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De lixo a alegoria: materiais inservíveis são base da arte da Grande Rio em carnaval que homenageará Exu

Para os carnavalescos Leonardo Bora e Gabriel Haddad, a ideia é mostrar que uma das chaves de compreensão do orixá é a transformação, a reciclagem
No desfile da Grande Rio, lixo será matéria-prima de obra contemporânea. Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
No desfile da Grande Rio, lixo será matéria-prima de obra contemporânea. Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

RIO — Entre os carros alegóricos que recebem os retoques finais no barracão da Grande Rio para o desfile do próximo sábado, um deles não tem desenho preestabelecido e ganha forma a partir de restos de fantasias velhas, pedaços de esculturas, adereços de outros carnavais e lixo recolhido pelos catadores da associação do antigo aterro de Gramacho, em Duque de Caxias. No enredo sobre Exu, é uma das soluções dos carnavalescos Leonardo Bora e Gabriel Haddad para mostrar que uma das chaves de compreensão do orixá é a transformação, a reciclagem.

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E para executar esse projeto, que promete impacto no Sambódromo, eles selecionaram seis estudantes da Escola de Belas Artes (EBA) que ajudam a ressignificar artisticamente o que poderia ser considerado inservível.

— Não queríamos uma leitura romantizada e estereotipada do lixo, nem a estetização da miséria. Partimos, então, do olhar de Estamira (catadora que vivia em Gramacho), questionando o que é esse lixo. Entre suas provocações, ela dizia que é o material de uma sociedade deturpada, que exclui o que não considera apto. Utilizamos também a ideia de sustentabilidade. Dessa forma, trabalhamos com o produto de carnavais passados, mas também, em parceria com o Tião Santos, líder da associação de Gramacho, com pacotes e cápsulas de café, latinhas de alumínio, tampinhas, muita fiação, lixo eletrônico... — explica o carnavalesco Bora.

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As raízes de tecidos que compunham o abre-alas do último carnaval, quando a Grande Rio foi vice-campeã contando a história de Joãozinho da Gomeia, por exemplo, foram, nas palavras de Bora, regurgitadas no carro que, desta vez, vai encerrar o desfile da tricolor de Caxias. Parte do lixo reaproveitado também foi retirado do antigo barracão da escola, na Zona Portuária, onde hoje é confeccionado o desfile da agremiação mirim Pimpolhos da Grande Rio. Assim como os carnavalescos pediram restos de outras escolas.

Estudo de cores

Bora diz, porém, que o resultado final não poderia ser um amontoado dessas sobras. A concepção da alegoria exige um estudo cromático, de formas, de textura e de materiais. Estão sendo priorizados, por exemplo, tons terrosos e mais quentes. E, no alto do carro, ainda há uma escultura de uma grande feiticeira, toda vazada. O que vem sendo realizado junto com estudantes da EBA, três homens e três mulheres, os seis com o sonho de se tornarem carnavalescos e que, no barracão, viraram empreiteiros de alegoria.

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Joana DArc Próperi, aluna do curso de Indumentária, é uma delas. No carro, ela conta que cada um dos seis também é responsável pela decoração de sete esculturas de Exu que virão rodando na alegoria. Assim como na estrutura que as cercará, elas também estão sendo revestidas de restos.

— Não tem desenho do que estamos fazendo. Cada um tem a liberdade de propor a sua arte. Na minha escultura, uso tampas de frascos de álcool em gel usados na pandemia, latinhas de alumínio, acetato de carnavais passados... Sou de Minas Gerais, onde já trabalhei com o carnaval. Mas o que estamos fazendo aqui é é uma experiência sem igual — diz Joana.

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Uma instalação que poderia estar em exposições de arte contemporânea, a alegoria, no entanto, é diferente de outras elaboradas com lixo que já passaram pela Avenida, como a de “Tupinicópolis”, da Mocidade, em 1987, e de “Ratos e urubus, larguem minha fantasia”, da Beija-Flor, em 1989.

Um dos empreiteiros da Grande Rio, José Paulo Conceição trabalhou como aderecista no carnaval de 1987 da verde e branco de Padre Miguel. E lembra como eram distintos os restos que viraram luxo da Passarela naquela época.

— Usamos galões de água e de óleo, latinhas de refrigerante e paetês. O carro deste ano da Grande Rio é outro conceito — ressalta José Paulo.