará!
Ê bará ô, Elegbará!
Lá na encruza, a esperança acendeu
Firmei o ponto, Grande Rio sou eu!
Adakê Exu, Exu, ê, Odará!
Ê bará ô, Elegbará!
Lá na encruza, onde a flor nasceu raiz
Eu levo fé nesse povo que diz
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