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Grupo Especial: Grande Rio faz um dos melhores desfiles do século, mas Vila Isabel sonha com o título de 2022

Após várias adversárias tropeçarem, Vila também é favorita, com o enredo sobre Martinho e desfile bem realizado
Carro alegórico da Grande Rio: escola conjuga beleza, criatividade e inovação Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo
Carro alegórico da Grande Rio: escola conjuga beleza, criatividade e inovação Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo

RIO — A festa das grandes escolas de samba em 2022, deslocada até o outono, seria histórica somente pela data, decorrente (ainda) da pandemia. Mas há motivo mais virtuoso para a distinção nos compêndios do paticumbum: a Grande Rio .

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Pouco importa o que vai apontar o júri da Liesa, esse coletivo pragmático e, por vezes, excessivamente subserviente: a tricolor de Caxias produziu um dos maiores desfiles do século, ao lado da Beija-Flor de 2007 ("Áfricas") e da Mangueira de 2019 ("Histórias para ninar gente grande", o enredo da Marielle). Simplesmente, não passou nada sequer parecido com a Grande Rio.

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A escola de Caxias fez apresentação magistral e se tornou a favorita disparada para o título. Tudo indica que chegou a hora de encerrar o jejum. No bojo, andou a fila dos carnavalescos. Leonardo Bora e Gabriel Haddad superaram todos os outros com folga, para se consolidar como os grandes talentos da parte visual — e de narrativa — da festa. A construção inovadora, precisa, juntando informação, apuro e beleza encena novo passo na saga dos desfiles. E eles lideraram uma escola apaixonada por sua gente.

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O povo de Caxias, como o de Nilópolis, o de Madureira, o de Niterói, de todas as comunidades da capital do samba será sempre a salvação. Eletrizados, os componentes cantaram o samba circular — como a história de Exu, orixá do movimento, da comunicação — sem deixar cair um minuto sequer. Seguiram o ritmo da estupenda bateria de mestre Fafá, emoldurando conjunto revolucionário de alegorias.

O carnaval, a feira, Estamira, a catadora-símbolo do aterro de Gramacho — nada se aproximou dessa coleção em 2022. E a Grande Rio dessa vez não errou, como em 2006 e 2020. O título inédito está próximo como jamais esteve. Precisará, para isso, bater a Vila Isabel, oponente que sobrou, na sucessão de acidentes que varreu o Grupo Especial.

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O enredo-homenagem a Martinho da Vila, o desfile bem realizado e a força política expressa no inédito discurso do Capitão Guimarães antes do início da apresentação credenciam a escola. No projeto concebido para consagrar seu grande nome com o título do carnaval, a Vila Isabel empenhou tudo. O luxo de alegorias bem acabadas, a riqueza por todos os setores, os componentes mobilizados, a simpatia iressistível de Martinho da Vila.

A azul e branco do bairro de Noel Rosa ganharia em vários outros anos — 2020 inclusive. Mas a festa fora de época de 2022 tem a Grande Rio num patamar quase inatingível. A Vila, ainda assim, foi à luta, fechando a maratona com um desfile sem erros.

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O samba-enredo que descreve o Martinho despojado, do chinelo de dedo, tomando uma gelada, ganhou aceleração vigorosa da bateria de mestre Macaco Branco e os componentes mergulharam de cabeça. Não tinha ninguém de boca fechada — ainda que os poucos remanescentes na plateia não tenham embarcado na alegria da pista. Perderam.

Martinho começou o show de encantamento saindo do elemento alegórico da comissão de frente numa cadeira suspensa. Voltou no fim, passeando na pista, despojado como leva a vida. A Sapucaí materializou — de novo — o sonho de um mundo mais ameno, ao som dos versos "Canta forte, minha Vila/ A vida vai melhorar".

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A Unidos da Tijuca segue o otimismo, numa das surpresas positivas do ano. O povo do pavão realizou seu melhor desfile desde o vice-campeonato de 2016, com um estilo de cores fortes para narrar a história do guaraná. O samba excelente — conduzido brilhantemente pelo veterano craque Wantuir e sua filha Wic, Estandarte de Ouro de revelação — e a invariavelmente espetacular bateria de Mestre Casagrande conduziram a escola, autorizada a sonhar com o Sábado das Campeãs.

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Canto e bateria são a especialidade da Portela , que venceu terríveis dificuldades financeiras para realizar o desfile "Baobá". Dona do melhor chão do carnaval, a maior campeã da festa apresentou comissão de frente de eguns e guerreiros, seguida pela exibição impecável do casal de mestre-sala e porta-bandeira, Marlon Lamar e Lucinha Nobre.

Em seguida, começaram os problemas em alegorias, que afetaram a evolução. O abre-alas triplo desacoplou em frente ao primeiro módulo e o carro da savana, o mais bonito do conjunto, passou com o sol quebrado por toda a avenida. Além disso, o navio negreiro naufragou ao tentar amenizar o horror da diáspora. Mas emociona a escola que apresenta Tia Surica de Oxum, Jerônimo e Teresa Cristina como reis do Maracatu e homenageia o baobá Monarco no encerramento.

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Por falar em amargura, o samba da Mocidade, o melhor da safra 2022 , merecia alegorias mais bem estruturadas. Virou tragédia em acabamentos caóticos e acidentes, que ainda inviabilizaram a passagem dos independentes. Pena — porque eles cantaram empolgados a homenagem a Oxossi. A comissão de frente usou drone para reproduzir a flechada do orixá que salvou o povo da fome, arrancando aplausos da plateia. Os bambas da Zona Oeste mereciam melhor sorte.

Ainda no departamento tragédias, o Paraíso do Tuiuti deve a seus componentes e à bateria de Mestre Marcão a provável sobrevivência no Grupo Especial. O carnavalesco Paulo Barros inventou a alegoria exclusiva para os jurados, o abre-alas que passou vazio pela avenida; os componentes só subiam para encenar uma guerra na frente das cabines. Lamentável.

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A África com pitadas de Disney e Hollywood não funcionou. Referências a ícones pop como Beyoncé, RuPaul e Obama, em metáforas com orixás entra para a lista de bizarrices carnavalescas. O Brasil tem personalidades negras de sobra, dispensa a importação de personagens. E a escola ainda estourou o tempo.

A maratona do paticumbum de 2022 ofereceu, assim, alegria e drama no melhor estilo da festa única. Melhor notícia: a capital do samba está de volta. Que assim seja - para sempre.

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